Completaria 70 anos… Morreu aos 37
ROGACIANO FILHO:
VIDA INCOMUM, ALGO EM COMUM
(07/07/1954 — 05/03/1992)
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Fotos: O jornalista e escritor Rogaciano Filho e sua biografia em livro. A irmã Helena Roraima e o pai, Rogaciano Leite.
LINK: https://www.facebook.com/edmilson.sanches.9/posts/pfbid01F39k6BsdTQp1EDvbwMTCGJu6z5QqBCW1gwgDfdci3M1A37Em81GdjhbQ7eE71Czl
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Quando conheci Rogaciano Leite Filho ele era uma gargalhada. Ou seja, primeiro eu o ouvi; depois, eu o vi.
Foi ali no comecinho dos anos 1990. Rogaciano Filho estava na área de Comunicação do Banco do Nordeste (BNB), agora no Edifício Raul Barbosa, o EDIRB, no centro de Fortaleza (CE). Acho que naquele instante, entre risos e sorrisos, estavam o Ademir Costa, o Ribamar Mesquita, Fátima…
Depois dali, por intermédio de seus amigos, colegas e conhecidos, passei a saber um pouco mais do herdeiro do nome e talento jornalístico do grande Rogaciano Leite. De Rogaciano Filho me falaram, entre outros, o Ademir Costa e sua Luiza, ele meu conterrâneo de Caxias (MA), editor da “REN – Revista Econômica do Nordeste”, onde publiquei alguns artigos; a jornalista Maria Amélia Mamede e o Rômulo, que trabalharam comigo na Coordenadoria de Relações com Funcionários, do BNB; o arquiteto Francisco (Chico) Eulálio, que ganha(va) dinheiro com sua Expressão Gráfica, em Fortaleza, onde eu editei alguns livros para o Maranhão; meus colegas de trabalho e de escrita(s) a Lydia Teles e o Jorge Pieiro (Jorge Alan Pinheiro Guimaraes).
Interagi com alguns amigos de Rogaciano Filho: um dos fundadores da revista de “novos” “O Saco”, o Nilto Maciel (falecido em 2014), que pedia e ousava publicar alguns poemas e contos meus na “Literatura – Revista do Escritor Brasileiro”, que ele, cearense de Baturité, dirigia em Brasília com o mineiro de Caratinga João Carlos Taveira (a revista avisava logo na contracapa: “’Literatura’ tem o compromisso de publicar apenas as colaborações encomendadas”; o Dimas Macedo, de Lavras de Mangabeira, escritor, foi meu professor no curso de Direito da UFC – Universidade Federal do Ceará; o Manoel Coelho Raposo, de Crateús, falecido em 2009, outro fundador da “O Saco”, uma figura!…, o romântico marxista, o “Dom Quixote do Ceará”, que tanto ia à minha residência, na rua Maria Tomásia, conversar muito, admirar minha biblioteca, falar da nova edição do “Granma”, mostrar seus livros e letras (uma delas, “Sumaré”, meu conhecido cantor fortalezense Bernardo Neto musicou e gravou no disco — tenho um, com dedicatória — que acompanhava a edição número 8 da revista “O Saco”, onze anos depois do número anterior.
Pelo pouco que disse, pelo algo que escreveu sobre seu irmão, conheci um tanto mais Rogaciano Filho por sua irmã, Helena Roraima, engenheira, com mestrado e algo mais, minha amiga e colega de trabalho em alta assessoria de instituição financeira federal em Brasília, há muitos anos morando em Madrid, na Espanha. Roraima tem-se devotado à causa da obra do pai e, também, do irmão Rogaciano. Faz viagens transoceânicas e transcontinentais para cuidar do centenário de nascimento do pai, que, como se sabe, foi reconhecido e premiado jornalista, escritor, declamador, cantador. O cantor, compositor e músico de Limoeiro do Norte, Eugênio Leandro, e eu auxiliamos Roraima em projeto(s). Ainda ajudei na revisão da nova edição de Carne e Alma, a obra-prima de seu pai. Agora, Helena Roraima vai cuidar também de parte do legado do irmão Rogaciano Filho, jornalista, poeta, colunista, pianista, compositor bissexto.
A história de uma vida se adensa mais na memória e nos sentimentos de outrem também pelos pontos comuns ou assemelhados das vivências de ambos. A partir de 1976, Rogaciano Filho foi editor de uma “Página dos Novos”, dedicada à gente nova do ofício de literar (deixe-se passar o neoverbo), de escrever literatura. Nesses mesmos meados dessa década, “O Pioneiro”, jornal de minha cidade (Caxias – MA), me convidava para criar e editar a página “Os Novos”. Depois, quando ambos passamos a escrever sobre política, economia, cidade(s), quando começamos a “mexer” com o tal “establishment” do poder e do dinheiro, as mesmas ameaças covardes, sem nome, desnobres, e os mesmos interesses velados, subalternos, enviesados, que nunca tiveram abrigo nos espaços das colunas e páginas em que escrevíamos. “Ameaças, só anônimas. Nunca concretizadas, felizmente” — relembra Rogaciano Filho, que, conforme registra seu amigo e biógrafo Airton Monte, médico e escritor, passou em três concursos públicos… que nem eu, para instituições públicas federais. Por ambos sermos o mais velho dos irmãos (“o homem da casa”), tínhamos de buscar formas de contribuir com o orçamento doméstico: “O Roga foi irmão, foi pai, foi exemplo, foi amigo e companheiro de divisão de despesas e arrimo de toda a família”, conta Roraima, parecendo um irmão meu, que também de público disse coisas assim deste irmão mais velho dele, pois eu, desde cedo, vendendo molhos de alface, cebolinha e coentro, e depois, a partir do primeiro emprego público, cuidei de criar todos, com nossa mãe, e chamar para mim o pátrio poder e levar todos os irmãos à Educação até a adultez.
