domingo, 1 de dezembro de 2024

OBRA REUNIDA, DE ADAILTON MEDEIROS (CAXIAS 1938 – RJ, 2010)

Publicado em 19 de setembro de 2023, às 19:38
Fonte: EDMILSON SANCHES é membro da Academia Maranhense de Ciências, do Conselho Regional de Administração, do Conselho Regional de Contabilidade, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, da Academia Internacional de Literatura Brasileira (Estados Unidos), do Instituto Histórico e Geográfico e Academia de Letras de Caxias, e de Academias de Letras dos Estados do Maranhão, Pará, Espírito Santo e São Paulo.
O caxiense Adailton Medeiros, jornalista, professor universitário, teólogo e escritor, e sua Obra Reunida (Rio de Janeiro: Imprimatur, 2022. Revisão e apresentação: Edmilson Sanches). (Imagens: acervo de Edmilson Sanches/Família Medeiros)

Apresentação

Esta Obra Reunida de Adailton Medeiros (1938—2010) há muito deveria ter chegado às mãos dos leitores. E não foi por falta de esforço dos irmãos Medeiros e da Editora, que tanto fizeram para o livro estar em circulação.

Coincidentemente, sem nada premeditado, Obra Reunida sai exatamente no ano  — 2022 —  em que no Brasil se registram três datas “redondas” relacionadas a movimentos culturais, literários e poéticos aos quais, pode-se dizer, vincula-se o fazer poético-literário de Adailton Medeiros: o centenário do Modernismo (com a Semana de Arte Moderna, 1922), os 70 anos do Concretismo (com os poetas da revista Noigrandes, 1952) e os 60 anos da Poesia Práxis (com o livro Lavra Lavra, de 1962, do paulista Mário Chamie, amigo de Adailton). E entre essas efemérides, uma outra, cara à bibliografia de Adailton Medeiros: em 2022 também completam-se os 50 anos de publicação de seu primeiro livro, O Sol Fala aos Sete Reis das Leis das Aves, de 1972.

Nascido em 16 de julho de 1938 no povoado Angical, em Caxias, Maranhão, onde também surgiu literária/mente, Adailton Medeiros faleceu em 9 de fevereiro de 2010, no Rio de Janeiro (RJ). Viveu 71 anos, 6 meses e 24 dias, mais de oitenta por cento desse tempo na capital fluminense, cidade de protagonismos e coadjuvações e de convergências e dispersões de fluxos e influxos culturais, (r)evoluções artísticas e feitos literários e seus efeitos co-literais.

Mas, se habitava numa capital, Adailton, em si e em sua obra, nunca se desabitou de seu interior  —  porque não desabilitou o rememorar, não desativou o revivescer. Infância, juventude e adultidade compõem a santíssima trindade que o faz ser ele o mestre de obras que se replica nelas, suas obras de mestre.

Nesse processo, a “Princesa do Sertão” (Caxias) se une à “Cidade Maravilhosa”, com a geografia literária adailtoniana, com seu próprio tópos, mostrando que o Riacho Praquê deságua no Rio de Janeiro. O Praquê, riacho onde diziam ter ouro enterrado, era lindo e o caminho para ele, limpo. Caminho de árvores, flores. Caminho de pedras. (E me vem à memória “Caminho de pedra”, música de Tom Jobim e Vinicius de Morais, gravada em 1958 por Elizeth Cardoso: “Velho caminho por onde passou / O meu carinho chamando por mim, ô, ô / Caminho perdido na serra / Caminho de pedra / Onde não vai ninguém / Só sei que hoje tenho em mim / Um caminho de pedra / No peito também”.

Escrevendo sobre o homem Foi no povoado Angical, nas proximidades do Riacho Praquê, em Caxias, que Adailton Medeiros expatriou-se do ventre máter, depois de evoluir de “espermatozoide feio e raquítico” (1), com cauda, para um “lagarto sem rabo” (2). Nasceu numa “casa de palha” (3), onde havia quintal com “folhas das trepadeiras que se escancham na cerca” (4). Nasceu sobre um “jirau, […] nobre catre” (5), numa “bela manhã” (6) daquele sábado, 16 de julho de 1938. (Neste mesmo dia e mês, cinquenta anos depois, apesar dos pesares e pensares, da vida ascética, anacorética, à inflexão para a lida literária, poética, Adailton, “criança cinquentenária” (7), reconhecia: “— como deve ser bom / nascer crescer envelhecer e morrer” (8).

