sábado, 22 de março de 2025

UM CONTO AOS DOMINGOS – #023 – ANTONIO, MARIA E O CHAPÉU (Neves Azevedo)

Publicado em 9 de março de 2025, às 8:37
Print do Jornal O Progresso

Provavelmente algo iria acontecer. Com toda aquela brisa que vinha do rio, onde a jovem Maria gostava de passear. Sem nenhum poder aquisitivo, só lhe restava curtir os banhos de rio, usando sempre o chapéu que ganhou de presente, no natal passado, da sua avó. Uma vez por semana, colocava seu maiô, desbotado de tanto usar, da mesma forma, estava o livro da Clarice Lispector, A Hora da Estrela, presente de sua prima. Duas coisas alegravam o coração de Maria: ler e tomar banho naquelas águas que corriam cheias de truques, como se fossem tragar alguém.

Sentava na areia e lia, escrevia, chorava e sorria, nada tirava a alegria de estar ali, apreciando aquele lugar, simples, onde ela podia contemplar as mulheres lavadeiras e os canoeiros que chegavam a toda hora com seus pescados e melancias para vender. O rio Mearim era o sustento daquela gente.

Maria era morena, olhos negros, bronzeada, de tanto tomar banho naquele rio. Cabelos lisos e negros, como a asa da Graúna. Corpo perfeito, sem nenhuma influência estética, sorriso largo e formoso. Tinha 17 anos, 1,58 de altura. Adorava ler dentro da canoa simples de seu avô. Em um desses passeios, seu chapéu voou para bem longe, caindo no meio do rio, deixando a donzela triste e desprotegida. As águas escuras do rio levaram o chapéu da mocinha que ficou inconsolável, vendo-o desaparecer na curva do rio.

Talvez, agora ela saberá o valor que eu mereço, disse o chapéu, enquanto descia pelas águas daquele rio.

Ei, estou ouvindo um chapéu falar, disse o peixe que passava por ali.

Desde quando chapéu fala? Perguntou o peixe.

Desde o dia em que um peixe intrometido fica se metendo na minha história – respondeu o chapéu.

Ah, só queria ajudar. Sabia que posso levar você até a margem do rio? E, quem sabe, alguém possa gostar de você e lhe levar para casa?

Bem, era tudo que eu queria, pois eu sonho ser usado por uma princesa, disse o chapéu.

O peixe, muito amigável, levou o chapéu até a margem do rio e lá o deixou encalhado num cipó de muçambê (nome dado àquela planta pelos moradores da cidade). O rio Mearim era importante demais para aquele povo, afinal, a cidade interiorana não tinha muito a oferecer para uma jovem de classe média, criada por seus avós, numa casa simples de paredes de barro, cobertas por cal, para dar um ar de casa limpa e bonita. 

Sabendo que Maria gostava muito de passear de canoa, no rio Mearim, sua avó, Hulda, presenteou-a com esse chapéu. Ele era de abas largas e redondas, de um material que não sei explicar, na cor bege, o que facilitava o uso com qualquer roupa, pois tinha uma cor neutra. Tinha também um laço de fita enorme, amarrado para trás, dando uma graciosidade para quem usava. Não era de luxo, no entanto, era muito bonito.

Maria chorou e se perguntava – será que vou conseguir encontrar o meu chapéu? Naquela noite ela não dormiu, pensando nele. Todos os dias ela ia à beira do rio e ficava contemplando aquelas águas, para ver se um milagre acontecia; achar o seu chapéu. Perguntava aos pescadores, indagava as lavadeiras, no entanto, ninguém sabia nada. A resposta era sempre a mesma: “não, não vimos chapéu nenhum”.

Do outro lado do rio um jovem rapaz, morador da cidade, chamado Antonio, gostava de ir pescar com seu pai. Tinha o corpo bronzeado de tanto ficar exposto ao sol, em seus banhos de rio.  Muito bonito, alto, 1,84,  cabelos no estilo jovem guarda, grandes e cacheados, olhos castanhos e enigmáticos e de um sorriso encantador. Ao passar às margens daquele rio, viu o chapéu e resolveu parar sua canoa e levá-lo consigo para casa.  Ao se aproximar, percebeu que era um chapéu feminino. Sorriu e brincou com seus botões: “quem sabe não é de alguém que vou me apaixonar?”. Deu de ombros e levou-o para casa.

