Estou totalmente consciente de que, para muitas pessoas, recomendar algum tipo de leitura pode soar como uma grave ofensa. Principalmente nesta época do ano, quando os preparativos para a ceia natalina, a busca de presentes e os demais afazeres cotidianos acabam ocupando quase todo o nosso tempo. Mas tenho também certeza quase absoluta de que tais pessoas não frequentam esta página e, por isso, não se sentirão incomodadas com as sugestões a seguir.
Conforme ocorre em todas as listas, o que impera sempre em cada item é o gosto peculiar do autor do texto. Optei, então, por indicar obras fáceis de serem encontradas e relativamente curtas. As temáticas nem sempre estão relacionadas com as festividades de final de ano. Isso só ocorre em alguns casos específicos. Bem, vamos à listagem.
Como estamos chegando ao Natal, começo recomendando um conto bastante breve escrito por Leon Tostói (1828-1910). Imagine que você seja um humilde sapateiro e receba a notícia de que Jesus Cristo em pessoa irá comparecer à sua casa para a ceia de Natal. Que fazer? Claro. Arrumar a casa e deixar tudo organizado para receber o ilustre visitante. Porém, durante essa arrumação, muitas coisas podem acontecer. Eis uma sintética abordagem do que ocorre em Onde está o amor, Deus está também, um conto cheio de intertexto bíblicos e que, mesmo escrito em 1885, ainda pode nos oferecer grandes lições de humildade.
Caso não tenha gostado desse conto de Tolstói, você pode desacelerar um pouquinho de seus impulsos e passar uma tarde ao lado de Gregor Samsa, o angustiado protagonista de A Metamorfose, uma das obras-primas da literatura universal que nos foi deixada por Franz Kafka (1883-1924). Nas páginas desse livro, aprendemos como tudo pode mudar rapidamente e que tudo ao nosso entorno passa por transformações que podem ser sutis ou não. A pergunta capital: “o que aconteceu comigo?”, que aparece logo nos primeiros parágrafos dessa novela continua ecoando na cabeça dos leitores. Que tal conhecer Gregor, seus familiares, seu patrão? Garanto que você também passará por grandes transformações.
Gosta de peças teatrais? Que bom! Meu conselho é mergulhar nas aventuras e nos traumas físicos de Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand (1868-1918). Nessas páginas, você irá conhecer uma das mais encantadoras figuras da literatura mundial. Os cinco atos da peça passarão por seus olhos em um passe de mágica. Após o término, sempre fica a sensação de que devemos valorizar mais as pessoas por sua essência do que por sua aparência. Caso você queira, poderá também assistir ao filme homônimo, com uma atuação impecável de Gérard Depardieu. Parece-me que existe uma versão mais recente do filme, mas, confesso, ainda não a conheço.
Já que estamos falando de teatro, seria bom voltar no tempo e dialogar com a primeira (e uma das mais perfeitas) grande história de investigação de nossa literatura ocidental: a peça Édipo Rei, de Sófocles (496 a.C-406 a.C). Nessa peça, iremos conhecer o magnífico rei de Tebas e compartilhar do desejo de encontrar o grande responsável pela peste que está a destruir parte da população. É preciso tomar providências e identificar o regicida, homicida e parricida responsável por aquele caos. Ao longo de algumas páginas, o leitor ajuda na investigação e convive com Édipo, Jocasta, Tirésias e Creonte nessa histórica investigação.
Agora imagine que você esteja em um gigantesco engarrafamento em uma rodovia. Ao cruzar com os diversos carros, algumas histórias vão sendo construídas, inclusive algumas amorosas. O tempo passa e aos poucos o fluxo de carros volta ao normal, mas a experiência modificou a maior parte dos anônimos personagens do conto A Autoestrada do Sul, primeiro texto do livro Todos los fuegos el fuego, do escritor argentino Julio Cortázar (1914-1984), um dos mestres da narrativa em língua espanhola. Vale a pena ler todos os contos do livro e, se houver tempo, percorrer também os textos de Casa Tomada y Otros Relatos, outro excelente livro do mesmo autor.
