A presunção de inocência, prevista no artigo 5º, em seu inciso LVII da Constituição Federal, é consagrada como um dos pilares fundamentais do sistema jurídico em muitos países democráticos, representando uma garantia essencial para a proteção dos direitos individuais. Essa presunção estabelece que uma pessoa é considerada inocente até que sua culpa seja comprovada de forma irrefutável em um julgamento justo e imparcial. Contudo, a aplicação dessa premissa muitas vezes entra em conflito com a decretação de prisões preventivas, revelando a ineficácia desse princípio em face de certas situações.
As prisões preventivas, em teoria e resumidamente, têm como objetivo evitar que um indivíduo solto possa interferir na investigação ou cometer novos crimes antes do julgamento. A legislação brasileira prevê cinco fundamentos para a decretação da prisão preventiva: a garantia da ordem pública, a garantia da ordem econômica, a conveniência da instrução criminal, a garantia da aplicação da lei penal e a proteção de testemunhas ou vítimas. No entanto, na prática, a presunção de inocência muitas vezes é minada pela ampla utilização das prisões preventivas, que resultam em longos períodos de detenção antes que a culpa seja comprovada judicialmente. Isso coloca em xeque o princípio fundamental de que se é considerado inocente até decisão condenatória transitada em julgado.
Um dos problemas centrais é a falta de critérios claros e objetivos para a determinação das prisões preventivas. Em muitos casos, decisões judiciais são baseadas em avaliações subjetivas, o que pode levar à detenção de indivíduos que, na verdade, representam um baixo risco de fuga ou de interferência nas investigações. Além disso, o uso excessivo de prisões preventivas frequentemente resulta em superlotação carcerária, condições desumanas e a violação dos direitos humanos dos detentos. Com a base de dados, disponibilizada pelo SISDEPEN – Secretaria Nacional de Políticas Penais, em seu relatório do período de janeiro a julho do ano de 2023, tem-se a quantidade de 209.188 detentos presos a título provisório no Brasil (1).
A ineficácia da presunção de inocência em face das prisões preventivas, decretadas sem critério, também se reflete na duração excessiva dessas detenções. Em muitos casos, as pessoas passam meses, e em alguns casos até anos, aguardando julgamento (2). Durante esse período, suas vidas, empregos e relações pessoais podem ser profundamente afetados, independentemente do resultado final do julgamento. Nesse sentido, leciona Aury Lopes Jr: “a provisoriedade está relacionada ao fator tempo, de modo que toda prisão cautelar deve(ria) ser temporária, de breve duração. Manifesta-se, assim, na curta duração que deve ter a prisão cautelar, até porque é apenas tutela de uma situação fática (provisionalidade) e não pode assumir contornos de pena antecipada.” (3)
Além disso, a detenção pré-julgamento também pode levar à criminalização de indivíduos que mais tarde se revelam inocentes. Uma vez detidas, essas pessoas podem enfrentar estigmatização e dificuldades para reintegrar à sociedade, mesmo após serem absolvidas. Dessa forma, só seria legítima a imposição de prisão preventiva, quando o Judiciário, de forma fundamentada, expusesse os motivos que o impedem de aplicar qualquer uma das medidas cautelares diversas da prisão.
A propósito, algumas dessas medidas cautelares alternativas à prisão preventiva são: fiança; comparecimento periódico em juízo; proibição de frequentar determinados lugares; proibição de manter contato com determinadas pessoas; obrigação de comparecer a curso ou programa de orientação ou tratamento; internação provisória em estabelecimento psiquiátrico ou hospitalar.
A presunção de inocência é um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, pois garante a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais do indivíduo. No entanto, a sua efetividade vem sendo cada vez mais relativizada no Brasil, especialmente no que diz respeito à decretação infundada de prisões preventivas. Como afirma o jurista Luiz Flávio Gomes, “a presunção de inocência é um princípio de suma importância, que deve ser resguardado com rigor. A sua violação pode levar a graves danos ao indivíduo, inclusive à sua liberdade.”(4)
Para garantir a efetividade da presunção de inocência, é necessário que o juiz fundamente de forma concreta a decretação da prisão preventiva. O juiz deve demonstrar que o indivíduo representa um risco concreto à ordem pública ou à instrução criminal, por exemplo. Além disso, o juiz deve aplicar a prisão preventiva como medida excepcional, devendo optar por medidas cautelares alternativas sempre que possível. A adoção de medidas cautelares alternativas à prisão preventiva é importante para garantir a presunção de inocência e preservar os direitos fundamentais do indivíduo.
Entretanto, a ineficácia da presunção de inocência frente às prisões preventivas é uma preocupação importante. É fundamental que os sistemas jurídicos revisem e reformulem as práticas de detenção preventiva, estabelecendo critérios mais rigorosos e claros para sua aplicação. Isso é essencial para garantir que a presunção de inocência seja respeitada e que os direitos fundamentais dos acusados sejam protegidos, sem comprometer a busca pela justiça e pela segurança pública.
REFERÊNCIAS:
(1) Base de Dados SISDEPEN: https://www.gov.br/senappen/pt-br/servicos/sisdepen/bases-de-dados
(2) Nesse sentido: “Sexta Turma relaxa prisão preventiva de réu que aguarda julgamento há seis anos e meio”. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/10022022-Sexta-Turma-relaxa-prisao-preventiva-de-reu-que-aguarda-julgamento-ha-seis-anos-e-meio.aspx.
(3) Direito processual penal / Aury Lopes Jr. – 16. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
(4) Gomes, Luiz Flávio. Estudos de direito penal e processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.