sábado, 22 de março de 2025

PREMIO JOVENS TALENTOS DA LITERATURA MARANHENSE – CRÔNICA VENCEDORA – MENÇÃO HONROSA – JOÃO VICTOR DOS SANTOS OLIVEIRA – TAPETE DE RETALHOS

Publicado em 5 de janeiro de 2025, às 17:32
Print do Jornal O Progresso.

Observo atentamente o subir e descer da agulha provocado por aquelas mãos calejadas. Os olhos profundos e hipnóticos daquela mulher, ao mirarem o movimento de seu ofício, me remetem a uma lembrança que ainda desconheço. Sua figura tem algo inebriante, e não sei dizer se é a forma que corta o pano guiando precisamente a tesoura ou o modo que transforma retalhos em tapetes coloridos que enfeitam sua casa de taipa. Ela segura a agulha com destreza e raiva, com gentileza e angústia. Dona Maria é como a chamam. Os problemas da lida batem à sua porta todos os dias, às 5:30 da manhã. A pobreza é dura e a fome machuca. A vendo de perto, percebe-se que sua tez enrugada revela o castigo de trabalhar arduamente sob o sol mas, apesar da aparência abatida, luta incessantemente.
“Arnaldo, quando tu vais capinar os ‘mato’ desse quintal? Isso ‘tá’ horrível.” – Pergunta Maria.
“Depois faço isso, vou botar água ‘prus’ bois agora.” – Responde seu marido.
“Tu sempre faz isso.”
“Sempre faço o quê, Maria?”
“Sempre deixa ‘pá’ depois as coisas que eu te peço.”
Ela conduz a agulha com voracidade, como se juntasse os seus sentimentos para que de alguma forma fizessem sentido. Cada ponto dado é uma tentativa de corrigir o passado contemplado em diversos momentos da sua vida. A linha do perdão tenta unir o tecido da frustração. O peso das escolhas tomadas a fere. Frequentemente, questiona-se se fora amada alguma vez, porque para Maria é difícil se perceber. Assim, os pedaços de pano provindos de várias roupas velhas vão tomando corpo e dando lugar a uma tapeçaria franzina, singela, quase que esfarrapada, afinal é só um tapete. Mas para aquela mulher é a união de histórias que nem ela mesma conseguiria contar. Fios e alfinetes a afogam e perfuram sua pele, lhe dando um sinal de que precisa voltar para o presente. É hora de preparar o almoço. Em seguida, levanta e se desloca para a cozinha. O que fará? Parada em frente ao jirau, limpa o peixe e organiza sua louça de barro.
Ao retornar para o seu mocho de madeira e direcionar suas mãos aos itens de costura, Maria devaneia sem saber devanear por pensamentos voláteis. É curioso que às vezes ela se imagina como um carcará, voando sem direção pelos quatro cantos do mundo. O bater de asas representa o desejo de liberdade que ainda não foi vivido, pelo menos não completamente. Dessa maneira, pensa que os diversos lugares que existem nesse vasto pedaço de terra são iguais às partes do tapete que confecciona, cada um com cores e formatos diferentes, uns com bolinhas, outros listrados ou lisos.
Independentemente de tudo, agora, o que Dona Maria realmente quer é apenas terminar seu pacato trabalho de costurar um tapete de retalhos.

SOBRE O AUTOR – João Victor dos Santos Oliveira, residente em São Luís, concorreu com o pseudônimo José Silva.

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