As pessoas que são apaixonadas por livros sempre têm em algum lugar de sua casa alguma obra que deveria ter lido, mas que ainda não leu. Os novos livros adquiridos, os lançamentos, as obras recebidas e os trabalhos pesquisados com finalidade de estudo são alguns dos fatores que fazem com que aquele volume fique esperando sua vez de ser degustado pelos olhos ou mesmo declamado em voz alta para alcançar um número maior de pessoas.
Alguns livros, infelizmente, jamais serão lidos por quem os tirou de uma área comercial e os levou para fazer parte de um acervo particular. Mas, há casos em que as obras parecem saltar do meio dos demais companheiros e implorar para que sejam pelo menos folheados ou, de preferência, passar algumas horas nas mãos de alguma pessoa.
Foi em um desses momentos que meus olhos percorreram as prateleiras de uma de minhas estantes e pararam diante da lombada de um livro que eu apenas havia folheado e passado os olhos alguns trechos, mas jamais chegado às páginas finais. Título do livro: Mais lágrimas que sorrisos: sonetos, quadras – trovas. Autor: Eugenio de Freitas (sem o acento circunflexo mesmo).
Eugenio Martins de Freitas nasceu no município de Brejo no dia 15 de maio de 1921, era filho do também poeta Raul de Freitas e de dona Zita Martins de Freitas. Dono de uma sólida formação, estudou no Liceu Maranhense, no colégio Pedro II, do Rio de Janeiro e no Colégio Estadual do Ceará. Formou-se em Direito e exerceu diversos cargos como, por exemplo, advogado da Companhia Energética do Maranhão (CEMAR) e diretor-geral do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão, além de haver sido um dos fundadores do Instituto dos Advogados do Maranhão e da Academia Maranhense de Letras Jurídicas.
No âmbito literário, Eugenio de Freitas participou de diversas antologias, com destaque para os diversos volumes do “Anuário dos Poetas do Brasil” (1976, 1984, 1986, 1987) e “Poetas do Brasil” (1975). Além disso, publicou livros individuais, a saber, “Meus ais – Sonetos, quadras e trovas” (1973), “Meus sonhos em rimas” (1996) e o já citado “Mais lágrimas que sorrisos: sonetos, quadras – trovas” (1989).
Bastante técnico em suas composições, o poeta brejense demonstrava grande habilidade no uso das palavras e perfeito domínio das técnicas de versificação e de rima. Do ponto de vista temático, pendia para os textos de roupagem neorromântica em estrutura parnasiana, mas com ritmo e musicalidade que remetiam também à estética simbolista, como pode ser visto no quarteto inicial do soneto “Sensação” (pág. 97):
Quando no meu se demora
o olhar da jovem mais bela,
de dentro vem para fora
o ardor que nutro por ela.
A família, a terra natal, a natureza e o amor são alguns dos temas mais recorrentes na poesia de Eugenio de Freitas. Mas em sua poética também havia espaço para questionamentos acerca da realidade e para o sonho de dias melhores para todos, como ocorre no soneto “Ideal”, que foi o vencedor do III Concurso Nacional de Sonetos, promovido pela Casa do Poeta, em São Paulo, e que tem como chave de ouro o seguinte terceto:
Que eu trate, por igual, o rico e o pobre.
Que eu possa, enfim, se for preciso tanto,
morrer feliz por ideal tão nobre. (pág. 61)
A partir de alguns poemas de Eugenio de Freitas, o leitor pode fazer uma viagem no tempo e no espaço, (re)visitar a cidade de Brejo, conhecer alguns de seus recantos, seus costumes e vivenciar uma paisagem idílica que estava adormecida na memória do poeta, conforme pode ser visto no soneto abaixo:
Recordo minha terra pequenina:
maio em flor; as fruteiras do quintal;
madrugada encoberta de neblina;
leite mungido, morno, natural;
alguns mergulhos na água cristalina
do regato que inunda o juçaral;
os rouxinóis, os galos-de-campina,
num quadro colorido e musical…
Berço de minha infância prazenteira,
onde eu viria novamente à luz,
Mais jubiloso que da vez primeira!
É deus que um dia à gloria te conduz
para orgulho do povo que te queira,
amado Brejo dos Anapurus! (pág. 165)
Chamam atenção também as trovas elaboradas por Eugenio de Freitas. No livro ele elencou 60 (sessenta) trovas que podem tanto ser lidas na sequência, perfazendo um todo orgânico com início, meio e fim, quanto aleatoriamente, sem que os sentidos sejam perdidos. Logo no início, o poeta alerta seus leitores para o fato de que:
MAIS LÁGRIMAS QUE SORRISOS
descobres nos versos meus,
que nos momentos precisos
são inspirados por Deus (pág149)
Esses breves poemas quase sempre apresentam um tom filosófico e reflexivo: “A vida, por mais impura, /na fé se torna sadia;/a noite, por mais escura, /se acaba no nascer do dia” (pág. 150). Há espaço nessas trovas também para a defesa do ambiente e da natureza, conforme pode ser visto a seguir: “Homem – Rei da Natureza –/ não maltrates o animal, / que merece, com certeza, / teu apoio fraternal.” (pág. 151). Porém. nem todos os versos de Eugenio de Freitas remetem a elogios, há momentos em que ele utilizava seus poemas para tecer severas críticas, como na trova número 15, na qual está escrito: “Escrava da hipocrisia, / sua aparência era tal/ que ela por fim nem podia/ voltar a ser natural.” (pág. 151).
Mesmo sem se ater muito às datas comemorativas, chama a atenção a trova elaborada como homenagem ao Dia dos Namorados. Trata-se de um texto bastante plástico construído sem a presença de verbos, conforme pode ser lido abaixo:
No Dia dos Namorados,
a doze do sexto mês,
abraços muito apertados
e beijos, de quando em vez.
O poeta, que também foi combatente na Segunda Guerra Mundial e que recebeu diversas medalhas e honrarias por suas atividades profissionais e intelectuais, faleceu no dia 05 de fevereiro de 2008, aos 86 anos de idade. Embora seus livros não sejam reeditados, muitos de seus poemas são divulgados nas redes sociais por seus admiradores e ele, diversas vezes, foi homenageado em sua cidade natal, inclusive emprestando seu nome para a Biblioteca do Instituto Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IEMA) de Brejo.
É poeta que merece ser lido, relido e recitado. Mais um dos grandes talentos literários do imenso Maranhão.
2 respostas
Artigo excelente, dá-nos a conhecer um novo poeta e, claro, sua antiga e ótima poesia.
Adorei o texto. Enriquecedor, para conhecimento literário. Prof. J Neres é competente e sabe focar bem nossos autores e duas obras. Parabéns . Hortegal.