O cinema brasileiro tem sido um reflexo das complexidades sociais do país, abordando temas como desigualdade, identidade e diversidade cultural. Desde o Cinema Novo, nos anos 60, até produções contemporâneas, os filmes nacionais exploram questões estruturais, especialmente relacionadas a raça e gênero, proporcionando um olhar crítico sobre a sociedade. No entanto, enquanto algumas obras promovem narrativas plurais e autênticas, outras ainda reforçam estereótipos e marginalizam algumas vozes.
A construção da identidade nacional por meio do cinema esbarra em desafios, incluindo a falta de diversidade nos bastidores e a necessidade de políticas públicas que incentivem a inclusão. Programas como a Lei Rouanet, Lei Paulo Gustavo e editais específicos para cineastas de grupos minoritários têm sido fundamentais para ampliar a representatividade nas produções audiovisuais. No entanto, especialistas apontam que, apesar dos avanços, ainda há um longo caminho para garantir que a pluralidade do Brasil seja verdadeiramente refletida nas telas.
Pesquisadores destacam que uma abordagem crítica sobre o cinema nacional é essencial para entender seu impacto na sociedade e na formação da memória coletiva. Nesse contexto, entrevistas com os cineastas Gilberto Freire e João Luciano trouxeram reflexões sobre questões que conectam a arte e a cultura nacional, reforçando a relevância do cinema como ferramenta de representação e transformação social. Essas discussões evidenciam como a produção audiovisual brasileira continua a moldar percepções e a levantar debates sobre identidade, diversidade e inclusão nas telas.
Estereótipos, Marginalização ou Exibição e Representatividade?
Filmes como Amarelo Manga e Madame Satã demonstram o potencial do cinema em retratar personagens complexos e realidades invisibilizadas. Enquanto algumas produções reforçam estereótipos, outras buscam romper com padrões, trazendo ao centro narrativas periféricas e marginalizadas. A resistência do cinema brasileiro se dá não apenas na produção, mas na luta por espaços de exibição e distribuição, em um mercado dominado por produções estrangeiras. Além disso, políticas públicas como a Lei Rouanet e a Lei Paulo Gustavo desempenham um papel fundamental na viabilização de filmes nacionais, mas ainda geram debates sobre a concentração de recursos e a falta de acesso democrático.
Para Gilberto Freire de Santana, professor, doutor, pesquisador da UEMASUL e cineasta, a falta de valorização do cinema nacional pela própria população é um dos principais obstáculos. “O grande problema do cinema brasileiro é que ele não é apreciado pela própria população”, afirma. O professor destaca que a história do cinema no país é marcada por ciclos de crescimento e crise, mas sempre foi um registro fiel das diversas realidades brasileiras. Em relação à representatividade, Freire ressalta a importância de obras que abordam a identidade nacional e os conflitos sociais, como Compasso de Espera e Terra dos Índios. Além disso, critica o modelo de financiamento cultural no Brasil, argumentando que os investimentos muitas vezes favorecem grandes empresas e dificultam o acesso de pequenos produtores. “O dinheiro público vai para o setor privado, favorecendo grandes nomes e excluindo os pequenos produtores culturais”, pontua.
A distribuição de filmes nacionais continua sendo um grande desafio, e segundo Freire, a Ancine deveria estabelecer cotas obrigatórias para ampliar a exibição de produções brasileiras nos cinemas. “Produzir cinema é importante, mas garantir que as pessoas assistam é essencial”, destaca. Enquanto as produções nacionais enfrentam barreiras no mercado, o cinema segue como um espaço de resistência, reflexão e transformação social, ampliando discussões e reafirmando sua importância na construção da identidade cultural brasileira.
Freire também destaca que a representatividade racial ainda enfrenta obstáculos no cinema nacional. “Apesar dos avanços, a maioria dos protagonistas ainda são brancos. O cinema brasileiro precisa dar mais espaço para narrativas negras e indígenas, porque a diversidade do Brasil não pode ser ignorada.” Também menciona o curta Alma no Olho, de Zózimo Bulbul, como um exemplo de resistência do cinema negro e aponta que novas produções precisam seguir esse caminho. “Se queremos um cinema que represente de verdade a população, precisamos olhar para além do eixo Rio-São Paulo.”
Outro ponto levantado pelo professor é a forma como a classe trabalhadora é retratada nas telas. “Muitas vezes, o trabalhador brasileiro é mostrado de forma caricata ou sem profundidade. Mas o cinema também pode trazer histórias que valorizam essas figuras, como em Eles Não Usam Black-Tie.” Segundo o mesmo, a produção nacional tem o poder de criar narrativas que refletem a luta diária da população brasileira. “O cinema precisa ser um espelho da sociedade, mas, para isso, precisa abraçar a realidade como ela é.”
Por fim, Freire ressalta a importância de políticas públicas que não apenas financiem a produção, mas garantam a exibição dos filmes brasileiros. “A gente vê muitos editais de incentivo, mas poucos espaços para que esses filmes cheguem ao público. O Brasil precisa de mais festivais, mostras e um comprometimento real com a circulação do cinema nacional.” Para Gilberto, sem esse suporte, muitas produções acabam esquecidas. “Fazer cinema é difícil, mas torná-lo acessível é um desafio ainda maior.”
