As pessoas sonham em ter as coisas mais distintas: um carro, um celular, produtos de marca, etc. Muitos sonham em ter saúde, que pra mim é o mais importante, já que sem saúde o resto pouco vale. Eu, por exemplo, sempre sonhei em ter uma biblioteca em casa, ou melhor, várias estantes nas quais pudesse ter todos os livros organizados, de modo que fosse possível encontrar rapidamente um dado título só passando os olhos pelas prateleiras.
Digital ou impresso, livro ocupa espaço, e como espaço custa caro, nem sempre é possível para uma pessoa simples – digo: assalariada, da classe trabalhadora – realizar o sonho de ter, em casa, espaço suficiente para organizar seus trecos. Pessoas adeptas do minimalismo dirão que não se deve acumular nada, nem livros, mas se eu tivesse que eliminar tudo o que considero supérfluo, asseguro que meus “papiros” não estariam na lista, porque não sei como me viraria na vida sem eles.
Simplesmente amo meus livros e tenho com eles uma relação próxima e verdadeira. Eu os leio e eles me leem de volta, a gente se cheira, se abraça, se esfrega, nunca os tratei mal e eles sempre foram super carinhosos comigo, nunca se zangam quando encho suas páginas com bobagens, sempre têm uma palavra boa para me dar. E foi exatamente por isso que passei a comprar livros, para poder rabiscar neles, já que os das bibliotecas alheias eu só podia abrir, folhear, cheirar e ler com muito cuidado, para não rasurar nem sujar nada. Com os meus próprios livros não tenho reservas, me sinto inteiramente livre! Posso deixar neles as minhas marcas, assim como eles deixam em mim as deles, por meio do que foi lido e absorvido de suas páginas.
E por falar em absorver, lembro que uma vez uma criatura anônima apareceu num dos meus blogs e deixou lá um comentário ambíguo, insinuando que eu era um tipo de esponja, que absorvia muito e nada retinha – retinha, do verbo reter, pra que fique bem claro.
Li esse comentário e fiquei me perguntando: Como uma pessoa que nem me conhece, e muito provavelmente não sabe nada a meu respeito, poderia ter tanta certeza da superficialidade das minhas leituras? Tsc, tsc, tsc… Balancei a cabeça como quem quer dizer: “Olha, Maurice, um bocó!“ e continuei postando minhas notas de leitura sem “grandes esperanças”, como diria o Dickens, só porque amo falar sobre o que leio, mesmo que seja só para mim. Isso me incentiva cada vez mais a ler e pensar sobre o que foi lido, é como se estivesse simplesmente dando continuidade a um papo infinito com o universo, um papo agradável, descontraído e sem compromisso, um papo legal!
Por espaço ser um recurso muito caro aqui na Zoropa, demorei a poder ter um lugar no nosso apertamento para organizar os livros. E como se já não bastasse a minha cota, marido e filha também têm a sua, de maneira que os meus livros se juntaram aos deles e se reproduziram mais que uma família de porquinhos da índia, a quem não se pode das as costas que nova leva de filhotes aparece no ninho.
E para acomodar tantos livros, tive a ideia de aproveitar o único espaço que ainda estava livre na casa: a parte da entrada, onde ficam sapatos, guarda-chuvas e os casacos de toda a família para o tempo frio pois, para quem não sabe, é preciso ter um espaço planejado nas casas oropeas só para esses cacarecos. Todas as paredes do salão de entrada foram cobertas por estantes (feitas por nós mesmos, sob medida), onde finalmente pudemos dar um descanso para os livros nômades, que viviam em caixas vagando pela casa.
Você que agora me lê não pode imaginar o tamanho da minha alegria no dia em que terminamos de organizar as estantes e os livros estavam arrumados e felizes em seus lugares. Foi um dia tão especial que quase caí na tentação de tirar uma foto e postar nas redes sociais, coisa que acabei não fazendo, graças ao velho Bom Senso, tio que sempre me aconselha.
De qualquer maneira, é sempre interessante observar as reações das pessoas que nos visitam pela primeira vez. “Nossa, quem lê tantos livros?!” ou “Que massa, vocês gostam de ler!“ ou “Caraca, vocês gostam de comprar livros, hein?” Para essa última eu sempre digo: “Não gostamos de comprar, gostamos de ler, e muitos desses títulos não foram comprados, foram presente, doação ou são herança.“ Para a maioria, vai a resposta básica: “Estudei Literatura, tinha que gostar de livros, né? E aqui em casa todo mundo lê, até o gato!“, e a pessoa logo me pergunta se eu já li tudo o que está ali e minha resposta é sempre a mesma: “Todos os títulos já foram usados. Uns estão aí só para consulta; outros, para leitura e releitura. E sim, há livros que eu não li ainda, mas que um dia serão lidos porque tenho uma lista que realmente anda.“, e por aí vai.
Desde que espaço se tornou um problema, passei a manter uma biblioteca digital, mas não sem receio de que um dia eu acorde e todos os livros tenham se escafedido, direto para o buraco negro dos bytes. Aí danou-se! Como dizia a minha tia: “Seguro morreu de velho, filha!“, por isso é bom ainda ter livros de papel.
Em momentos difíceis os livros sempre foram meus melhores companheiros. Assim que, por tudo de bom que me dão, merecem o meu respeito e um espaço tanto na casa como no coração, né não?
Não sei você, mas eu tenho por meus papiros carinho e gratidão enormes, exatamente por isso não me canso de escrever sobre eles. Está à toa na vida? Não fique esperando que venham lhe chamar para ver a banda passar, pegue um livro pra ler e dê a ele a chance de conversar com você. Depois volte aqui, neste site, e me conte, pois com certeza gostarei de saber. Um livro-abraço!
Uma resposta
Excelente texto, Helena. Vamos torcer para chegar o dia em que cada pessoa possa ter sua biblioteca ou pelo menos um lugarzinho onde possa desfrutar de seus momentos de leitura ao lado de seus livros preferidos.