Adailton foi o primeiro de dez irmãos, filhos do casal maranhense Dª Raimunda Borges de Lemos e Sr. Nadir Medeiros, proprietário de uma terra onde marido e mulher trabalhavam e de onde tiravam o sustento e tocavam a existência. Sobre o irmão, Maria Hilma, professora, escreveu: “Adailton Medeiros  —  ‘Dudu’, como era chamado pela família –, um grande exemplo de dedicação e bondade, o esteio da família na formação de seus irmãos no Rio de Janeiro. // Foi Irmão Cirilo Alexandrino no Mosteiro de São Bento por 4 anos, no Rio de Janeiro. Renunciou à vida religiosa para dedicar-se à vida de escritor, pois seu maior objetivo era deixar seu nome nas páginas dos livros, ser imortal. // Como irmã caçula, minha dedicação ao meu inesquecível ‘Dudu’: Um sonho que se foi  —  a vida. / O silêncio calou sua voz  —  a morte. / Um cérebro que não morre  —  a Sabedoria. / A saudade que fica para sempre  —  o adeus” (9).

Mas antes de sair do Angical para a cidade grande, Adailton foi para uma grande cidade  — a dele, Caxias, terra e rima de Gonçalves Dias, de Teófilo Dias e de Celso Menezes, precursores, respectivamente, do Indianismo e do Parnasianismo na poesia e do Modernismo nas Artes Plásticas brasileiras; terra de Coelho Netto, indicado ao Prêmio Nobel de Literatura, introdutor do cinema seriado no Brasil, o escritor mais lido do Brasil e Portugal em sua época; terra de Ubirajara Fidalgo, criador do Teatro Profissional do Negro no país; de Liene de Jesus Teixeira, engenheira agrônoma e doutora em Botânica, primeira mulher a se formar em Agronomia na Universidade Federal de Viçosa (MG); de Raimundo Teixeira Mendes, criador da Bandeira do Brasil, redator de leis que, pioneiramente, no Brasil, levaram à separação Estado/Igreja, à proteção do doente mental e da mulher e do menor trabalhadores; terra de João Mendes de Almeida, que em São Paulo foi advogado e jurista, jornalista, presidente da Assembleia e principal redator da Lei do Ventre Livre; Aderson Ferro, pioneiro da Odontologia no Brasil e primeiro brasileiro a escrever e publicar livro sobre essa especialidade paramédica; e de tantos outros caxienses que, mercê de seus talentos, coragem e trabalho, legaram ontem um Brasil melhor hoje.

Com a família, Adailton mudou-se do Angical e foi para a zona urbana de Caxias, para o bairro Cangalheiro, Rua do Fio (10) — que, nos anos 1950, antes de ser a via por onde também passava a fiação do telégrafo (daí o nome), era chamada de Rua dos Velhacos, denominação que Adailton recupera e data em poema onde acopla uma cópula entre flor e folha, pendão e concha de plantas quiçá hermafroditas do novurbano quintal (11). A literatura adailtoniana rima  — inclusive em versos brancos — poesia com (auto)biografia. Nada de egocentrismo, mas, sim, muito humanismo.

No mundo citadino caxiense, novas situações e emoções, peripécias e personagens se foram adentrando na vida e no imaginário de Adailton. A família mudou-se para a Rua do Cotovelo, onde a casa até hoje é dos Medeiros. Entre os personagens (de)cantados em poemas, o “grande” Ilário da Costa Veloso, o Seu Ilário, da Rua do Angelim, homem peiudo, de genitália acavalada, motivo de gozação da meninada e de gozo da mulherada (segundo Adailton alinhavou em trinta e quatro versos igualmente… desmedidos…[12]). O velho Ilário se inscreveria na memória menina e na poesia madura de Adailton Medeiros, espaços onde já pulsava, por exemplo, o cantador e rabequista Zé Baú (13), preto velho do povoado caxiense de mesmo nome  — Baú –, amigo da família Medeiros. Zé Baú cantava bem, “tirava” Reis, isto é, executava música, canto ou oração no Dia de Reis, que a tradição cristã “calendarizou” como 6 de janeiro. Maria Hilma (re)lembra uma quadra do reisado: “Senhora dona de casa, / saia à porta da rua, / venha ver o Santo Reis, / que vem à procura tua”.