Rogaciano Filho e eu lemos muito, inclusive muito gibi… e nossas mães nos defendiam, com o argumento de que o importante era ler e que, naquela idade, era o momento das leituras de histórias em quadrinhos. “Eu só consegui ser um profissional respeitado porque sempre levei a sério a necessidade de aprender e de ler” — escrevia em 17 de janeiro de 1992 o pai Rogaciano Filho para os filhos Rogaciano Neto e Cibele, sem deixar de dizer que estava com “saudades” e que em breve voltaria… Menos de 50 dias depois, Rogaciano Filho era luto, dor… e saudades.
Embora todos queiramos viver muito e bem, há os que nascem para ter uma vida cujo marcador não é o Tempo. É menos idade, e mais intensidade.
Pelo que seus familiares, amigos e conviventes contam, Rogaciano Filho “herdou” do pai nome, talento… e intensidade de vida. Viveu menos que o pai (que morreu com 49 anos), mas nada pode dizer, ou medir, que, tendo morrido aos 37 anos, Rogaciano Filho tenha vivido menos intensamente que Rogaciano pai. Tanto para escrever e fazer tinham os Rogacianos, e a Libitina, libertina, sem disciplina, forceja e foiceia a vida de ambos e lhes tira a possibilidade do cinquentenário…
E falando em idades, há os que, ao completarem 15 anos, ganham festa, presentes e abraços. Rogaciano Filho, aos 15 anos, com a morte também precoce do pai, teve de enfrentar a perda, o luto… e a luta. Era preciso trabalhar, ajudar a ganhar o pão de cada dia, pois a dura realidade batia à porta, entrava e, na cozinha, abria a geladeira, destampava as panelas e se sentava à mesa…
O “carioquense” Rogaciano Filho (nascido em 7 de julho de 1954 no Rio de Janeiro, portanto, carioca, mas desde os seis meses criado no Ceará, portanto, cearense) completaria 70 anos neste 2024. Falecido em 5 de março de 1992, deve de ter deixado outras boas coisas a serem documentadas, expostas, divulgadas: publicação e execução das músicas que escreveu, delas com partitura…
…poemas, crônicas e, quem sabe, outros textos que lavrou, ainda inéditos…
…a reedição de seu único livro, “Pão Mofado”, de 1975, coautoria com Alberto Eduardo de Castelo Branco, e da coletânea de reportagens “A História do Ceará Passa por Esta Rua”…
…sua participação no grupo cultural ou movimento de renovação “Siriará”, “nascido” em julho de 1979, quase dois meses e meio do último número de outra sadia ousadia cultural de literatos cearenses, a revista “O Saco”, de sete edições, de abril de 1976 a fevereiro de 1977…
…seus trabalhos acadêmicos, em três cursos superiores por onde passou (trocou tudo pelo Jornalismo, que concluiu)…
…seleta de notas e outros textos no suplemento “Caderno de Cultura”, que editava, e de sua coluna “Em Off”, ambos no jornal “O Povo”…
…”y otras cositas más”…
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À época solteiro, vivendo em apart-hotel, eu saía à noite para escolher o local do jantar. Às vezes uma amiga do Teatro convidava para, no restaurante Sandra’s, partilhar comida & conversa com o pianista Arthur Moreira Lima; outra vez era no restaurante giratório da Torre Quixadá; vezes muitas no Restaurante Alfredo – O Rei da Peixada; no restaurante do Clube Náutico ou do Marina Park, onde companheiros rotarianos se reuniam… Mas eu costumava ir à Praia de Iracema, ao Estoril, restaurante, bar e patrimônio arquitetônico-cultural que depois de uns tempos entrou em trabalho de parto (re)construtivo até que novamente surgiu. Lá eu sabia dos anoitecimentos e amanhecimentos boêmio-literários de Rogaciano Filho. Foi ali que alinhavei e depois escrevi “Estoril – O Retorno”, que o Nilto Maciel pediu para publicar em sua “Literatura”, justo na edição que homenageava os 150 anos de nascimento de Castro Alves.
O poema “Estoril – O Retorno” é uma referência/reverência ao estabelecimento e seus frequentadores boêmio-culturais; é um brinde ao ressurgimento do bar-restaurante e traz a palavra-convite-incitação (“Bebamos!”) com que Rogaciano Filho “ouriçava” seus colegas estudantes de Comunicação Social e outros colegas e amigos para momentos certos… e líquidos — alcoolicamente líquidos. “Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos”, convida e alerta a Bíblia, em Coríntios.
E que se faça mais um brinde à vida, à lembrança e aos 70 anos de Rogaciano Leite Filho!
Tim-tim!
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ESTORIL – O RETORNO
Vinde, resistentes! Voltam as luzes, cores
— sol claro, mar verde, amor roxo, luar anil —
e há vozes nos cantos e, em cantos, cantores
— espaço, espelho, extensão… Estoril.
Estoril, reconheces teus fiéis,
ó irmão que tornas de onde ruiu,
que também foi pó e, agora, que és?
— Es/trago, es/toque, es/tudo… Estoril.
Amigos irmãos lúcidos loucos: Bebamos,
pois aquilo que foi cinza se refundiu
para conosco ser tudo o que nos tornamos:
estrelas… estórias… História… Estoril…