segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

PREMIO JOVENS TALENTOS DA LITERATURA MARANHENSE – CRÔNICA VENCEDORA – MENÇÃO HONROSA – MARIA CLARA CORRÊA ALMEIDA – SÃO OITO DA MANHÃ E EU PASSO O CAFÉ

Publicado em 29 de dezembro de 2024, às 11:07
Print do Jornal O Progresso

Outra noite em claro passada em branco na companhia de Tolstói e uma garrafa de vinho branco. Meu estoque está acabando. Queria passar no mercado antes de ir para o trabalho, comprar frutas e algo que não seja comida enlatada, mas já estou atrasada.
Como uma torrada seca e pego meu casaco. Minha geladeira está vazia e minhas plantas estão mortas – um mau presságio. No elevador, o cara hippie e de cabelo trançado nota a ausência da aliança no meu dedo e me convida para sair. Tomar uma cerveja, ouvir um reggae. Respondo “Não, obrigada” e torço para chegar logo ao térreo. Pego um táxi, porque, é claro, meu carro está quebrado, e chego a tempo de ver um pombo fazer cocô na cabeça da estátua que fica em frente à biblioteca. Anoto empréstimos de livros, converso com crianças que parecem ter saído das páginas de alguma história de Stephen King, prontas para dizer “Tem uma mulher ensanguentada atrás de você”, brigo com adolescentes que conversam gritando, fervilhando com a alegria e o temor juvenil.
Quando chega a hora do almoço, encontro com Marli e Caterina no nosso restaurante chinês favorito onde vende um chá que adoramos.
— Você tem que esquecer o Roberto — diz Marli.
Sempre voltamos para esse assunto. Concordo com a cabeça.
— Ele não te merece — completa Catarina.
Olho pela janela, assustada com a possibilidade de ele ter passado por nós com seu boné de time.
— É verdade — falo.
— Divórcio nunca é fácil. Pelo menos você ficou com o apartamento.
Comemos frango à passarinho com molho picante e bolinhos de feijão. Nos despedimos com dois beijinhos no rosto, voltando para nossas vidas separadas. Passo na lavandeira para pegar minha roupa. Uma camisa dele está entre meus vestidos de vó. Penso em jogar fora, mas ainda tem seu cheiro. Vou até a lixeira e dou meia-volta. Minha mãe me liga e me lembra de cortar o cabelo. A franja está tão grande que quase cobre meus olhos. Meu pai quer me encontrar para jogar damas. Um colega de faculdade esbarra em mim numa loja de calçados e comenta que sente muito pela minha separação. Achou que eu e Roberto éramos para sempre.
— Eu também achei — foi o que respondi.
Caminho de volta para casa, chutando pedras invisíveis. Deixo as luzes amareladas dos postes me cegarem enquanto compro ração para o meu gato que fugiu há quase duas semanas. Meus outros amigos me mandam mensagens marcando um karaokê, um boliche, um cinema, uma reunião na casa de Marcelo, o único que tem piscina. O que eles não sabem é que eu choro toda vez que escuto Tribalistas e mudo de canal sempre que Gatinhas e Gatões está passando. O que eles não sabem é que sento perto do telefone e estremeço sempre que toca. O que eles não sabem é que falei com uma cartomante e ela me contou que tudo entre eu ele, entre nós, está acabado. O que eles não sabem é que ando pelo centro da cidade olhando para a casa das pessoas como um zumbi, como um fantasma procurando um corpo pelo qual me apossar – espiando as janelas na esperança de ver uma cabeleira marrom, um sorriso com covinhas e olhos que encontrem os meus mais uma vez. Uma última vez.
O que eles não sabem, o que eles nunca vão saber, é que eu também não sei. Como acabou? Por que acabou? Um dia as malas estavam enfileiradas na sala de estar e ninguém me avisou. Naquela semana, li meu horóscopo por curiosidade. Escorpião: passará por mudanças drásticas e rompimento de ciclos. Na cama, comentei com ele sobre isso, entre um abajur aceso e um cigarro meio apagado, e seu olhar dizia tudo: eu era meio doida por acreditar em astros e estrelas. Os segundos, minutos e as horas daquela semana foram passando, nos afastando ainda mais. A gente teve um briga na terça. Nos resolvemos na quinta. Saímos para comer lagosta no sábado. No domingo, a carta de divórcio em cima da mesa. No fim, os astros e as estrelas sabiam mais do que nós dois.
Chego em casa. Jogo as sapatilhas no corredor. Deito na cama. Tolstói e minha última garrafa de vinho. O céu escuro e a lua brilhante dão espaço para o rosa-azulado de um novo dia.
São oito da manhã e eu passo o café

SOBRE A AUTORA – Maria Clara Corrêa Almeida, residente em São Luís, concorreu com o pseudônimo Iris Poaia.

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