No início da adolescência, aos 13 anos de idade, o talentoso Adailton, aluno do Ginásio Caxiense, por seu desempenho nos estudos (1º lugar), ganha bolsa do Governo do Maranhão (à época, administrado por Eugênio Barros, nascido politicamente em Caxias, onde foi prefeito). O garoto vai para o Rio de Janeiro, matricula-se no famoso Colégio Pedro II e, motivado e preparado, volta a cursar o restante do hoje Ensino Fundamental.

Mas, como se diz pelos desvãos da hinterlândia brasileira, às vezes, quando Deus dá com uma das mãos, o Capeta vem e sorrateiramente tira com a outra… Eis que o garoto Adailton é contagiado por um vírus e desenvolve parotidite, que não é outra senão a caxumba, a papeira. Fica 15 dias fora das aulas. A doença passa, Adailton volta para a escola, a doença passa… para o outro lado  —  porque, em pobre lutador, desgraça pouca é bobagem. Mais 15 dias sem ir ao colégio. Total: um mês  —  e o rigoroso e quase bicentenário estabelecimento de ensino federal não teve misericórdia com quem tanto merecera estar matriculado nele… O menino Adailton voltou para a terra natal. Perde um ano. Reinicia outra vez os estudos. Torna-se líder e referência estudantil em Caxias. Vai crescendo e se desenvolvendo. Na Escola Técnica de Comércio, criada pelo amigo Monsenhor Clóvis Vidigal (falecido), presidiu o grêmio e, com a irmã Adailma, formou-se em Contabilidade. Estreia literariamente em jornal (o Cidade de Caxias), onde tinha seu nome no expediente. Assim nascia em letra de fôrma o jornalista e literato que anos mais tarde, em 1961, de volta ao Rio de Janeiro, trabalharia em Contabilidade com a irmã Adailma e depois sairia desse mundo de números para voltar-se para o universo das Letras, formando-se na última turma de Jornalismo (Comunicação Social) da antiga Universidade do Brasil, depois Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, onde também fez mestrado em Literatura. Como se diz, Deus escreve certo até por linhas incertas.

O retorno de Adailton ao Rio, sabe-se, é protagonizada pela irmã Adailma, que, tendo se mudado para a Cidade Maravilhosa, para lá levou de volta o primeiro irmão. Mais velha das irmãs, Adailma fora para o Rio trabalhar (inicialmente, com Contabilidade, numa editora e nos Correios), ser professora e fazer novos estudos. Formou-se em Administração e em Direito, tornou-se advogada e aposentou-se em cargo de destaque na área jurídica de uma das Forças Armadas do Brasil. Adailma é personagem e referência em poesias do irmão; leia-se, por exemplo, em “No divã amarelo”, poema do livro Lição do Mundo: “Ah – minha irmã (a que se encontra mais próximo) me liga / sempre e assim relemos antigos palimpsestos – Ocorre que / (apesar das nossas variáveis psíquicas) somos unidos e mais: / depositários e cúmplices de alguns segredos de família / […]”. No poema “O casmurro”, no livro Bandeira Vermelha, o Poeta lembra-se da irmã quando conta/canta sobre Zé Aleixo, homem caboclo vindo de Loreto (MA), onde protagonizara um terrível drama familiar, e que era “pau pra toda obra”, de semear grãos a enterrar defuntos: “Mana – a minha irmã Adailma / – ele [Zé Aleixo] a chamava com saudade / da sua pobre menina morta / O velho Zé-Aleixo era casmurro: / “homem calado e metido consigo”. Em muitos textos, nos diversos livros, em títulos, citações e dedicatórias, Adailton traz para perto de si a família  — pais, irmãos, sobrinhos e outros, ascendentes, colaterais e descendentes.

De 1990 a 1994 Adailton Medeiros viveu no multissecular Mosteiro de São Bento, localizado no morro de mesmo nome, no Rio de Janeiro. Ali era o Irmão Cirilo Alexandrino  — certamente uma referência ao grego Cirilo, grande nome da Igreja, o Patriarca de Alexandria, que viveu nos séculos 4 e 5 e foi homem de elevada erudição e grande fecundidade na produção escrita.

