terça-feira, 15 de outubro de 2024

ARTIGO DE SEGUNDA #36 – DO FUNDO DA GAVETA

Publicado em 6 de maio de 2024, às 8:03
Fonte: José Neres – Professor. Membro da AML, ALL, APB e da Sobrames-MA
Imagem produzida com apio de IA.

Comecei a colaborar em jornais no início de 1998, mais exatamente no dia 17 de janeiro, quando eu era estudante do Curso de Pós-Graduação da PUC-MG e trabalhava como professor substituto da Universidade Federal do Maranhão. Sempre ávido leitor de periódicos, no início daquele ano, sem a menor esperança de ter um texto publicado nas páginas de um jornal do porte de O Estado do Maranhão, arrisquei-me a enviar (ainda pelos Correios) um pequeno artigo sobre o Poema Sujo – obra prima de Ferreira Gullar.

Imenso foi meu espanto quando recebi a notícia de que meu texto havia sido publicado. Eu estava em Belo Horizonte e, por telefone, pedi para comprarem o jornal, cujo recorte guardo até hoje. Incentivado pela gentileza dos editores, publiquei outros três artigos no mesmo ano, sendo um deles na Revista De Repente, sob indicação e recomendação do saudoso amigo e colega de classe Kenard Kruel.

No ano seguinte publiquei outros 16 artigos, tanto aqui no Maranhão quanto no Piauí. Escrevi sobre João Mohana, Maria Firmina dos Reis, Nauro Machado, Ferreira Gullar, Coelho Neto, Aluísio Azevedo, Jorge Luis Borges, Elizabeth Oliveira e muitos outros autores. Escrever é o tipo de exercício que refina nossa sensibilidade e nos faz ver o mundo sob outros prismas. Mas escrever é algo também que estamos sempre aprendendo…

Relembro isso por conta de hoje, sem querer, me deparar com os datiloscritos de um artigo que escrevi sobre Aluísio Azevedo e que foi publicado justamente no dia em que completei o primeiro aniversário de colaboração no Jornal. Dessa forma, duas décadas e meia separam aquele texto no qual eu comentava as estratégias de marketing de Aluísio Azevedo na ocasião da publicação de O Mulato e os dias de hoje. Mas parece quase nada mudou…

Não resisti e transcrevi o texto tal e qual foi publicado. Afinal de contas, muitos dos leitores de hoje eram ainda bebês naquela época ou ainda nem mesmo haviam nascido.

Vez ou outra, pretendo resgatar esses textos antigos e publicá-los por aqui. Segue então o artigo que foi inicialmente publicado nas páginas de O Estado do Maranhão, em 17 de janeiro de 1999.

ALUÍSIO AZEVEDO E O MARKETING LITERÁRIO


Fala-se muito, atualmente, da importância do marketing para a valorização das letras e da cultura em geral. Sabe-se que, no estágio de evolução em que estamos, torna-se muito difícil promover um produto sem a assessoria de profissionais que entendam a linguagem da mídia e que possam reverter situações aparentemente difíceis.

No que diz respeito à divulgação e à venda de livros, podemos encontrar já no século passado o dramático depoimento de Aluísio Azevedo, um dos grandes nomes da literatura brasileira, afirmando que pouco adianta escrever, pois “não há público leitor” e “uma edição de dois mil exemplares leva anos para esgotar-se”. Hoje, em pleno final do século XX, podemos notar que a situação pouco mudou. As edições, salvas exceções cada vez mais raras, continuam sendo pequenas e o público continua a não prestigiar as obras literárias.

 Mas, deixando de lado a atualidade e voltando para o final do século passado, podemos afirmar que foi o próprio autor de O Mulato um dos primeiros homens das letras brasileiras a usar o marketing para promoção de suas publicações. Sabe-se que Aluísio Azevedo escrevia suas obras de acordo com as circunstâncias financeiras por que passava sua vida, sendo ele inclusive considerado um dos primeiros homens do Brasil a viver dos frutos de sua escrita. Parte de sua bibliografia foi produzida com intuito de apenas conseguir dinheiro para seu sustento, constituindo o que ele mesmo chamou de obras comerciais (no caso, seus livros de cunho romântico). No entanto, quando não precisava alugar sua pena para agradar ao público leitor da época, o escritor dedicava-se a confeccionar o que ele convencionou chamar de obras artísticas (as de caráter naturalista).

Dono de grande inteligência, Aluísio Azevedo, desde a publicação de O Mulato (1881), usava a mídia da época, no caso as publicações periódicas em jornais, para divulgar o que estava escrevendo. Em brilhante levantamento sobre as condições em que foi publicado o primeiro sucesso de Aluísio (já que seu primeiro romance, Uma Lágrima de Mulher, é um caso à parte), o professor João Mendonça Cordeiro traz à luz alguns recortes de jornais da época que atestam o que foi dito anteriormente.

Ora utilizando-se de pseudônimo, ora assinando com o nome verdadeiro, Aluísio Azevedo primeiro “preparou” o leitor para a história que iria ler mais tarde, aguçando-lhe a curiosidade com notas jornalísticas, como a seguinte: “Acha-se entre nós o Dr. Raimundo José da Silva, distinto advogado que partilha de nossas ideias e propõe-se a bater os abusos da Igreja. Consta-nos que há certos mistérios na vida deste cavalheiro”. Ou seja, um personagem fictício era tratado como ser real, tendo o seu criador o cuidado de até compor uma biografia para que o Raimundo parecesse mais verossímil.

Além dos avisos sobre a chegada a São Luís do protagonista de seu romance, o escritor também usava a imprensa, da qual fazia parte, para promover a venda do livro, publicando em várias seções dos jornais alusões a preço e locais de venda da obra e ofertando exemplares aos jornalistas que poderiam divulgar-lhe a obra, mesmo correndo o risco de receber críticas negativas (como realmente aconteceu). Mas, até mesmo da crítica negativa, Aluísio Azevedo soube tirar proveito, como aconteceu com o inflamado artigo de Euclides Faria, que posteriormente virou parte do prefácio do livro criticado.

Agindo assim, com astúcia e visão de comerciante das letras, Aluísio Azevedo conseguiu sobreviver a uma fase difícil de sua vida, quando precisava transformar palavras em víveres, ou como diria depois outro maranhense, Humberto de Campos, “vender o miolo da cabeça para comprar o miolo do pão”. Caso escrevesse hoje, provavelmente o autor de O Homem iria utilizar os mais modernos meios publicitários para promover sua obra, já que na Era da Informação, apenas talento não é mais garantia de sucesso. É preciso também uma boa dose de publicidade.

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