Sobre José de Moraes, o padre e a pessoa, que nasceu na primeira década do século 18, ressentem-se de melhores informações até os historiadores mais próximos dele nos séculos. Por exemplo, com data de 15 de maio de 1860, Cândido Mendes de Almeida (cujo pai, o capitão de esquadra português Francisco Mendes de Almeida, radicou-se em Caxias, minha terra natal) já escrevia “ao público” em suas “Memórias para a História do Extinto Estado do Maranhão”:
“Poucos dados biográficos temos a respeito do padre José de Moraes, que depois da supressão de sua ilustre Companhia, se chamou José Xavier de Moraes da Fonseca Pinto.”
Ao longo dos tempos, seja pela leitura de sua única obra, seja por pesquisas, formou-se um ainda muito pequeno conjunto de dados acerca de José de Moraes.
Lisboa, em Portugal, seria sua cidade de nascimento, em 1º de dezembro de 1708. É ordenado padre aos 36 anos, em 1744, 18 anos depois de, em março de 1727, ter entrado para a Companhia de Jesus, ordem religiosa missionária e educacional de quase cinco séculos de existência, fundada por Inácio de Loyola em Paris, em 1534.
José de Moraes chega ao Maranhão em 1730 e daqui só sai, ou é saído, em março de 1759, por força de expulsão de todos os jesuítas do Brasil, por determinação do secretário de Estado português Sebastião José de Carvalho e Melo, conde de Oeiras e marquês de Pombal, que cuidava dos “negócios interiores” do reinado de dom José 1º e que, em seu despotismo esclarecido, alegava que a Companhia de Jesus agia como se fosse um poder autônomo dentro do Estado lusitano. Quase 700 jesuítas em terras brasílicas foram sacados de seus conventos, colégios, missões e aldeias e deportados, entre eles o padre José de Moraes, que — é uma possibilidade — teria perambulado de prisão em prisão em Portugal. Era o absolutismo à maneira pombalina.
Nomeado cronista da Vice-Província do Maranhão, José de Moraes pode ser definido — na categoria de autor, não na de leitor ou estudioso — como “homem de um livro só”, conforme repetida frase de Santo Tomás de Aquino para elogiar aquele que conhecia a fundo uma determinada obra (algo que tem seu lado temerário, pelo não aporte de outras visões e influências).
Tal é esse o resumo da já concisa biografia de José de Moraes. Sem querer fazer blague, se a biografia de José de Moraes não se encompridou muito, seu nome, em 1777, já se havia alongado bastante: passou a assinar-se José Xavier de Moraes da Fonseca Pinto, que seria seu nome de família completo.
O grande maranhense de Brejo, Cândido Mendes de Almeida, na citada nota “ao público”, sobre o que teria finalmente acontecido a José de Moraes, admite:
“Não sabemos o destino último do padre José de Moraes […]; se foi um dos presos nos horrorosos cárceres da Junqueira [forte em Lisboa], se dos desterrados nas costas dos Estados da Igreja, e que depois voltaram a Portugal, no reinado de Dª Maria 1ª”.
Cândido Mendes prossegue:
“Nossas conjecturas levam a acreditar que o padre José de Moraes se resolvera logo a abandonar a roupeta [a batina] da Companhia [de Jesus], assim que chegara a Lisboa […]; não tendo forças, em razão da idade, para suportar os martírios do desterro ou do cárcere que prometia o frenesi fanático do jansenista [marquês de] Pombal”.
Não é demérito o não ter-se maiores informações sobre um autor, uma pessoa. No capítulo 5 (“Crítica histórica”) de seu livro “A Verdade na História” (Editora Martins Fontes/Universidade de Brasília, 1982), o professor Oscar Handlin, da Universidade de Harvard e Prêmio Pulitzer de História, escreve:
“Não há pesquisador que cerque todos os dados procurados. Muito do que ele irá querer saber sempre escapará dele […] tudo irremediavelmente perdido”. “O registro permanecerá parcial e incompleto” — arremata, realista, o professor norte-americano, falecido em 2011 às vésperas de completar 96 anos.
