Tenho dito que uma importante tarefa, ou responsabilidade, das academias de letras espalhadas pelo país, é a de, naturalmente, resgatar e manter viva a história e os feitos literários de inúmeras personalidades que, se não a principal atividade, tinham a literatura como ofício, e que deixaram para a posteridade seus romances, poesias, contos, ensaios, novelas, músicas, etc. Uns com fama nacional e internacional, outros nem tanto, mas que, a exemplo dos famosos, também deixaram seus registros literários.
O Maranhão é rico da presença de vultos literários que, cobertos pelo manto do tempo, caíram no esquecimento, que para mim é uma espécie de “segunda morte”; mas que, graças às academias de letras, foram restaurados e hoje são estudados, declamados, e a atual geração pode, enfim, conhecê-los. Foram imortalizados! Um exemplo clássico é Maria Firmina dos Reis. Maranhense da cidade de Guimarães, é considerada a primeira romancista negra do Brasil.
Aqui perto, na cidade de João Lisboa, Firmina dos Reis dá nome a uma das cadeiras do conjunto de patronos da academia de letras, de lá. Cadeira ocupada pela socióloga, professora, escritora, pesquisadora Maria Natividade da Silva Rodrigues, hoje uma das maiores pesquisadoras da obra da maranhense, no Brasil.
Quando uma academia de letras é fundada, cada uma das cadeiras recebe o nome de um patrono, que é escolhido, na maioria das vezes, pelo acadêmico ou acadêmica, antes da fundação. O critério é a afeição pela vida e obra daquela personalidade que, de alguma forma, tenha marcado o mundo das letras e cultura brasileiras. A Academia Imperatrizense de Letras (AIL), atualmente presidida pelo poeta Raimundo Trajano Neto, segue esse padrão. São 40 cadeiras, cada uma coroada com o nome de algum expoente da nossa literatura. Assim, não há como o ocupante do assento não mergulhar nas nuances da vida e obra daquele homenageado literato, que passaria eternamente para a “segunda morte”, se não fosse por aquela iniciativa.
Às vezes ocorre de um acadêmico despertar para a obra do patrono de uma outra cadeira. Isso aí aconteceu com o poeta Ribamar Silva. Ele ocupa a Cadeira 20, fundada pelo saudoso jornalista e historiador Adalberto Franklim e que tem como patrono o escritor maranhense, nascido em São Luís, João Dunshee de Abranches Moura. O são-luisense foi membro destacado da Academia Maranhense de Letras, e segundo o jornalista, escritor, pesquisador e acadêmico, Edmilson Sanches, um dos maiores intelectuais já nascidos no Maranhão. Com tudo isso, a queda literária de Ribamar Silva é pelo escritor Manoel de Souza Lima. Há anos ele pesquisa e escreve sobre a vida dele, patrono da Cadeira 01 da AIL, ocupada hoje pelo jornalista e advogado Juscelino Pereira.
Além de resgatar toda a bibliografia do autor, Ribamar Silva conseguiu acabar com uma dúvida acadêmica sobre o local de nascimento de Souza Lima, corrido em Imperatriz no final do século XIX. Sendo, portanto, ele, o primeiro filho da cidade a se tornar escritor. As pesquisas apontaram até para a descoberta de um neto famoso do escritor imperatrizense, o festejado ator de TV e teatro, e também diretor de núcleo da Rede Globo, Wolf Maia.
Em 2020, fui eleito membro da Academia Imperatrizense de Letras, na vacância da Cadeira 02, então ocupada pelo sertanejo advogado, jornalista, político e historiador Sálvio Dino, levado para a eternidade pela pandemia do coronavirus. Dino era membro fundador do sodalício imperatrizense e escolheu como patrono do assento, João Parsondas de Carvalho, nome de ruas e escolas, em diversas cidades do Maranhão, e até do Estado do Pará.
Sálvio Dino alimentava uma intensa e produtiva atividade literária, e como não poderia deixar de ser, pesquisou, com o olhar de águia, a vida e obra de Parsondas de Carvalho, de cujos feitos ouvia falar desde que se entendeu por gente, lá pelas bandas de Grajaú, onde viveu na tenra juventude.
Da curiosidade e intelectualidade de Sálvio Dino surgiram vários textos, palestras e debates sobre a trajetória do escritor, jornalista, geógrafo e mais um “montão de coisas”, Parsondas de Carvalho, que morou em Imperatriz, ali na XV de Novembro.
Parsondas morreu na vizinha Montes Altos, em 1926, e ali também foi sepultado. Ele deixou um gigantesco legado em várias áreas do saber. Legado esse, alvo das pesquisas do saudoso Sálvio Dino.
Reputo o livro “Parsondas de Carvalho, um novo olhar sobre o sertão”, como o principal documento produzido pelo fundador da Cadeira 02 da AIL sobre o patrono. Na obra, uma espécie de livro reportagem, Salvio faz uma releitura de Guerra do Leda, um livro/denúncia onde o autor relata, como contemporâneo dos acontecimentos, uma das maiores “carnificinas” já registradas no alto sertão maranhense sob o patrocínio do Governo do Maranhão. Na época, o governador era João Gualberto Torreão da Costa, mas quem dava mesmo as cartas, ou seja, mandava, era o então poderoso chefe político e senador Benedito Pereira Leite, que mais tarde, entre primeiro de Março de 1906 e 25 de maio de 1908, veio a ser, de fato e de direito, governador do Maranhão.
Em Guerra do Leda, como escreveu no prefácio de Parsondas de Carvalho, um novo olhar sobre o sertão, o saudoso escritor e desembargador Milson Coutinho, Parsondas relata a miséria moral, política, policial e denuncia os assassinatos do Estado Policial de Benedito Leite, que tiveram como palco cidades como Grajaú, Carolina, Imperatriz, Riachão e Balsas.
A Guerra do Leda, texto já quase pronto, é o tema da coluna da próxima semana.
Uma resposta
Considero nobre a missão a qual seu coração se inclina , a de imortalizar também os escritores que não são da Acadêmica de Letras. Parabéns! E gratidão pro tamanho serviço!