sábado, 22 de março de 2025

PRÊMIO JOVENS TALENTOS DA LITERATURA MARANHENSE –CRÔNICA VENCEDORA – 3o LUGAR – CARLOS ALBERTO ROSA RODRIGUES NETO – FUGA DO INFERNO

Publicado em 22 de dezembro de 2024, às 11:07
Imagem: Print do Jornal O Progresso.

Certo dia, enquanto estava no trabalho, comecei a reparar e pensar em coisas que antes só havia sentido na pele, sem entender. Afinal, nunca tive tempo, saúde ou disposição para pensar nas coisas. Passei a reparar em algo simples que mudou completamente minha visão do mundo: estou morando no inferno. Não sei os outros, não sei você, mas eu vivo no inferno.
Certo dia, enquanto trabalhava, olhei pro filho do patrão. Um menininho com metade do meu tamanho, mas com a arrogância de um gigante. Gritava com os empregados do pai, com nós, os pedreiros da reforma da mansão, e até com o próprio pai.
Comia do bom e do melhor e ainda reclamava da comida. Queria eu ter a sorte de aproveitar os espetáculos de comida que apenas via naquela casa.
Certo dia, enquanto me cansava de trabalhar, observei a esposa e o patrão brigarem como cães. O motivo? Dinheiro. Quem visse a cena deduziria que lhes faltava dinheiro, quando na verdade este só se multiplicava. Ouvi os gritos, xingamentos e a óbvia falta de amor e só pude recordar da minha esposa, que fora separada de mim por uma doença, pela falta de dinheiro para curá-la e por sete palmos de terra. Daria o nada que tinha em troca dela de volta.
Certo dia, enquanto o trabalho me exauria, vi o filho do patrão ganhar um carro, como consolo por não ter tirado a carteira. Vi também os pais pagarem sua faculdade, como consolo por não ter passado em nenhum dos vestibulares. Vi também minha filha passar em vários vestibulares, como consolo do universo pelo tumor que carregava e se espalhava. Eis o motivo do meu trabalho árduo. Trabalharia como Sísifo só para salvá-la.
Certo dia, enquanto me matava de trabalhar, vi o patrãozinho dirigir às pressas seu carrão até um hospital caríssimo para um exame de rotina. Nesse mesmo dia, voltei para casa e enterrei a minha anjinha no quintal. Não tive dinheiro pra salvá-la, tampouco tenho para enterrá-la dignamente. Então fui dominado pela certeza: embora vivesse no mesmo mundo que todos, e convivesse com outras pessoas em situação melhor, eu só poderia estar no inferno. Talvez outros também estivessem, porém eu certamente estava.
Certo dia, enquanto buscava sobreviver, o trabalho me matou. E eu finalmente pude fugir do inferno.

SOBRE O AUTOR – Carlos Alberto Rosa Rodrigues Neto, residente em São José de Ribamar, concorreu com o pseudônimo Carlos Rodrigues.

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