Entretanto, o espírito beneditino do Verbo parecia menos intenso que o espírito bendito das Letras. Aquele exigia desapego, abandono, rejeição; estas, serviam (para) busca, encontro, subversão. Onde o espírito beneditino do Verbo impõe renúncia e cala, o espírito bendito das Letras põe denúncia e fala. Em um caso o escritor é interdito; no outro, é internúncio.

E Adailton queria voltar a se dedicar à vida de escritor… Desde o início da carreira literária a até seu período monástico, já escrevera oito obras e publicara sete: Oculto Piano (a primeira obra; inédita); O Sol Fala aos Sete Reis das Leis das Aves (1972); Cristóvão Cristo : Imitações (1976); Revoltoso Ribamar Palmeira (1978); Braçada de Palmas (1981); Poema Ser Poética e Mais Oito Pré-textos (1981); Floração de Minas (1982); e Lição do Mundo, que saiu em 1992, no meio do período da vivência monacal. Toda esse vigor literário, toda essa força literal trouxeram um bilhete azul para o monge beneditino e uma Bandeira Vermelha para o escritor bendito. Adailton saiu do mosteiro secular para continuar testamenteiro do século. E voltou a publicar.

Com duas edições em 2001, a primeira com o título As Mulheres & As Coisas (cuja edição, do Governo do Rio de Janeiro, Adailton classificou como de “péssima qualidade” [14]), o livro Bandeira Vermelha é, na primeira parte, uma tertúlia, um agrupamento de familiares, amigos e personalidades de A de Adélia a Z de Zuleide. Em outros livros (por exemplo, CristóVÃO Cristo : Imitações), seja com poemas, em epígrafes ou dedicatórias, Adailton também exibe uma saudável destimidez ao tornar público seu apreço e carinho em relação àqueles que lhe são cara referência e para os nomes a quem dispensa rara reverência.

Sobre o homem que escreve A obra de Adailton Medeiros junta-se às tantas obras dos tantos autores a merecerem estudo mais acurado. Aspectos literários e linguísticos, históricos e geográficos, políticos e sociais, pessoais e que tais, entre outros, ululam e pululam, passam e perpassam nos/pelos textos adailtonianos. Um exemplo de pessoalidade, entre tantos, lê-se em “Objeto torturante”, do livro Lição do Mundo:

“Quando eu era menino desejava ter

– algum dia – um relógio de parede

pra bater como um sino de hora em hora

(bam bam bam) contando o tempo

Mais tarde percebi que esse objeto torturante

não consegue contar o tempo que é unitário

agorúnico

Ele vai contando – isto sim – nossos passos

para a morte”

A gênese desses versos vem, como dito no poema, do tempo do Adailton menino, que, ao visitar residências de pessoas “de condições”, via dentro delas o relógio, o que fazia germinar nele a vontade de ter um objeto igual em parede de sua casa.

Os aspectos pessoais  — como os já referidos aqui – compreendem desde as mais ancestrais lembranças da infância na zona rural, as referências à primeira professora, Rosa Martins (“Recordações” e “Minha Mestra”, por exemplo, em Oculto Piano), às mais comuns ou improváveis ocorrências da maturidade na urbanizada metrópole carioca.

Desencoberto pela irmã Adailma no Rio de Janeiro, pós-morte do Autor, Oculto Piano era o primeiro livro que Adailton Medeiros pretendia publicar; fora escrito em Caxias, concluído provavelmente em 1958/1959, quando o Autor, com pouco mais de 20 anos, trabalhava na prefeitura local. Mas, pelas razões que nossa desrazão sequer atina, os originais  — bem organizados, como organizado era o Autor (15) –  foram ficando… ficaram esperando. Até familiares próximos desconheciam a existência desse Piano realmente, sem fazer blague, oculto. Adailton, os irmãos reconhecem, era de “temperamento fechado” em relação a certos assuntos (e quem não?).