Luzes, Câmera, Transformação!
“O cinema ainda é um espaço onde as histórias que eram contadas ao redor da fogueira há milhares de anos continuam a ser narradas”, afirma João Luciano Lima Martins, cineasta e diretor de Os Fãs Mais Rebeldes Que A Banda (2022). A relação entre políticas públicas e o desenvolvimento do audiovisual tem sido um fator crucial para a democratização do setor. Programas como a Lei Rouanet e o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), gerido pela Ancine, têm viabilizado produções que, de outra forma, dificilmente seriam realizadas. Apesar de críticas e desinformação em torno desses mecanismos, sua importância é inegável na descentralização da produção cinematográfica e na ampliação da diversidade de narrativas.
Nos últimos anos, o cinema nacional tem explorado gêneros diversos, abordando desde o amadurecimento juvenil até questões sociais estruturais. Filmes como Que Horas Ela Volta?, que examina a desigualdade entre empregadores e trabalhadores domésticos, e O Auto da Compadecida, que utiliza a comédia para tecer uma crítica social acessível, exemplificam essa diversidade temática. A possibilidade de mesclar gêneros e linguagens demonstra o potencial do cinema brasileiro para se comunicar com diferentes públicos e estimular debates sobre a realidade nacional.
A representatividade no setor, no entanto, ainda enfrenta desafios. Editais voltados à inclusão têm buscado reduzir as barreiras de entrada para cineastas negros, indígenas, LGBTQIA+ e de regiões periféricas, mas há relatos de que, muitas vezes, projetos são registrados em nome de minorias enquanto permanecem sob o controle de grupos historicamente dominantes. “Muitas vezes, inscrevem-se projetos sob a titularidade de uma pessoa pertencente a um grupo minoritário, mas, na prática, a produção continua sendo controlada por quem já domina o mercado”, critica João Luciano.
Além das questões de acesso à produção, a distribuição de filmes também apresenta dificuldades significativas. Embora o cinema seja um meio de contar histórias há séculos, muitas produções independentes enfrentam barreiras para alcançar um público mais amplo, devido à concentração do mercado em grandes produtoras e distribuidoras. A ascensão do streaming e da inteligência artificial no setor pode oferecer novas oportunidades para a disseminação do cinema brasileiro, mas também impõe desafios regulatórios e econômicos.
Diante desse cenário, torna-se essencial que o cinema brasileiro continue recebendo investimentos e políticas públicas bem estruturadas. Com uma população de mais de 200 milhões de habitantes e uma vasta diversidade cultural, o país tem potencial para consolidar sua presença no mercado audiovisual global. “Somos um país com um potencial gigantesco para expandir nossa presença no cinema global, mas isso só será possível com investimentos contínuos”, destaca João Luciano. Para isso, é necessário um compromisso contínuo com a representatividade e a descentralização do setor, garantindo que todas as vozes tenham espaço para contar suas histórias e contribuir para o fortalecimento da identidade nacional.
Um roteiro aberto: o futuro do cinema nacional
O cinema brasileiro continua sendo um espelho das transformações sociais e culturais do país, ao mesmo tempo em que enfrenta desafios estruturais. A necessidade de fortalecer políticas públicas, ampliar espaços de exibição e democratizar o acesso à produção são aspectos fundamentais para garantir um setor mais inclusivo e representativo. Como ressaltado ao longo desta discussão, o cinema não apenas retrata realidades, mas também as influencia, proporcionando um espaço de resistência e expressão para vozes antes marginalizadas.
Diante das mudanças tecnológicas e da globalização do audiovisual, a valorização da identidade brasileira torna-se ainda mais urgente. O potencial do cinema nacional para se expandir no mercado internacional depende de investimentos contínuos e de uma estrutura que garanta maior visibilidade às produções independentes. Afinal, como afirmou João Luciano, “o cinema ainda é um espaço onde histórias precisam ser contadas”.
Com um olhar atento para o futuro, é necessário reafirmar o compromisso com uma produção cinematográfica que não apenas entretenha, mas que também provoque reflexões e impulsione mudanças. A sétima arte, quando acessível e plural, fortalece a cultura, a identidade e a memória de um país.
Para os amantes do cinema brasileiro e regional, preparamos uma lista especial com 10 filmes imperdíveis que exploram diferentes aspectos da cultura e identidade do país. Essa seleção reúne produções que vão do drama ao documentário, trazendo perspectivas autênticas e envolventes sobre a diversidade brasileira. Não deixe de conferir e mergulhar ainda mais no universo do cinema nacional!
Produto desenvolvido por acadêmicos do curso de jornalismo da UFMA/Imperatriz na disciplina de Leitura e produção textual II, coordenado pela professora Camila Viana, e publicado no site Região Tocantina, editado pelo professor Marcos Fábio e diagramado por Eduardo Jorge.