Um tempo atrás, li “Vala Comum”, o primeiro romance do professor de história da Ufma, Rickley Marques. E, ao terminá-lo, duas sensações ficaram muito fortes.
A primeira é a certeza de que a densidade literária não obedece a nenhuma fórmula. Há pessoas que escrevem uma vida inteira e não conseguem, nem com toda a experiência acumulada, fazer uma obra densa. E eu me incluo neste rol de lutadores. Minha prosa, a que eu consegui “parir” até aqui, depois de 30 anos de tentativas literárias-ficcionais, é curta, por isso fico no terreno dos contos e das novelas. E há autores que, na primeira tentativa, já saem com uma narrativa longa, muito bem intrincada, inventiva e – por que não? – até madura.
Este é o caso do livro de Rickley. Ele confessa que foi a primeira investida no campo da literatura. Antes, tinha publicado apenas uma tese – o resultado de 4 anos de uma pesquisa científica. Mas, como literatura, foi de “primeira sentada” que ele resolveu abrir o arquivo e ir até o fim. E nos deu uma bela narrativa de quase 300 páginas. Segundo ele próprio, isolado no gelo dos EUA, trabalhava com afinco e disciplina para deixar uma contribuição “à minha geração”.
E aqui reside a segunda impressão que o livro me causou. A de que a narrativa está muito bem urdida para um principiante. Dentro dela se equilibra o protagonista Jonny, um cara que é um arquétipo de sua época, piorado – ou realistamente descrito. Jonny nos traz para dentro do seu mundo, com todos os dilemas de um homem de meia idade que se sente sobejamente derrotado. Um afogado que se recusa a submergir. Sai do Brasil e volta para o Brasil, para a Goiânia pós-rural, para encontrar e enfrentar os fantasmas que deixou no aeroporto. E ele os encara com a nítida sensação de que vai perder a luta. E perde.
Para quem gosta de romance, é um bom livro. Assim como é um bom livro para quem gosta de análises de conjuntura e de uma boa trama policial. Jonny vive com (e pelas) memórias dos Brasil dos anos 1980, que ele insiste em fazer reviver no Brasil dos anos 2000. E os personagens com quem ele vai interagir, durante toda a trama, acabam como que sendo sugados para a sua “pequena caverna” – ou o “Carandiru” onde vive como um fodido (como ele mesmo se autodenomina).
Para quem gosta também de colecionar boas tiradas, o livro também tem – e muitas. Em geral, carregadas de um tom amargo da visão de como Jonny vê a vida (politicamente incorreta) e salpicadas pelas lembranças dos seus desastres.
Mas o livro também traz algumas esperanças. O protagonista tem esperanças na filha de 13 anos; no “demônio” de vizinha que o enfeitiça e o faz perder o eixo; na eleição do seu melhor amigo, natimorta. E só. Tais esperanças se reforçam ou se desfazem? Deixo ao leitor suas próprias conclusões…
Histórias que são o “espírito de uma época” existem muitas. Tantas que viraram clichê. Não nego que em Vala Comum esse clichê não seja percebido, em algum momento. Mas ele está tão bem urdido que, talvez, você só o perceba quando virar a última página do livro. E deixar, portanto, o “Carandiru” junto com seu inquilino…
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