A pretendida obra inaugural (Oculto Piano), quando se lê nela logo se vê: o Poeta (diletantemente?) se desafia, ousa, experimenta e experiencia — comete um soneto assonante hexassílabo em “A”, isto é, com todas as 40 palavras iniciadas por essa letra, da monossilábica interjeição “ah!” ao polissilábico adjetivo “arcangenal” (16).

As referências a Caxias e ao Maranhão, ao tempo passado e às lembranças presentes, sejam lugares, pessoas, fatos, reflexões etc., iniciam-se com esse livro e, como um cambo ou fieira, vão elas transpassar praticamente toda a obra adailtoniana. Um trabalho de Onomasiologia, Onomatologia ou Onomástica e um Glossário, para esse e para todos os livros, poderiam destacar, explicitar e enriquecer mais ainda os termos ou expressões que, em muitos casos, jazem ou subjazem apenas como nomes próprios ou vocábulos ou acepções regionais ou unidades lexicais destinadas a “iniciados”.

Em 1972, logo no primeiro mês, como se abrindo as homenagens pelos dez anos da Poesia Práxis (17), Adailton Medeiros publica O Sol Fala aos Sete Reis das Leis das Aves, dedicado aos pais, Dª Raimunda e Sr. Nadir. Adailton parece estar à vontade: inicia o livro com um poema (“Concubinato dele & dela”) formado de oito estrofes (sete septilhas e uma oitava), somando 57 versos eneassílabos perfeitamente metrificados (observadas as sinalefas próprias). Em seguida, adentra a obra com a variada configuração multicênica e polissêmica que o Modernismo, em especial a Poesia Práxis, adota ou rejeita, em termos de forma e conteúdo. Nesse encontro de contrários (tradição da escansão X introdução da inovação), o leitor vê e revê aliterações (como “jorro brotado no brejo do busto”); neologismos (“agorúnico”, “brasilindo”, “senxual”, “sisifuriosamente”, “textória” etc.); internetês, ou a linguagem abreviada da Internet (como o “q” [que] no verso “ante boca q engole […]” (18); e um caudal de paronomásias (“de porto e parto”, “nave de neva de limo e lume”, “de sinos cimos”, “das misérias eternas / e ternas do tempo”, “tu âmago […] / ou ômega […]”, “barro berro”,  “porto perto”, “plano / salão / pleno”, “asfalto bom creme / assalto com crime”, “terra torre”, “Aída // a ida”, “pela pele / velar levar”, “prolíferas  —  proles e feras […]”, “meninos sem rugas nem rusgas”, “poeta  —  o poema independe de formas / de firmas […]”).

Em 1976 Adailton Medeiros publica no Maranhão (São Luís) seu terceiro livro: CristóVÃO Cristo : Imitações. À contenção formal da primeira parte, com 60 poemas de estrofe única com cinco versos (quintilhas), o Autor ajuntou sete “pré-textos”, com as características da Poesia Práxis, oferecidos para quatro grandes nomes da Literatura brasílica  — Cassiano Ricardo, João Guimarães Rosa, Mário Chamie e Mário de Andrade –, além de um para o pai, outro para a mãe e o último para o filho (ele mesmo). É claro que, sendo um dos principais nomes da Práxis no Brasil, o caxiense diversificou na forma e, no conteúdo, referenciou e referendou obras daquele fantástico quarteto literário, “praxizando” os textos com a disposição das palavras e/ou versos, o aproveitamento, realce ou exploração das possibilidades visuais e semânticas dos vocábulos e linhas, a construção de neologismos e a desconstrução de termos etc.

O ano de 1978 marca a estreia de Adailton Medeiros em prosa de médio (per)curso, uma novela, um pequeno romance  —  que o Autor, em curta nota prévia, antecipa ser texto mal estruturado (“narrativas descosidas, flácidas”), com língua sem maior coesão (“não muito consistente”) e linguagem claudicante (“amparada por muletas quebradiças”). Essa advertência preambular parece exagerada e, sempre ali presente, parece cilício cingido à vista ao corpo da obra, sujeitando-a ao voluntário sacrifício de uma imprópria, indevida (des)consideração. É assim que Adailton Medeiros “apresenta” Revoltoso Ribamar Palmeira, obra de “maranhensidade”, indicada para os que sabem e para os que querem saber de alguns recortes acerca de coisas e causas, de conflitos e conflagrações e peculiares contornos de características históricas, político-sociais e regionais do estado. É um ótimo livro, gostoso de ler, com o Maranhão presente na linguagem e nos ambientes e com boas “surpresas” linguísticas/literárias, como  rimas internas e aliterações (“sangue de lama, de limo e lodo”, “cachorros bebem, bala berrando, metralha malha”) e assonâncias (“um véu de urubus escurece teu tempo”  — neste caso, o som /u/ presente em todas as palavras, exceto a preposição).