Alguns dias se passaram e ele resolveu ir tomar banho no rio. Ao chegar, percebeu uma   jovem com um olhar perdido ao longe, sentada nas margens do rio e resolveu arriscar:

– Por acaso a moça está esperando alguém?

– Queria encontrar o meu chapéu que o vento levou para bem longe. Disse a mocinha, mas sei que é impossível. Sabe, ele tem um valor sentimental para mim, foi presente da minha avó que raramente tem dinheiro para comprar presentes. Ele é simples, tem um laço de fita vermelho e é na cor bege.

– Ah! Só pode ser coisa do destino, disse o rapaz com um sorriso largo, percebendo a oportunidade de se aproximar daquela moça.

– Eu encontrei o seu chapéu do outro lado do rio, enfiado num pé de Muçambê e o levei para minha casa.

Num gesto de alegria, ela o abraçou e disse:

– Vamos a sua casa buscá-lo? Por favor, vamos, vamos!

– Vamos, respondeu Antonio.

Chegando na casa de Antonio, ele apresentou a mocinha a sua mãe, uma senhora de semblante alegre e feliz, que disse:

– Sente-se, enquanto ele vai buscar o seu chapéu.

Antonio, muito cavalheiro, limpou o chapéu e o entregou à mocinha perguntando:

– É esse?

– Sim, sim! Não sei como agradecer… e abraçou seu chapéu com força.

-Eu sei, com um beijo, disse o rapaz com atrevimento.

Maria sem pestanejar tacou-lhe um beijo, no rosto, marcando para passearem no rio no dia seguinte.

Ao amanhecer, Maria colocou uma blusa florida e um short jeans deixando suas lindas pernas de fora e correu para o rio. Ao chegar lá, Antonio já estava lá. Foram passear na canoa do pai de Antonio. Dessa vez, Maria teve o cuidado de amarrar seu chapéu ao pescoço para não voar.

Acompanhando a canoa, o peixe falou para o chapéu, que o ouviu:

Ah, como eu queria dar uma mordida nessas pernas bonitas, ajuda aí, cara. Afinal, eu te ajudei, lembra? Falou o peixe para o chapéu.

O chapéu, todo convencido por fazer parte daquela história de amor, respondeu:

Vai passear em outro rio, estou aqui para proteger a minha dona, que agora vai cuidar de mim, pois encontrou o príncipe encantado. E, sorrindo,se acomodou na cabeça de sua senhora, que não cabia em si de tanta felicidade.

Maria e Antônio?  Hoje são marido e mulher e ainda amam chapéus.

Foto cedida pela autora

SOBRE A AUTORA – Maria das Neves Oliveira e Silva Azevedo nasceu em Pedreiras-MA e reside em São Luis-MA.
Licenciada em Letras – Português e Literaturas e Bacharel em Secretariado Executivo. Especialista em Gestão da Educação; Especialista em Docência do Ensino Superior.
É autora do livro: Retrospectiva Poética – Histórias em Versos. Editora Café & Lápis.
Participou de várias antologias, recentemente do Mural das Minas.
Recebeu a Comenda Graça Melo, da Câmara Municipal de Pedreiras, em outubro/2023, pelos relevantes serviços prestados como voluntária e Embaixadora do CRESMAN.
Ministrou o curso: Comunicação sem medo e Empreendedorismo, às mulheres empreendedoras, na cidade de Pedreiras-MA.
Tem uma alegria contagiante. Adora recitar suas poesias.Gosta de andar de lancha no rio Mearim e interceder em oração pelos necessitados. Jesus é o seu mentor favorito.
Membro da Academia Pedreirense de Letras, da Academia Atheniense de Letras e Artes e a primeira mulher sócia correspondente da ALMECE – Academia de Letras dos Municípios do Estado do Ceará.
Exerceu a função de Presidente da ATHEART.

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