Freud se utilizou do termo “aparelho” para conceituar as formas de organização psíquica, as quais se dividem em sistemas mentais que desempenham funções e lugares específicos na mente humana. Não como um lugar anatômico propriamente dito, mas um lugar psíquico, com seus mecanismos e conteúdos próprios. Estes sistemas, por sua vez, mantêm-se interligados entre si por uma relação de interdependência com a consciência.
A essa estruturação Freud chamou de “modelo tópico” ou “modelo de lugares”, a partir do qual desenvolveu sua Primeira Tópica, ou seja, a sua Teoria Topográfica, publicada pela primeira vez em 1900, no livro A interpretação dos sonhos, e aprofundada em textos posteriores como em O ego e o id e outros trabalhos, publicados entre 1923 e 1925. O princípio básico desta teoria propõe organizar o aparelho psíquico em três sistemas mentais: o Inconsciente (Ics), o Pré-consciente (Pcs) e o Consciente (Cs) (Freud, 1987, 1976).
De acordo com Freud, o primeiro sistema, o Consciente, representa apenas uma pequena porção da mente, responsável por todos os eventos e memórias sobre os quais temos ciência em um dado momento. Compreendido assim, esse sistema é acionado pelo conjunto percepção-consciência e situa-se em uma zona periférica do aparelho psíquico, sendo influenciado simultaneamente por sensações e informações da realidade exterior ao sujeito, bem como por impulsos oriundos das partes interiores da mente.
O segundo sistema, o Pré-consciente, tem uma articulação direta com o consciente e com o inconsciente, uma vez que se situa entre estes dois últimos. Sua função é servir como uma barreira seletora de informações, memórias, sentimentos e sensações, determinando de modo autônomo quais destes podem ou não passar para o sistema consciente. Em suma, o sistema Pré-consciente se configura como uma parte mediadora da mente capaz de trazer à tona certos conteúdos do Inconsciente para o Consciente, dentro de determinadas circunstâncias de resgate.
O terceiro sistema, o Inconsciente, é concebido por Freud como a maior, mais profunda e mais desconhecida parte do aparelho psíquico, sendo também detentora dos elementos que determinam a personalidade e das fontes da energia psíquica, das pulsões e dos instintos inacessíveis à consciência. É também onde se reservam os conteúdos inatos e todo o material excluído da consciência por processos psíquicos de censura, repressão ou recalque, conteúdos estes, que passam a não mais ser lembrados, embora continuem latentes e de certa forma “adormecidos” no inconsciente.
“Inconsciente” foi a princípio um termo basicamente descritivo, que posteriormente passou a incluir em seu sentido também aquilo que é temporariamente latente. A partir dessa concepção, Freud definiu com mais precisão o inconsciente descritivo em contraposição à noção de inconsciente dinâmico ou psicodinâmico, que constitui o cerne de sua teoria psicanalítica. A diferença básica entre essas categorias de inconsciente consiste no papel determinante de cada conduta e constam das seguintes descrições: no inconsciente descritivo as ideias são não-conscientes, ou seja, podem ser representadas pela memória, por exemplo, e podem surgir em determinados momentos. Porém, enquanto estiverem arquivadas, não denotam ações nem interferem no comportamento do sujeito; no inconsciente dinâmico, tais ideias são eficazes, uma vez que se convertem em comportamentos e ações independentemente da “vontade” consciente do sujeito (Freud, 1977).
No sistema teórico de Freud o aparelho psíquico é predominantemente inconsciente e é composto por três importantes elementos. Id, que representa um receptáculo das tendências instintivas inatas, constituindo o psiquismo em sua fase primordial; o Ego, que surge como uma instância de diferenciação de uma área do próprio Id, intercambiado pelo ambiente circundante, sendo, portanto, em grande medida inconsciente, principalmente, no que concerne aos mecanismos de defesa ante as adaptações à realidade; por fim, o Superego, que é composto por um conjunto de regras repressivas introjetadas, sendo também parcialmente inconsciente.
Nestes termos, para Freud, a lógica da consciência racional é invertida, quando ele afirma que é o inconsciente dinâmico que domina o consciente a partir de um jogo de forças conflituosas subjacentes incessantes, não mais em termos lógicos, mas em termos emocionais, fazendo com que a governabilidade do comportamento seja regida pelas instâncias do inconsciente, que, por sua vez, recebem toda a carga de energias reprimidas que subjazem latentes no inconsciente.
O inconsciente, na concepção freudiana, relaciona-se com o fenômeno da repressão, que consiste em um mecanismo de defesa capaz de “esconder” todas as pulsões, traumas e sensações não suportadas pela consciência ou não aceitas pela sociedade. Quanto a isso, Freud (1977, p. 191) afirma o seguinte: “A essência do processo de repressão não está em pôr fim, em destruir a ideia que representa um instinto, mas evitar que se torne consciente. Quando isso acontece, diz-se que a ideia se encontra num estado inconsciente e pode produzir efeitos”.
Freud quer dizer com isso que um instinto nunca poderá ser objeto da consciência, mas a ideia que o representa sim. De modo inverso, as emoções não são do trato do inconsciente, muito embora as ideias que as representam passem a ser substituídas por atos conscientes, porém, falseados como um simulacro, enquanto as ideias verdadeiras e originais passam a ser reprimidas. Daí surge a categoria de “inconsciente reprimido” sobre a qual Freud afirma ser em grande medida o depósito de desejos, afetos e instintos negados.
Uma vez negados, estes desejos e instintos configuram-se em expressões imprecisas, já que sofreram uma substituição das ideias originais que os representavam por outras falseadas em consequência da repressão. Segundo Freud, nesse caso, há três possibilidades de causa-efeito de afetos reprimidos: a primeira, o afeto pode permanecer inalterado no inconsciente reprimido; a segunda, o afeto é transformado em ansiedade ou em outras patologias psíquicas; a terceira, o afeto é suprimido e impedido de se desenvolver, tornando-se totalmente inconscientes para o sujeito.
Nesse contexto, Freud (1977, p. 191) afirma que a “[…] censura rigorosa exerce sua função no ponto de transição do Inconsciente para o Pré-consciente”, de modo que sua influência se dá em todo o aparelho psíquico fazendo com que desejos, instintos, afetos e emoções fiquem contidos no inconsciente. Na dinâmica desse processo tudo o que está latente e temporariamente inconsciente relaciona-se, em certa medida, com as instâncias pré-consciente e consciente a um só tempo.
Referências:
FREUD, Sigmund. O ego e o id e outros trabalhos (1923-1925). Vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago; 1976.
FREUD, Sigmund. Obras completas. Vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1977.
FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. Partes I e II. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago; 1987.