O OBRA – Agora, o que escreveu o padre Moraes.
Se a vida de José de Moraes é rara de maiores registros, sua obra a suplanta e suplementa. Mesmo sendo seu livro único (pelo menos que se conheça…), mesmo dividindo com outros a galeria de autores jesuítas, o livro “História da Companhia de Jesus na Extinta Província do Maranhão e Pará”, concluído em 1759, ano em que padre Moraes foi obrigado a sair do Maranhão e do Brasil, é livro merecedor de constantes, replicados e recorrentes estudos, desde os que, a partir de 1860, lhe louvam os méritos e justificam os senões, como em Cândido Mendes de Almeida, aos que lhes sublinham as imperfeições, como o maranhense de Cantanhede Antônio Henriques Leal, em seus “Apontamentos para a História dos Jesuítas no Brasil, Extraídos das Crônicas da Companhia de Jesus”, de 1873, e o paulista de Sorocaba Francisco Adolpho Varnhagen, o visconde de Porto Seguro, em sua “História das Lutas com os Holandeses no Brasil desde 1624 a 1654”, de 1871/1872.
O próprio José de Moraes, com o hábito ou a retórica da autodepreciação, registrava, no “Prólogo”, a necessidade de “rematar” e “complementar” a obra, retirar-lhe o excessivo e o defeituoso, com o que imaginava merecer juízo menos desfavorável. Alegou Moraes faltar-lhe, por “desgraça”, “tempo para o remate e complemento da obra”, para “depois com maior sossego correr as peças para limar o supérfluo e polir com mais vagar os defeitos”, […] “ao menos para que ficasse em parte moderada a censura, e menos culpável o motivo dela […]”.
Ao longo dos tempos e em especial em décadas mais recentes dos séculos 20 e 21 medram textos e referências, em especial acadêmicos, universitários, analisando e criticando, detalhando ou retalhando este(s), esse(s) e aquele(s) aspecto(s) da obra do padre José de Moraes. Entre esses tantos trabalhos, mencionem-se os de Alírio Carvalho Cardoso (Unicamp, 2002); Cristina Pompa (“Novos Estudos”, novembro/2002); Doris Cristina Castilhos de Araújo Cypriano (Instituto Anchietano, 2007); Roberta Lobão Carvalho (UEMA, 2008; ANPUH, 2011; UFF, 2012).
É o criador, depois da obra criada, alimentando sua segunda maior criatura: o crítico.
“A crítica – escreve Oscar Handlin citado — é o sangue vital da ciência, da literatura e do pensamento em si. O estudioso, o escritor, o pensador — um indivíduo — lança ideias num vazio, mas carece dos meios de estimar-lhes a acurácia do curso, Somente os pontos de referência externa, de comentários emanados de outras mentes, tornam possíveis os julgamentos […]”. Handlin reconhece: “Um ato de crítica convoca os mesmos processos mentais de um ato de criação”. E ainda: “[…] cada estudioso tem direito ao seu próprio ponto de vista […]”, “[…] cada questão apresenta mais de um aspecto […]”.
A revisão crítica de Cândido Mendes sobre a visão crítica de Henriques Leal e Francisco Varnhagen acerca do livro de padre Moraes (por ele, Mendes, editado) reconhece prévia e preventivamente o tamanho e qualidade dos críticos, o que só leva Cândido Mendes a ser o mais responsável possível em seus contrarreparos. Afinal, eram Leal e Varnhagen — embora, volte-se a citar Handlin, “a história não é mais isenta de tratantes do que os outros campos”.
