sexta-feira, 23 de maio de 2025

UM CONTO AOS DOMINGOS – #027 – OS AVÓS (Cristina Galetti)

Publicado em 13 de abril de 2025, às 17:28

O dia estava frio… ainda ressentido com a nevasca da noite anterior. O sol tímido tenta se manifestar. Ainda há muito gelo em volta da casa e nas folhas dos arbustos… Nos estábulos os animais estão tão quietos que causa estranheza.
Da janela da cozinha se pode ver o branco gélido no cume da grande pedra de granito que fica aos fundos do sítio. Imagem linda mesmo que triste, para a avó que chora baixinho.
Um dia um tanto que melancólico, a solidão às vezes machuca e entristece o coração da avó.
O avô tem o costume de deixar uma lâmpada acesa para acalmar os animais e às vezes até o rádio ligado na estação dos clássicos. Ele dizia que acalmava os animais como acalma os humanos. Um pouco de luz e música boa, de qualidade. Enfatizava sempre que perguntado o porquê de colocar música para cavalos e algumas vacas.
Ele também gostava de conversar com os animais… passava, muitas vezes, horas, conversando e contando histórias para os animais, coisa que não fazia com as pessoas. Cuidava da ração, trocava sempre o feno, enfim, fazia tudo com maior prazer.
Na casa, o fogão a lenha, sempre aceso, serve também de lareira, deixando a casa quente e aconchegante. E o café, sempre pronto em apenas alguns poucos minutos, pois a água está sempre quente.
E assim o tempo passa. Mais devagar do que no resto do mundo, sempre com a brisa fria da manhã.
A avó cuida da preparação dos alimentos e da pequena horta que fica bem próxima à porta da cozinha e de um pequeno canteiro de rosas brancas, as suas preferidas.
Hoje foi dia de podá-las para florirem lindamente
O casal já mora sozinho há tempos, desde que os dois filhos homens foram estudar na capital e por lá ficaram depois da faculdade. Hoje casados, visitam os pais nas férias ou em feriados mais longos quando não têm outra programação.
Aos domingos, o casal vai para a missa, na pequena igreja de São Pedro, a 6 km de distância do pequeno sítio. O avô dirige todo orgulhoso seu corcel branco, que de tão antigo nem dá para dizer o ano, mas muito conservado. “Não lembro a última vez que deu oficina”, fala o avô todo orgulhoso.
O avô veste seu terno de linho cinza e seu chapéu de domingo e a avó sempre com seu vestido de estampas florais e uma bolsinha de crochê na mão.
Lá eles se encontram com os vizinhos (todos pequenos produtores). Como todos os domingos, almoçam juntos no pátio da pequena igrejinha (cada família leva sua contribuição) sempre com a presença do Vigário. Depois do almoço os homens jogam baralho, fumam cigarros de palha e as mulheres conversam distraidamente, geralmente trocam receitas, falam dos filhos que moram na capital, dos canteiros de flores e na maioria das vezes só reclamam dos maridos.
Quando chega a noite e o avô já foi dormir, a avó gosta de escrever. Tem uma pequenina e gasta escrivaninha no canto da sala de visitas ao lado da sua poltrona de veludo verde com almofadas florais. Lá ela se deixa livre para colocar no papel seus sonhos e seus segredos. Que nunca são revelados, porque ela não deixa ninguém ler e quando termina, guarda seu caderno de escrever e tranca a gaveta à chave.
Ela prefere assim. Suas memórias trancadas à chave.
Nas manhãs que se seguem, o avô sempre se levanta primeiro, vai olhar tudo no sítio, cuidar dos animais e só depois volta pra tomar café, que a avó preparou com todo cuidado: pão, coalhada, bolo de fubá (o preferido do avô).
O dia amanheceu lindo com prenúncios de primavera, até os animais parecem sentir… um pouco de sol espanta a tristeza e traz alegria no estábulo.
Na pequena varanda com piso de madeira rústico, algumas plantas penduradas e duas cadeiras de balanço (gastas pelo tempo) e os cobertores cinza de listras vermelhas na cabeceira.
Os avós gostam de sentar-se lá no fim do dia, depois da sopa, tomam chá e às vezes trocam uma ou duas frases pequenas.
O silêncio impera entre eles. Somente o barulho das aves à procura de seus ninhos, algum relincho aqui e acolá. E a natureza, que nunca silencia.
Quando o sítio tinha vacas leiteiras, sempre tinha movimento de outras pessoas. Mas agora, com a mudança que o avô resolveu fazer, sem pedir opinião, os dois ficam a semana inteira sozinhos. Com exceção das missas aos domingos. Essa eles nunca faltam.
Hoje chegou uma carta do filho mais velho, junto uma foto. Nasceu o segundo netinho.
A avó enxuga uma lágrima que teima em aparecer. Sempre escondida do avô que não gosta dessa choradeira. Na carta, o filho já adianta que não poderão vir nesse Natal.
Hoje durante o dia, para tristeza do avô, um dos cavalos mais queridos sofreu um acidente e quebrou a perna.
Sem demora e sem nenhuma dúvida, o avô sacrifica o animal.
Depois de concluir que não conseguiria sozinho enterrar o animal, e arrasado pela perda, o avô chama o vizinho, que fica a uns 8 minutos de caminhada, para ajudá-lo. Sr. Amaury vem na maior boa vontade ajudar o vizinho.
Por essas bandas não tem incinerador e o animal muito pesado dificulta, então os dois resolvem jogá-lo (depois de desmembrar algumas partes), num poço desativado há décadas, que fica a uns 300 metros da casa.
Já era tarde quando terminaram e estavam exaustos. O avô, muito agradecido ao vizinho, o acompanhou até a porteira.
Já estava escurecendo quando os avós, depois da sopa (o avô praticamente nem comeu), sentaram-se nas cadeiras de balanço na varanda, com o cobertor nas pernas, uma xícara de chá de camomila, que a avó preparou e uma música melancólica no rádio de pilha apoiado na janela.
Já era tarde (eles nunca demoraram tanto na varanda) quando o avô, de repente, sentiu-se mal, engasgou, colocou a mão na garganta, derrubou a xícara de chá, caindo da cadeira no degrau da pequena escada de madeira que dá acesso a casa.
Já não se ouvia o rádio. Somente o farfalhar das folhas movidas pelo vento da noite.
A avó termina seu chá tranquilamente.
Levantou-se, olhou para seu marido morto, xícara quebrada, pegou o rádio e entrou em casa… cantarolando uma antiga canção…
Trancou a porta, colocou mais lenha no fogão e subiu para o quarto.

SOBRE A AUTORA – Cristina Galletti é Capixaba, arquiteta, peregrina, escritora, membro da Academia de Ciências Letras e Artes de João Lisboa-MA (ACLAJOL) e da Academia Imperatrizense de Letras em outubro de 2024 (AIL), onde ocupa a cadeira número 38. Em 2021, publicou, pela plataforma digital Amazon e em formato impresso, o livro de poemas “Sobre Dores e Amores”. Lançou depois os livros: “O sol nasce todos os dias”, “O silêncio de Deus (amazon)” e “Vem que eu te conto um conto”. Em 2024, lançou seu quinto livro, “O Caminho de Cristina”, que foi foi agraciado com o Prêmio Literário da Academia Imperatrizense de Letras e recebeu o selo AIL. Participou, com outras autoras, da coletânea “Mural das Minas” – antologia de literatura feminina maranhense contemporânea. Também participou como coautora em diversas antologias de contos e poesias. Em 2022, recebeu o titulo de cidadã Imperatrizense.

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