—- Portanto, mais do que nunca, a História e a Etimologia confirmam: as pessoas encasteladas na Administração Pública que roubam o dinheiro do povo merecem, sem mais nem menos, o nome de ladrões.
—- A palavra “corrupção”, em Língua Portuguesa, é do século 14. Já sua adversária, a palavra “punição”, só veio no século 16, dois séculos depois. Isso parece ser um forte símbolo do que ainda hoje se relata e retrata: a Justiça tarda mas não falha, embora também seja falha… porque tarda.
* * *
Se há um assuntozinho que cansa de tanto falar é este. Parece até que o ser humano nasceu para o Mal. A vontade de possuir mais coisas, de ter mais dinheiro e poder, de mostrar que é o tal por meio de referências materiais externas, tem levado parte significativa da Humanidade ao desastre moral. Milhões de pessoas morrem no mundo inteiro por consequência direta da corrupção.
Corrupto é tanto aquele que corrompe (quem paga) quanto o que é corrompido (quem recebe). Um levantamento feito por um ex-ministro, publicado em um grosso livro chamado “Reinventando o Governo”, documentou que, por desperdício ou, diretamente, pela corrupção, cerca de 50 bilhões de dólares são desviados todo ano no Brasil.
Em qualquer das esferas de governo (federal, estadual ou municipal), o cupim da corrupção, a saúva da destruição ética vão consumindo os alicerces das estruturas sociopolíticas e econômicas. No cafezinho dos gabinetes, nas marmitas do lumpemproletariado do serviço público (garis, auxiliares etc.), na corretagem de um imóvel para os mortos e na safadagem da decoração para os muito “vivos”, campeia a promessa fescenina, o olho gordo, a mão imunda e moralmente exantematosa de indivíduos que querem ser dez e não passam de um, negativo.
O “jeitinho” nas (i)licitações, os “estados de emergência” sempre mal explicados, a Nota Fiscal superfaturada, a menor quantidade e qualidade em produtos e serviços, o dinheiro em espécie levado para seduzir (a)gentes do (des)serviço público, os pagamentos que incluem a comissão (que retorna, líquida e certa, para a “caixinha” da eleição ou do usufruto seguinte)… São tantos os modos sabidos e incertos de roubar…
A ORIGEM DA PALAVRA “LADRÃO” – Por, normalmente, estar próximo ao Poder, o corrupto é, na essência da palavra, um ladrão.
Antigamente, em Roma, dava-se o nome de “lateronis” aos soldados que guardavam as laterais do imperador.
Vivendo, pois, ao lado do Poder, aqueles soldados eram, portanto, pessoas de respeito — ou deveriam ser.
Ocorre que, de tanto estarem ao lado do poder, começaram a acreditar que eram o Poder.
Assim, começaram a cometer pequenos delitos, tirar coisas de pessoas, acreditando-se impunes, já que eram tão vizinhos do rei. Assim, roubar, furtar, pegar sem pagar passou a ser ato próprio de soldados do rei ou imperador, os “lateronis”.
Com o correr do tempo (e da etimologia), a palavra “lateronis” perdeu o “e” e virou “latronis”, que veio para o Português com “d” no lugar de “t”.
Assim, por fim, os “lateronis” / “latronis” transformaram-se no que verdadeiramente eram: ladrões.
Claro, já existia ladrão em Roma antes desses soldados virarem bandidos. Naquela época, duzentos anos antes de Cristo, Plauto chamava o ladrão romano de “homem de três letras”, já que ao antigo ladrão romano dava-se o nome de “fur” (de onde deriva a palavra “furtar”). Portanto, mais do que nunca, a História e a Etimologia confirmam: as pessoas encasteladas na Administração Pública que roubam o dinheiro do povo merecem, sem mais nem menos, o nome de ladrões.
É claro que, espertos como são, os ladrões (ou seja, aqueles que estão na Administração Pública e ajudam a roubar o dinheiro do contribuinte) morrem com a mão em cima da Bíblia, mas não admitem sua imoralidade gananciosa. O filósofo e escritor francês Alain (pseudônimo DE Émile-Auguste Chartier, 1868—1951) já alertava: “Fundai uma Sociedade de Pessoas Honestas: todos os ladrões farão parte dela”. Nas suas “Greguerias”, Ramón Gomez de La Serna também advertia: “O ladrão finge-se de cirurgião quando vai comprar luvas de borracha.”
A corrupção em Roma chegou a tal estágio que Salústio registrou: “Em Roma tudo está à venda” (Romae omnia venalia esse).
Era com essas palavras que os aristocratas romanos relatavam os fatos ao príncipe Jugurta. Nascido quase dois mil e cem anos depois de Salústio, o Marquês de Maricá cunhou uma de suas “Máximas” bem brasileiras, que também podiam valer para a situação romana: “Um povo corrompido não pode tolerar governo que não seja corruptor”.
São Gregório, que viveu de 540 a 604, também lamentava o poder da corrupção e a corrupção do poder. Para ele, “a corrupção do melhor é a pior das corrupções”. Com esta frase, São Gregório lembra a força quase irresistível do corruptor, que, com mil faces, jeitos e maneirismos, apresenta-se ao que se acredita puro e bom e o torna um corrompido, portanto, um corrupto, seu igual, seu irmão.
Na peça “O Mercador de Veneza”, ato 2, Shakespeare (que morreu em 1616) indaga-nos onde estariam os corrompidos se não estivessem no Poder e com riqueza, pelos atos de corrupção praticados. Eis como escreveu o grande dramaturgo dos séculos 16 e 17: “Ah, se as propriedades, títulos e cargos / não fossem fruto da corrupção! E se as altas honrarias / se adquirissem só pelo mérito de quem as detém! / Quantos, então, não estariam melhor do que estão? / Quantos, que comandam, não estariam entre os comandados?”
A corrupção é algo tão forte que, até na linguagem, ela faz valer o seu poder.
Para se ter uma ideia, a palavra “corrupção”, em Língua Portuguesa, é do século 14. Já sua adversária, a palavra “punição”, só veio no século 16, dois séculos depois.
Isso parece ser um forte símbolo do que ainda hoje se relata e retrata: a Justiça tarda mas não falha, embora também seja falha… porque tarda.
Corrupção, corrupção! Os que vão morrer te saúdam!
EDMILSON SANCHES
CURSOS – PALESTRAS – CONSULTORIA
Administração – Comunicação – Desenvolvimento – História – Literatura
ENTRE EM CONTATO: [email protected]
3 respostas
Muito bem lembrado e escrito nesse seu texto esse tema ladrão/corrupção! É a natureza humana! O instinto que prevalece é quase cem por cento esse; dar a rasteira no próximo! Tirar o tapete debaixo dos pés do próximo! Deixá-lo para trás e sem nada! Lembremos aqui também que judas escariotes foi ladrão!
Perfeito, Edmilson!
Caro Edmilson, admiro a concatenação de ideias e junção de enxertos históricos em seus textos que enriquecem e propprcionam aos leitores, a leveza da pena, aliado ao peso e profundidade nas entrelinhas.