Caso seu interesse seja um texto breve, porém carregado de dramaticidade e de erotismo, recomendo o lito O Amante, de Marguerite Duras (1914-1996), uma das vozes mais expressivas da literatura do século XX. A história é aparentemente simples e retrata o envolvimento amoroso de uma jovem com um homem mais velho. A relação é marcada por desejos e proibições. Publicado em 1984, anos depois, em 1991, o livro ganhou uma adaptação para o cinema com o mesmo título. Livro de uma leitura fluida e agradável, em pouco mais de 120 páginas Marguerite Duras consegue transformar qualquer pessoa em mais um amante de sua literatura.
Caso alguém queira esperar a noite de Natal envolvido em uma leitura mais ardente, pode optar pelo conto A Fugitiva, de Anïs Nin (1903-1977), uma aclamada autora francesa que escrevia obras com grande densidade erótica e psicológica. Na história, uma garota – Jeanette – de pouco mais de dezesseis anos foge de casa – por não estar de acordo com o modo de vida da mãe – e foi acolhida no apartamento de Jean. Mas ali também vive Pierre. Os três passam então a vive um tórrido triângulo amoroso. Algumas passagens do conto talvez possam incomodar leitores mais sensíveis e que não estejam acostumados com o estilo dessa escritora.
Quem gostar de textos mais densos pode ler qualquer um dos contos do livro Depressões, da escritora alemã Herta Müller (1953) – prêmio Nobel de literatura em 2009. Em seus contos, as personagens estão ambientadas em locais insalubres tanto do ponto de vista geográfico quanto com relação aos aspectos psicológicos. Uma sugestão é ler o conto Minha Família, que é basicamente um painel de uma família comum, cujo pai tem outra família. Mas o que parece uma exceção trata-se em verdade de uma silenciosa tradição daquela família. Em cada texto de Herta Müller há um universo de emoções a ser explorado pelo leitor.
Se você gostar de mistério e de investigação, recomendo o romance O Assassinato de Roger Ackroyd, de Agatha Christie (1890-1976). É interessante acompanhar o detetive Hercule Poirot na investigação sobre a morte de um famoso milionário que foi encontrado em seu escritório. Aparentemente, todos os suspeitos têm seus álibis, porém a mente analítica de Poirot é capaz de identificar detalhes que solucionarão o mistério. O texto de Agatha Christie é sempre cheio de reviravoltas e obriga o leitor a fazer um esforço redobrado para tentarem raciocinar da mesma forma que a autora e, com isso, descobrirem o culpado. Nem sempre isso dá certo.
Finalmente, se você gosta de ver o mundo sob diversas perspectivas, sugiro a leitura de Castelo dos Destinos Cruzados, de Ítalo Calvino (1923-1985). Em seu característico estilo fluido e envolvente, Calvino elabora uma narrativa ambientada em um castelo medieval no qual, ao adentrar, as pessoas perdem a voz e passam a se comunicar a partir da escolha de cartas de um baralho de tarô. A partir desse caso inusitado, os leitores ficam conhecendo a história de cada uma das personagens. O livro é ilustrado com as imagens das cartas sacadas, o que permite ao leitor fazer suas próprias interpretações.
Bem, tivemos acima dez sugestões de leitura. Acredito que cada um de vocês compartilhem do gosto pela leitura. Dessa forma, espero que pelo menos um dos textos indicados chame sua atenção. Já leu todos? Parabéns! Que tal então, nestas festividades de Natal e de Ano Novo, presentar alguém com um desses livros, ou com vários? Não leu todos. Ficam as sugestões e o desejo de muita paz e felicidade neste nosso final de ano… Ainda dá tempo de ler todos…
Uma resposta
Excelentes sugestões de leitura. Um roteiro para alimentar a alma e o coração com belos e deliciosos instantes que a arte de ler é capaz de proporcionar.
Abraço grande, meu amigo Neres