Ôxe!, parece que foi outro dia mermo que eu abri a coluna deste ano com a história do peixe surfista. E agora, que o ano se finda, quis o destino que aqui contasse outra história dele, u’a que também acunticeu.
O nosso causo, digo: a minha história com o peixe que surfa em água doce, é uma história que se disinrolou ao longo do ano e deve continuar até quando Deus achar que deve!
Por certo vão dizer que é conversa de pescador, coisa que eu não sou, mas eu tive testemunhas pra confirmar tudo o que aqui relato.
Começo dizendo que toda vez que eu passo lá pelo açude o peixe surfista aparece para me dar um alô. É sério! Já é quase um ritual.
Fico imaginando como é que ele sabe que sou eu que estou me aproximando, mas como eu tenho o hábito de passar por ali todas as tardes acho que ele, me observando, aprendeu a reconhecer a vibração dos meus passos e sabe que sou euzinha que está chegando. E para facilitar a vida do meu amigo, me ponho a cantarolar:
“Peixe surfista, cadê você?
Eu vim aqui só pra te ver!
Peixe surfista, cadê você?
Eu vim aqui só pra te ver! “
Logo a água se agita e sei que é ele, vindo me saudar.
Minha filha esteve comigo em várias dessas vezes, e noutras tantas eu também não estava só, só que as outras pessoas que comigo estavam, como não sabem dessa minha história com esse peixe especial, não veem nada de extraordinário quando a água do açude se agita aqui e acolá.
Como o meu amigo aquático é super rápido, é muito difícil fotografá-lo quando ele surge. Eu já tentei algumas vezes, mas ele é tímido, não tem quem faça!
Durante todo o ano houve um único dia em que me preocupei quase de morte com meu amigo escamoso, pois foi um dia em que passei pelo açude e nada, nem uma folha n’água se mexeu. Pensei: “Ai, meu Deus, fisgaram o peixe surfista!” e logo imaginei que era culpa minha, por eu ter tornado pública a nossa história, o que teria atraído algumas almas sebosas que, só pensando no lucro, quiseram fisgar o peixe acrobata para exibi-lo num circo aquático. Imagine o meu desespero!
E olhe que no açude onde mora o meu amigo não é todo mundo que pode jogar suas varas não. Só as pessoas que pertencem ao clube que mantém o açude é que podem pescar naquelas águas, mas eles pescam e depois jogam os peixes de volta, o que eu também não acho bom, porque os bichinhos sempre se machucam e eu não vejo graça nessa história.
Sim, mas como as almas sebosas sempre arranjam um jeito de quebrar as regras, imaginei que elas pudessem ter vindo num dia em que não havia viv’alma cuidando do açude e montaram suas armadilhas para pegar o peixe extraordinário. Bando de ordinários!
Imagino que tenham feito a ele propostas indecorosas, do tipo: “Você vai ficar rico, rico, rico… Terá uma piscinona só pra você, e com ondas!”, mas como meu amigo é esperto, duvido que ele tenha caído nessa balela, o que fez com que as almas sebosas usassem outras estratégias malévolas.
Contei essa versão para minha filha, que me acompanhava também nesse dia em que dei pela falta do peixe, e ela me disse: “Não, mamãe, pode ser que ele só esteja indisposto. Ainda mais agora, que começou a ficar frio e os peixes ficam mais quietos lá no fundo, poupando energia para passarem o inverno”.
Fiquei preocupada com o meu amigo e quase me convenço de que ele havia sido mesmo levado, e foi quando, de repente, a água do açude começou a se agitar em vários lugares diferentes ao mesmo tempo, e eu pensei que se o meu amigo aquático tivesse sido mesmo pescado, aqueles outros peixes que ali agora se agitaram foram os que tiveram suas vidas transformadas e se tornaram discípulos daquele peixe desbravador de ondas e caminhos. E agora estavam ali, em lugar do mestre querido, prestando-lhe as devidas homenagens como quem diz: “Somos as sementes de um ideal! O mestre foi levado, mas nós manteremos viva a tradição do surfe nas águas de açude!”
Daí voltei para casa com a minha companheira de caminhadas e fomos conversando sobre a sorte ou a desgraça do nosso amigo acrobata.
No dia seguinte voltamos ao açude e vimos que o peixe surfista continuava ali, pois veio nos saudar, como de costume. Ele não havia sido fisgado, mas, pelo jeito, andou comendo umas minhocas estragadas e teve que passar um tempo de resguardo até se recuperar e poder voltar a agitar a cauda. Só nesse momento respirei aliviada, uff!, pois a vida de meu amigo não havia sido encerrada por conta de um deslize meu, ao tornar público nosso encontro, ao deixar que o mundo soubesse de suas habilidades fora do comum.
Você pode até dizer que estou louca e que imaginei tudo isso, mas eu lhe a-garanto que o peixe surfista num é de mintira não, visse? E sempre que eu passar pelo açude, enquanto ele tiver vida, sei que virá me cumprimentar. Se eu estivesse sozinha, você poderia até duvidar, mas minha filha é testemunha, e outras pessoas também, e tudo o que aqui relato elas poderão confirmar:
– É mentira, povo?
– É não! Tudo verdade!
Embora o mar não esteja para peixes, já que está subindo a temperatura do planeta, desejo a você, enquanto possível, Feliz Natal e um Ano porreta!