sábado, 22 de março de 2025

UM CONTO AOS DOMINGOS # 016 – QUINTA-FEIRA EU JURO QUE VOU PARA A ACADEMIA (Adriana Moulin)

Publicado em 19 de janeiro de 2025, às 8:19
Imagem: Print do Jornal O Progresso.

Clap, clap, clap, toc, toc, toc, clap, clap…
Olho pela janela – do alto – lá vêm eles correndo… são muitos! Seis da manhã. Como assim? Confiro na tela do celular. São mesmo 6h da madrugada! Meu Deus, como eles são determinados!
Clap, clap, clap… Vem gente de todo jeito, correndo ou quase, exibindo saúde, gente ofegante e gente morrendo de cansaço… Alguns, vestidos de preto, outros tantos, tão absurdamente coloridos que sinto minha vista ofuscar. Há tênis amarelo-limão, rosa-choque, verde-desespero e por aí vai. Muitos brilham mesmo. As roupas são bonitas, algumas vezes, mal combinadas, mas, enfim, vale tudo. O importante é ser atleta e correr, correr, correr…
Eles insistem: clap, clap, clap… Eu, na janela, não consigo desviar os olhos nem sair do lugar. Aparecem carros da Polícia, da Secretaria de Trânsito, de Plano de Saúde e motos, muitas motos acompanham o cortejo. E eu lá: quase paralisada, na minha janela, observando tudo.
Clap, clap, clap… Alguns mais fortes fazem um barulho diferente no asfalto com seus passos pesados: ploft, ploft… Os solados mais desgastados fazem plast, plast… ou algo parecido. Tento regular os meus ouvidos, a cena é interessante.
Estico o pescoço na janela para avistar o fim do pelotão que parece não ter fim! E eles vêm aos montes, saídos sabe-se lá de onde. E eu, na janela, firme na missão de dar conta do que está acontecendo.
Uns parecem cansados demais para correr. Fico preocupada. Tenho vontade de gritar: “parem um pouquinho para descansar”. Não faço isso, claro! Bem capaz deles me dizerem de volta: “Saia dessa janela e venha correr com a gente!” Com medo que isso aconteça, me calo. Já pensou? Eu correndo às 6 da matina? Seria o meu fim!
Outros vêm andando – já meio desistidos da empreitada – entregues, encharcados de suor, desacorçoados da vida, mas firmes no propósito. Parecem olhar, vez em quando, para o céu pedindo forças ao bom Deus.
Alguém distribui copinhos de água para eles. Ainda bem. Isso me conforta. Tenho vontade de ajudá-los de alguma forma. Que jeito?
Fico apreensiva. Da minha janela posso sentir o esforço enorme de alguns. Outros tantos passam fagueiros, parecem gazelas ou guepardos correndo numa facilidade de assustar quem assiste ainda com sono, com a cara amassada e roupas de dormir.
Eles insistem. Não param de surgir. Cansada, só de ver, volto para a cama, mas o som das batidas no asfalto continua… é um som bonito, melódico, cadenciado… Inquieta, volto ao meu posto na janela e confirmo que a cena se repete incessantemente. Fico intrigada, mas volto para a cama.
Vontade louca de escrever sobre essa façanha. E, ao som dos belos tênis, começo a “minha corrida” com as letras – dessa eu entendo mais. Os sons vão se tornando mais raros, menos intensos e eu crio coragem para me levantar uma vez mais. Pronto! Lá vem o último, correndo como se fosse o primeiro da fila.
Só me resta dar os parabéns para essa gente que corre no asfalto, aos domingos, antes da cidade acordar. Eu cá, da minha janela, começo o meu domingo devagar, com preguiça, lendo e escrevendo, com os cabelos desalinhados e descalça pela casa… na ânsia de fazer o meu café que – excepcionalmente – hoje vai sair com um pouquinho de atraso.
Bom dia, atletas! Tenho por vocês um misto de admiração e inveja. E como eu escrevi um dia: Quinta-feira eu começo os meus exercícios. Quinta-feira eu juro que vou para a Academia! De Letras!

Imagem cedida pela autora.

SOBRE A AUTORA – ADRIANA MOULIN DE ALENCAR PICOLI nasceu em Colatina – ES e reside em Imperatriz – MA desde 1990. Formada em Medicina pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) e pós-graduada em Medicina Interna pela mesma Universidade.
É pianista e dedica-se também ao estudo de línguas e psicanálise. Membro da Academia Imperatrizense de Letras – Cadeira n° 18 – e Membro Correspondente da ALLCHE – Academia Longaense de Letras, Cultura, História e Ecologia. Recebeu o título de cidadã imperatrizense em 2008.Autora de ‘Para sempre o nosso Sol – Todos os pais são heróis’ (2008), de ‘Nua como a Lua’ (poemas, 2015), ‘Palavras & Hiatos’ (poemas, 2018), ‘Almas Gêmeas In/Versos (poemas, 2019 – em coautoria com o poeta Ribamar Silva) e de Poemas em Ré Maior (poemas,2020). Tem participação em cinco Antologias no MA e no ES.

Uma resposta

  1. Parabéns à Adriana, pelo texto e a Marcos Fabio, pelo projeto! Que os domingos e a vida continuem enfeitados de contos e contos…e poemas!

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