Uma das coisas ééé…. mais difíceis pra muita gente, também pra mim, né?, é falar em público, porque a fala é quase uma reprodução simultânea ééé… daquilo que estamos pensando, né mesmo? Muito diferente de um texto escrito, né não?, que a gente tem mais tempo para elaborar hum… o que se está dizendo e tal. E isso fica evidente quando se tenta traduzir ééé… na forma escrita o jeito, assim né?, que as pessoas falam.
Por ser linguista – e assim posso me chamar porque romanista é uma pessoa que estuda aspectos linguísticos, literários e culturais de duas ou mais línguas que vieram do Latim – gosto de me ocupar com fenômenos relacionados à oralidade, porque a língua falada é algo muito distinto da língua escrita, né não? A fala é mais livre, é cheia de partículas que servem ééé… para preencher o vazio e para ééé… sinalizar à pessoa com quem estamos falando que ainda não terminamos a frase. De modo que nos agarramos a essas partículas e ruídos para poder ééé… respirar e… elaborar melhor o que estamos tentando dizer, né isso?
Você que está lendo este texto, por certojá deve ter se incomodado com os tantos és, nés e outros ruídosque usei até aqui, porque na língua escrita não há necessidade deles, mas na língua falada o uso é quase inevitável, porque têm várias funções no discurso. Claro que há termos técnicos que os profissionais usam para se referir a esse fenômeno, mas não vou aqui usá-los para não dificultar o nosso papo neste espaço.
É lógico que o uso exagerado dessas partículas e ruídos durante uma fala pode acabar dificultando a compreensão da mensagem e incomodando a pessoa que estiver ouvindo, e já no tempo dos gregos antigos houve vozes contra esses terríveis “vícios da fala” na chamada arte da oratória.
Eu nunca teria percebido que falamos desse jeito se um dia uma professora não tivesse chamado a minha atenção para os és e nés que usei e abusei durante a apresentação de um trabalho. Também porque um dia, enquanto passava roupas e ouvia um podcast no youtube, me peguei quase querendo morder o cabo do ferro elétrico de tanta agonia que me deram os nés falados quase ao fim de cada frase, né, não?
Este fenômeno das partículas preenchedoras de pausas é algo natural na língua falada. Duvida? Pegue pois um vídeo qualquer de conversa livre no youtube e ponha sua atenção na fala. Se for um vídeo em português do Brasil não demorará muito para que venha o primeiro é ou o primeiro né, ou mesmo um he-heim, se for maranhense ou um “tá ligado?” ou “tá entendendo?” se os falantes forem de outros lugares do Brasil.
E chamar a atenção para isso não é apontar um erro, e sim uma forma de exercitar a atenção, observando o quanto estamos atentos para o que estamos dizendo e como dizemos o que estamos dizendo. Esse fenômeno se observa em quase todos os idiomas. E não digo todos porque não conheço todos os idiomas falados no planeta – e em ciência não existe 100 por cento de certeza, é sempre 99,99 por cento.
Uma forma de avaliar a fluência que se tem numa língua estrangeira é observar o uso das partículas preenchedoras de pausas típicas dessa língua, porque seu uso gera um efeito de naturalidade, coloquialidade e fala nativa que ajuda a pessoa a ir pondo os pés devagarinho no porto da nova língua que está sendo aprendida.
Achei interessante escrever um artigo sobre isso aqui na coluna porque talvez você nunca tenha parado para pensar nisso, nunca tenha ééé… notado esses detalhes tão pequenos de nós todos, que é o que mais me fascina nas línguas de todo o mundo!
O uso dessas partículas também serve para sinalizar ao ouvinte que o que vem depois de uma ééé… partícula preenchedora de vazio ééé… como direi?…importante e requer a nossa atenção, né mesmo?
Para estas e mais outras questões interessantíssimas sobre as línguas, sugiro que procure assistir a vídeos feitos por linguistas. Há muitos deles no youtube, nas mais variadas línguas. Em português brasileiro, por exemplo, sugiro que assista aos da Jana Viscardi que, dentre outras coisas, nos ajuda a decifrar os códigos de como os fatos são noticiados. Útil, muito útil!
Uma resposta
Muito bom!! Eu me divirto contando os nés.