quarta-feira, 23 de abril de 2025

LEGISLADORES IRRESPONSÁVEIS. LEIS INAPLICÁVEIS. O EXEMPLO DA LEI SAIDINHA

Publicado em 1 de maio de 2024, às 18:44
Fonte: Paulo Thiago Fernandes Dias – Advogado. Doutor em Direito Público (PPGD/UNISINOS). Mestre em Ciências Criminais (PPGCRIM/PUCRS). Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal (UGF). Bacharel em Direito (ICJ/UFPA). Professor universitário (CEUMA e UEMASUL). Pesquisador-líder do grupo de pesquisa “Instituições do Sistema de Justiça e Dignidade da Pessoa Humana” (dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/5436723442142911). Expert na comunidade jurídica “Criminal Player”. Membro do IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Instagram: @paulothiagof Youtube: https://www.youtube.com/@INFORMARDIREITO
Imagem: FreePik Premium.

Costuma soar arrogante o discurso do “eu avisei”, geralmente aplicado às situações nas quais você consegue projetar o resultado negativo de algo e, posteriormente, esse fato se realiza. Algumas previsões são óbvias, especialmente por conta da receita repetida do fracasso que costuma ser adotada no campo da Política Criminal brasileira. E foi diante do óbvio que eu alertei, aqui mesmo na coluna, sobre as bizarras e inconstitucionais alterações promovidas pela demagógica Lei Sargento Dias, também conhecida como lei da saidinha[1].

Eis que eu recebo uma mensagem do amigo e colega de trabalho Gutenberg Alves Fortaleza Teixeira, mestre em Letras e professor de Direitos Humanos na Universidade CEUMA, sobre a repercussão, na mídia comercial, da notícia de que juízes do TJSP estavam “desobedecendo” a lei da saidinha e permitindo a saidinha de presos, sem a prévia submissão ao exame criminológico[2].

Inicialmente, diferentemente da manchete maniqueísta e intelectualmente desonesta utilizada pela mídia comercial, é relevante dizer que os juízes não estão desobedecendo ou descumprindo a lei, mas sim promovendo um controle difuso de constitucionalidade dela e, por isso, obedecendo à Constituição da República.

Posteriormente, vale lembrar que a chamada Lei da saidinha alterou o artigo 112, §1º, da Lei de Execução Penal para exigir que, em se tratando de pena privativa de liberdade: “[…], o apenado somente terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, e pelos resultados do exame criminológico, respeitadas as normas que vedam a progressão[3].  

A mudança legislativa é absolutamente problemática, possuindo elevado potencial para tornar o sistema penitenciário brasileiro ainda mais caótico e inconstitucional, notadamente por resgatar, em termos legislativos, a obrigatoriedade do exame criminológico, para fins de progressão de regime[4].

Com vigência iniciada na data da publicação, o Projeto de lei responsável pela exigência do exame criminológico, enquanto requisito para a progressão de regime, não levou em conta o fato de que a realização do exame criminológico causaria um aumento de despesa em todos os estados-membros e no Distrito Federal, dado que tais entes federativos são os mantenedores da maioria dos presídios brasileiros. Não custa lembrar que a União só possui 5 presídios federais de segurança máxima no território brasileiro. Ora, como os Estados-membros e o Distrito Federal, de uma hora para outra, diante da elevada quantidade de presos com pedidos de progressão de regime sob análise, conseguiriam viabilizar a realização dos exames criminológicos necessários em todos os casos?

A lei não conferiu tempo hábil para a contratação de pessoal (o que geralmente se dá via concurso público). Mais. A lei, fruto de mais uma atuação populista e inconsequente em ano eleitoral, sequer cogitou da ausência de verba no orçamento dos referidos entes, a fim de que tal despesa fosse atendida.

Sem qualquer exagero, a chamada Lei da Saidinha é um verdadeiro escárnio. Assim, seria, no mínimo, inaceitável, que o Estado recusasse o direito à progressão de regime a alguém com base na justificativa de que não possui condições estruturais e pessoais para realizar o exame criminológico. Não poderia o Estado beneficiar-se com a sua própria torpeza.

Seguramente, projetos de lei, como o da saidinha, só avançam em razão da nossa incapacidade crítica (quantas pessoas, inequívocas marionetes digitais, deixaram-se guiar por postagens pueris, sensacionalistas e escandalosas nas redes sociais?), da nossa preguiça intelectual (quantos profissionais ou acadêmicos do Direito tiveram a coragem de ler o referido projeto?) ou da nossa vulnerabilidade socioeconômica (eu não posso exigir de pessoas precarizadas, a exemplo dos uberizados, que tenham tempo para acompanhar a volumosa e estrambólica Política Criminal pátria; eu não posso exigir de pessoas com baixa escolaridade e com renda mensal familiar insuficiente, que sejam fiscais do péssimo trabalho desenvolvido por tantos agentes políticos, eleitos ou não, existentes no Brasil), dentre outras questões.  

Chegando ao final do texto de hoje (data em que se celebra, ainda que sem motivos reais, o dia internacional do trabalhador e da trabalhadora), rechaço o argumento do “eu avisei”. Em verdade, muita gente avisou. Instituições como o IBCCRIM, IDDD, OAB, ANACRIM, Comunidade Criminal Player, e outras mais foram frontalmente contrárias à aprovação do Projeto de Lei da Saidinha ou Sargento Dias. Era óbvio que traria mais problemas.

Registro o meu agradecimento ao amigo Gutenberg Alves pela “sugestão” de tema para a coluna.

Até a próxima semana.

 


[1] Para conferir: RESSOCIALIZAÇÃO VS POPULISMO PENAL: A MIXÓRDIA RELACIONADA À SAÍDA TEMPORÁRIA – Região Tocantina (regiaotocantina.com.br)

[2] Fonte: Lei da Saidinha: Juízes de SP permitem que presos deixem a cadeia sem exame criminológico | São Paulo | G1 (globo.com)

[3] Fonte: L7210 (planalto.gov.br)

[4] Em outra oportunidade, escreverei sobre o exame criminológico e sua essência autoritária.

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