Quando Cândido Mendes decidiu iniciar suas “Memórias” com a obra do padre José de Moraes o fez justificando que, “entre todos os manuscritos de que temos conhecimento, sobre a história do Estado do Maranhão, demos preferência à obra do padre José de Moraes […]” porque “[…] milita em favor desta obra a circunstância de ser trabalho mais completo, nas épocas de que trata, que a mor [maior] parte das memórias de que temos notícia […]”. Cândido Mendes escolheu a “História” do padre Moraes porque “é a obra rica em fatos e de documentos de muito valor, de circunstâncias pouco conhecidas, que retificam e esclarecem muitos fatos da história pátria […]”, embora, sobre o livro — ressalva, crítico também, Cândido Mendes –, “não prime esta produção pelo estilo” (que Mendes classificou de “sobrepesado, muitas vezes obscuro”).
No seu “A Verdade na História”, Oscar Handlin observa que “somente uma minoria de homens e mulheres, em qualquer lugar, em qualquer época, é articulada, no sentido de ser capaz de colocar seus pensamentos e emoções em linguagem própria”. Padre José de Moraes era um desses raros homens, com seu estilo e tudo, na época que foi a sua e no lugar que é o nosso Maranhão. Sua sensibilidade rastreava e documentava os fatos, ocorressem estes com quem ocorressem, seja a morte de um religiosos de grande nome, sejam as violências contra índios anônimos — como o trucidamento do padre Francisco Pinto pelos índios tacarijus em 11 de janeiro de 1608 ou as sevícias e “destemperos” de Pedro Coelho de Sousa contra os tabajaras e tupinambás. “O historiador não pode […] confinar sua atenção […] aos membros do elenco — intelectuais, pregadores, advogados — […]. Precisa olhar também os mercadores e os camponeses, os artesãos e os mendigos […]” (Oscar Handlin).
O PERSONAGEM – Grande é o desfile de nomes e vidas e fatos na obra de padre Moraes. Diversos religiosos são merecedores de sua escrita, entre os quais o citado e indígete padre Francisco Pinto, seu colega Luís Figueira, Benedito Amodei, Manuel Gomes, Francisco Pires, Manuel Muniz, Gaspar Fernandes (irmão coadjutor) e, entre outras personagens e personalidades, o padre Antônio Vieira, a quem José de Moraes destina loas e mais loas e muitas coisas boas. Dos seis “livros” em que se divide a “História da Companhia de Jesus”, nada menos de quatro ocupam-se do padre Antônio Vieira. Em sua monografia “Entre a Experiência e a Retórica: A Ideia de História na Escrita do Padre José de Moraes no Maranhão do Século 18”, Roberta Lobão Carvalho confirma: “É certo que em sua obra Moraes dá maior atenção aos atos de Vieira em relação aos aldeamentos e a instituição de escolas no Maranhão”.
Mas não só. A monografista elenca que padre José de Moraes, além de enfatizar a educação, “fala das doutrinas que Vieira havia estabelecido” e destaca “ainda a vontade do padre em fazer missão […] e de cuidar das nações indígenas” das margens do rio Amazonas.
Roberta Lobão Carvalho, nas “considerações finais” de seu trabalho, reconhece que o livro de José de Moraes “é uma obra importante para a historiografia produzida sobre a Companhia de Jesus” e reafirma que o cronista jesuíta “dá destaque a algumas personagens […], como, por exemplo, o padre Antônio Vieira”.
E continua: “Moraes é um dos primeiros a validar ou exagerar a grande influência de certas personagens para a História do Maranhão”.
E prossegue, exemplificando e frisando: “A de maior importância para ele era o padre Vieira”.
EDMILSON SANCHES
IHGM – Cadeira 10
(Excerto do livro “Maranhão Não é Mentira”, de Edmilson Sanches)
Uma resposta
Um excelente livro para conhecimento da real história do Maranhão com a participação dos Jesuítas e o padre Antônio Vieira aqui nos primórdios da civilização maranhense e a relação com o povo indígenas, que tentaram escravizá-Los.