Em 1982 Adailton Medeiros torna público um “corpo estranho”, como foi classificado em texto prefacial (19). Trata-se do livro Poema Ser Poética e Mais Oito Pré-textos. A “estranheza” da obra é que se trata de uma dissertação de mestrado apresentada em… versos  —  o que era inusual naqueles idos e, creio, ainda hoje incomum. O Autor explica que o trabalho acadêmico recebeu o conceito “excelente”, com o que conquistou o título de mestre em Ciência da Literatura. Poema Ser Poético apresenta-se sem os penduricalhos (“detalhes”) metodológicos da dissertação, mas “compensa” com os “pré-textos” incluídos no título, oito poemas “praxísticos”, seis deles já constantes de livros anteriores e dois em homenagem ao baiano Adonias Filho e ao maranhense Josué Montello. Em Poema Ser Poética, o Autor exclama e, didático e incisivo, ensina:

“[…]

dura porém verdadeira distinção

aclaradora: artista versus ho-

mem comum. Pois no primeiro a

imaginação é produtiva ao passo

que reprodutiva no segundo no

homem comum: na gente domada.”

Uma década depois, em 1992, Adailton Medeiros tem lançado seu livro Lição do Mundo, obra demarcadora na vida do Autor — que, em um de nossos raros encontros em Caxias, em maio de 1998, pessoalmente ma ofereceu, com singela dedicatória: “Para o Escritor e Acadêmico Edmilson Sanches, caxiense de sempre, com a admiração, estima e o abraço do Confrade e Conterrâneo Adailton”).

Lição do Mundo, dedicado a Honorato Medeiros, avô paterno (portanto, homem de muitas “lições do mundo”), reúne poemas do período de 1978 a 1990, este exatamente o ano de ingresso de Adailton na ordem beneditina. O próprio Poeta caracteriza essa obra como linha divisória de sua biografia. Ele escreve sobre o livro, em pequena nota antes do primeiro poema: “[…] encontrarás nele [no livro] as alegrias e as tristezas de um viver que se finda, e os gestos iniciais de um novo existir, pleno em busca da Justiça e da Graça”. Parece que o Poeta estava se despedindo, ou, como aqui e acolá se diz acerca dos que optam pela vida religiosa de renúncias e clausura, parece que estava “morrendo” para a existência secular e “renascendo” para a essência espiritual. Lição do Mundo é quase uma autobiografia, repleto de autorreferências, de lembranças da infância, de tempos idos e vividos na terra natal. Tem até poemas com a data completa de nascimento e de aniversário de Adailton Medeiros, além de referências a seu cinquentenário (20), sua solidão, a religião/espiritualidade, a política, as citações citadinas, a sensualidade e o erotismo, a metapoesia, a Poesia Práxis, personagens e personalidades, as dedicatórias para familiares, amigos e colegas escritores dali e d’além Mar/anhão. E a exclamação visceral: “ – Caxias! / — Caxias! / — Caxias! / — ó Pátria […]” (21).

Esta particular heptalogia  — Obra Reunida – de Adailton Medeiros se encerra em 2001 com Bandeira Vermelha, redenominação e reedição revista e aumentada do livro As Mulheres & As Coisas, lançado no mesmo ano. Na nova edição, o Poeta manteve “as coisas” no lugar e ampliou com mais dois poemas a seleta de mulheres, todas homenageadas com o nome como título do respectivo poema. Na segunda parte (“Sentido de Coisas”), o Autor traz de volta mais memórias de criança e escreve sobre o povoado caxiense onde nasceu  — Angical: “[…] as terras de meu avô / são apenas / palavras vazias / mapas rasgados / lugares mortos […]” (22). Pareceu-me ouvir semelhante – e anterior —  lamento de Carlos Drummond de Andrade: “Alguns anos vivi em Itabira. / Principalmente nasci em Itabira. / […] / Tive ouro, tive gado, tive fazendas. / Hoje sou funcionário público. / Itabira é apenas uma fotografia na parede. / Mas como dói!” (“Confidência do itabirano”, in Sentimento do Mundo, 1940)

