Esta é uma história afro-cubana, e foi Lydia Cabrera quem me contou, num de seus livros. Vamos ver se eu sei contar prucêis…
No tempo da onça e das dinossauras magras, quando a Terra ainda era plana, contam que a Tartaruga (bicha danada!) um dia chegou pr’o Sol e perguntou a ele por que dona Água nunca havia ido à sua casa vê-lo. O Sol diz que matutou o dia todinho, e sem saber o que dizer foi perguntar à comadre por que diabos ela nunca quis ir conhecer o seu cafofo.
Dona Água, toda tímida, disse que nunca havia ido visitar o compadre porque não queria incomodar. “Pois não seja por isso!”, ele respondeu. “Dentro de três dias vou preparar tudinho e quero que você me visite”. Sem poder dar mais desculpas, dona Água aceitou o convite.
O Sol, muito bem organizado, mandou cavar um fosso ao redor da casa, preparou os comes-e-bebes e ficou lá aguardando a visita. A Lua, que era sua vizinha, tendo ouvido dizer que dona Água vinha, pegou um tronco de árvore e fez uma canoa, por precaução.
No dia marcado, chegou dona Água de mansinho e compadre Sol já estava num pé e noutro para que ela entrasse. Ela ficava naquele chove-não-molha, sem querer entrar na casa do compadre, até que a Tartaruga chegou perto e cochichou em seu ouvido que seria uma desfeita danada a compadre Sol que ela ficasse ali parada, e por isso dona Água resolveu entrar, e foi de enxurrada!
E foi se esparramando e tomando conta de todo o fosso que o Sol havia mandado cavar pra ela e a Lua, vendo aquilo, subiu na sua canoa e ficou pelas beiradas assuntando. Compadre Sol, quando viu que a água foi chegando, e se viu preso no seu pedacinho de terra, quase que se arrependeu do convite, mas aí já era tarde!
E quando ele estava ali quase se afogando, comadre Lua veio e gritou que ele pulasse em sua canoa e lá ficaram os dois vendo a água tomar conta de tudo e virar um oceano cheio de sal, monstros e ondas mortais. Até que a Lua disse: “Como aqui tá muito apertado, agora vou morar no céu! Vumbora?”, disse a compadre Sol, que não titubeou em dizer: “Na hora!”.
Chegando no céu, cada um procurou o seu canto e os dois ficaram lá de cima observando a Água se esparramar. Passado um bom tempo, dona Água sentiu saudade e quis voltar pra casa e foi abrindo caminhos pra retornar: caminho do feio por onde veio, não é assim? E desse jeito surgiram as cachoeiras, os córregos e os rios, e foi quando as águas doces se tornaram doces e se separaram das salgadas, bem como os animais e as plantas que deram de se criar naquelas águas.
Um belo dia, passado já um tempo desse acontecido, estava a Tartaruga se esquentando ao Sol deitada num pedacinho de chão quando olhou pro céu, mirou o Sol e disse: “Bichão, há tempos te queria longe!”
Contam que o Sol não se zangou por conta disso, nem com dona Água nem com a Tartaruga, e que a vida seguiu o seu caminho: o Sol vindo ver comadre Água na parte do dia, todos os dias, e de noite a Lua, acompanhada das estrelas, suas filhas, vindo boiar no espelho cristalino da velha amiga.
Essa Tartaruga é o bicho, visse?! Bicha mais esperta, tô pra ver!
Este conto aparece no livro Ayapá – Cuentos de Jicotea, de Lydia Cabrera, editora Universal, Miami, 1971/2006.
E aqui termina a história. Até a próxima!