Ela era só uma adolescente que começava a descobrir a vida. Uma garotinha negra, com seus catorzes, quase quinze anos que sofria bullying constantemente dos colegas por causa de sua cor e dos seus cabelos, até que ele assume uma postura inesperada que surpreende toda a escola.
Ser comparada a uma princesa é um mimo afetuoso que toda menina ama receber. Não importa a raça, a cor ou a idade. E na verdade todas elas são princesas para alguém ou para elas mesmas. Isso é fato. Cinderela, Branca de Neve, Rapunzel ou Cachinhos dourados entram no imaginário delas e, junto com suas colegas princesas, elas se divertem à beça! Até que conhecem o mundo dos adultos ou daqueles que decidem jogar no lixo os sonhos e fantasias que enfeitam o mundo infantil.
Era um dia comum como todos os outros da semana. Pura e sem maldade, não tinha nenhuma obrigação de se apresentar com qualquer padrão de beleza. Com seus dois coques amarrados na cabeça, um de cada lado, ela chega na escola. Mas naquela manhã, enquanto Amanda passava perto de alguns colegas, inocentemente percebe alguns cochichando e sorrindo baixo e, sutilmente, ela ouve um comentário maldoso sobre seu cabelo.
– Aí vem a cachinhos pretinhos, queimadinhos.
Os colegas não a encararam, mas Amanda sabia que era exatamente com ela aquela piada maldosa, já que ela era uma das poucas meninas negras na escola e uma entre as duas de sua turma.
Sem dizer nada, abaixou a cabeça e foi chorar no banheiro. Olhou para o espelho do banheiro e, mais uma vez, sentiu o peso do olhar crítico de seus colegas de escola. Era sempre a mesma coisa. Os comentários, as ofensas, as risadas abafadas e os apelidos que a perseguiam pelos corredores, entre eles, o mais cruel de todos: “Cachinhos Pretinhos”. Assim chamavam seus cabelos crespos, que ela sempre amarrava para tentar evitar o foco das provocações, mas isso nunca parecia funcionar.
No meio de seus doze, quase treze anos, sentia-se cada vez mais sufocada pelos padrões e expectativas da escola onde estudava. Uma pré-adolescente que começava a despertar seus primeiros brilhos de mulher. Era uma escola tradicional, com poucos alunos negros, e sua presença ali parecia ser sempre lembrada da maneira mais negativa possível. O bullying não era apenas sobre sua cor, mas também sobre seus cabelos, que os colegas diziam ser “rebeldes”, “fora de controle” ou, como gostavam de zombar, “feios”. E imitavam fazendo gestos com os dedos e caretas. As palavras e os risos ecoavam pela cabeça dela até em casa, onde, às vezes, ela chorava escondida, perguntando-se por que era tão difícil ser aceita por quem ela era.
Mas naquela manhã, ao se olhar no espelho, algo dentro dela mudou. Amanda cansou-se de tentar se esconder. Cansou-se de amarrar os cabelos, de baixar a cabeça e de evitar ser notada. Pela primeira vez, decidiu que faria algo diferente. Ela se lembrava das palavras de sua mãe: “Minha filha, você é linda do jeito que é. Não deixe que ninguém a faça se sentir menos por ser quem você é.” Por algumas vezes, as denúncias chegaram à diretoria. Uma advertência aqui, um castigozinho ali, mas a situação não mudava. E, respirando fundo, Amanda tomou uma decisão ousada. Desfez o coque apertado que costumava usar para “domar” os cabelos e deixou os cachos livres. Eles caíram em volta de seu rosto, cheios, volumosos, e ela sorriu de leve. Pela primeira vez, sentiu-se realmente bonita. E pensou consigo: cansei dessa zoação e não vou mais me esconder. E, se tocar neles, vou meter a porrada! Espero que não seja preciso.
Na escola, o efeito foi imediato. Quando Amanda entrou no pátio, os olhares se voltaram para ela. Os cochichos começaram, como sempre, mas dessa vez ela não abaixou a cabeça. Sentia o poder de sua decisão vibrar em seu peito. O grupo de alunos que sempre a zombava começou com as piadas habituais.
— Olha só, lá vem a “Cachinhos Pretinhos” com a juba solta! — gritou um dos garotos, arrancando risadas do resto do grupo. Ela se aproximou de cabeça erguida como quem tem autoridade, encarou o moleque e revidou: “se voce não é homem o suficiente para assumir o que voce pensa que é o melhor a fazer, é deixar que cada um cuide da própria vida”.
O garoto quis reagir, mas os outros o vaiaram imediatamente.
Amanda parou, bem no meio do pátio, e, pela primeira vez, em vez de ignorar ou fugir, olhou diretamente para eles. O silêncio começou a se espalhar conforme as pessoas ao redor percebiam que algo estava diferente. Amanda, que sempre se calava, decidiu falar.
— É isso mesmo — disse ela, erguendo o queixo com confiança. — Meus cachos são “pretinhos”, e são lindos. Eu sou linda. E vocês podem rir o quanto quiserem, mas isso não vai mudar o fato de que eu gosto de quem eu sou. E se vocês não gostam, o problema é de vocês.
Houve um momento de choque. Ninguém esperava aquela resposta. Os risos foram diminuindo até desaparecerem completamente. O garoto que sempre liderava o bullying ficou sem palavras, encarando Amanda como se não soubesse como reagir. O pátio inteiro estava em silêncio, e os olhares de deboche começaram a se transformar em algo diferente.
Amanda sentiu um misto de nervosismo e orgulho, mas se manteve firme. Sem mais uma palavra, passou pelo grupo e seguiu para sua sala de aula. Os cochichos que vieram em seguida não eram mais de zombaria, mas de surpresa. Ela havia transformado o ataque deles em força. E aquela força ressoou.
Nos dias seguintes, algo incrível aconteceu. Amanda começou a perceber outras meninas, que antes escondiam seus cabelos, deixarem seus cachos livres também. Garotas negras que, assim como ela, sofriam em silêncio, agora encontravam coragem para se expressar. Os olhares que antes a ridicularizavam começaram a admirá-la. Até mesmo alguns dos alunos que a perseguiam, pouco a pouco, pararam de rir e passaram a tratá-la com mais respeito.
Amanda havia feito mais do que simplesmente responder ao bullying; ela havia provocado um novo olhar das pessoas com relação às meninas negras, o que de alguma forma foi benéfico para a escola. E, ao fazer isso, mudou a forma como se via no espelho todos os dias.
SOBRE O AUTOR – José Conceição da Silva, popularmente Zezinho Silva, é nascido em novembro de 1963, em Santa Inês – MA. Filho de Dejanira e João Valdivino, é casado com Carlisvonete e pai de Jose Henrique, Felipe e Gyanna.
É professor na rede estadual, no Colégio Militar Tiradentes, em Imperatriz.
Ama a literatura de cordel.
É graduado em Letras pela UNIASSELVI.
Tem três livros lançados: As Histórias do Lendário Joaquim da Mata, Um amor todo Especial e As outras aventuras de Joaquim da Mata e três participações, como coautor, em antologias.
É membro da AAL – (Academia Aramense de Letras).