Vanguarda poética – Adailton Medeiros é referência na vanguarda poética brasileira. Tem seu nome como verbete em enciclopédia e texto seu como exemplo em antologia  —  e aqui se tratam de obras de referência e excelência como a Enciclopédia  de Literatura Brasileira (2001), dos respeitados Afrânio Coutinho e José Galante de Sousa, edição conjunta da Biblioteca Nacional e Academia Brasileira de Letras, e a igualmente (re)conhecida Antologia dos Poetas Brasileiros: Fase Moderna (volume 2, 1967), organizada por uma dupla de peso da grande Literatura Brasileira: o pernambucano Manuel Bandeira e o gaúcho Walmir Ayala.

Os livros de Adailton Medeiros mereceram a apreciação escrita de nomes entre os maiores e melhores da literatura, no Brasil e além  — professores, escritores e críticos, conhecidos na Academia e reconhecidos no País e no Exterior. Entre estes nomes, Affonso Romano de Sant’Anna, mestre e doutor em Literatura, poeta, professor universitário e crítico literário mineiro; Afrânio Coutinho (1911—2000), bacharel em Medicina e doutor em Letras, professor de Literatura, ensaísta e crítico literário baiano; Antonio Olinto (1919—2009), contista, dicionarista, ensaísta, historiador da Literatura, novelista, poeta e romancista mineiro; Assis Brasil (1929—2021), crítico literário, cronista, ensaísta, jornalista e romancista piauiense; Carlos Drummond de Andrade (1902—1987), poeta, contista, cronista e farmacêutico mineiro; Cassiano Ricardo (1894—1974), jornalista, ensaísta e poeta paulista; Cunha e Silva Filho, piauiense, doutor em Letras e pós-doutor em Literatura, professor, crítico literário, escritor, amigo e biógrafo de Adailton Medeiros; Fausto Cunha (1924—2004), crítico literário, biógrafo, contista, novelista e romancista pernambucano; Foed Castro Chamma (1927—2010), ensaísta, poeta e tradutor paranaense; Francisco Venceslau dos Santos, doutor em Literatura, escritor, crítico literário, ensaísta, professor (Universidades estadual e federal do Rio de Janeiro), membro da Academia Brasileira de Filologia; Laís Corrêa de Araújo Ávila (1928—2006), bacharel em Línguas Neolatinas, poeta, editora literária e ensaísta mineira; Leodegário A. de Azevedo Filho (1927—2011), professor titular e emérito das Universidades estadual e federal do Rio de Janeiro, ensaísta e filólogo pernambucano; Luciana Stegagno Picchio (1920—2008), filóloga, historiadora da cultura e crítica literária italiana, especialista em Literatura Brasileira, entre outras áreas, com mais de 500 publicações sobre as literaturas e culturas de língua portuguesa, considerada a mais importante pessoa da Europa em estudos luso-brasileiros; Mário Chamie (1933-2011), fundador da Poesia Práxis, doutor em Literatura, poeta e crítico paulista; Nauro Machado (1935—2015), escritor maranhense, de reconhecimento nacional e internacional; Nelly Novaes Coelho (1922—2017), professora, crítica literária, ensaísta e pianista paulista; Sílvio Castro, escritor fluminense (poeta, romancista, ensaísta e crítico literário), graduado em Filosofia, doutor em Letras, livre-docente e professor de Literatura Brasileira na Universidade de Pádua, Itália; Telênia Hill, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-doutora em Letras, escritora e crítica literária.

Especificamente quando se fala sobre Praxismo/Poesia Práxis, o nome de Adailton Medeiros logo aparece ali entre os primeiros, com Mário Chamie. Trabalhos vários confirmam essa importância histórico-literária do poeta caxiense, inda que só em 1965 ele tenha aderido à Práxis, iniciada, como dito, em 1962, um ano depois do retorno definitivo de Adailton para o Rio). Alguns registros:

— o texto “Decisão – Poemas Dialéticos”, de Assis Brasil, publicado no número 15 da Revista de Letras (Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 1993) historia: “E temos, enfim, a linhagem dos poetas construtivistas, reunindo-se aqui as Vanguardas: Concretismo, Praxismo, Processo, em destaque Augusto e Haroldo de Campos, Wlademir Dias Pino e, a esta altura, os menos ortodoxos Mauro Gama, Armando Freitas Filho, Adailton Medeiros”. O texto é sobre o livro de mesmo nome (Decisão – Poemas Dialéticos, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983; 2ª edição em 1985), de Pedro Lyra (1945—2017), professor, poeta, ensaísta e crítico cearense);

— Nielson Ribeiro Modro, em sua dissertação A Obra Poética de Arnaldo Antunes (Universidade Federal do Paraná, 1996), relaciona: “Mário Chamie foi não apenas o criador da poesia Práxis como também o principal poeta desta manifestação literária. Entretanto, podem ser citados ainda Cassiano Ricardo, Armando Freitas Filho, Adailton Medeiros, Camargo Meyer, Antônio Carlos Cabral, Mauro Gama, Ione Gianetti e mesmo Chico Buarque de Holanda que, em composições como ‘Construção’, utilizou o ‘espaço em preto’”. Nielson Modro é professor universitário em Joinville (SC), com mestrado em Literatura, Ciências Jurídicas e Direito;

— o artigo “Uma Odisseia no Centro Histórico de São Luís”, de Dinacy Mendonça Corrêa, publicado na Revista Garrafa, nº 22 (setembro/dezembro 2010), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, historiografa: “Os anos [19]70/80, aqui (no Maranhão) convencionados Geração Luís Augusto Cassas, abrem-se com o poeta Jorge Nascimento (1931), continuando com Arlete Nogueira (1936), Eloy Coelho Neto (1924), Cunha Santos Filho (1952), João Alexandre Júnior (1948), Chagas Val (1943), Francisco Tribuzi (1953), Alex Brasil (1954), Adailton Medeiros (1938)… Este último, tendo participação confirmada na vanguarda Práxis, no eixo Rio/São Paulo, sob a liderança de Mário Chamie”. Dinacy Corrêa é mestre e doutora em Letras e professora da Universidade Estadual do Maranhão;

— em texto inominado, publicado em blog na Internet (23), Francisco Miguel de Moura escreve sobre o poeta pernambucano Jamerson Moreira de Lemos e a certa altura destaca: “[Jamerson Lemos] Deixou muitos inéditos, entre os quais “Istmo Soledad”, ao qual dei um prefácio já publicado aqui e alhures, situando sua poesia e seu fazer poético entre os melhores cultores da poesia-práxis, uma corrente derivada do concretismo, cujos poetas brasileiros mais conhecidos são Mário Chamie, Armando Freitas Filho, Mauro Gama e Adailton Medeiros (este natural de Caxias – MA)”. Francisco Miguel de Moura é crítico e cronista, poeta e romancista, membro da Academia Piauiense de Letras;

— o livro Música Popular e Moderna Poesia Brasileira (São Paulo: Nova Alexandria, 2013), de Affonso Romano de Sant’Anna registra sobre a Poesia Práxis, nesta ordem: “Poetas: Mário Chamie, Armando Freitas Filho, Mauro Gama, Adailton Medeiros, Ione Gianetti, Camargo Meyer, O. C. Lousada Filho, Antônio Carlos Cabral, Cassiano Ricardo e o crítico José Guilherme Merquior”;

— e, mais recentemente, o livro Pedro Geraldo Escosteguy: A Poética que Ultrapassa Fronteiras (Porto Alegre: ediPUCRS, 2021), de Soraya Patrícia Rossi Bragança, que anota: “Participam do movimento Práxis, além de Mário Chamie, os poetas Armando Freitas Filho, Mauro Gama, Adailton Medeiros, […]”. Soraya Patrícia é graduada em Letras e em Ciências Jurídicas e Sociais e mestre e doutora em Linguística e Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Adailton Medeiros foi membro de diversas instituições: Academia Brasileira de Literatura, Academia de Letras do Estado do Rio de Janeiro, Academia Internacional de Ciências Humanísticas (Uruguaiana – RS), Academia Uruguaianense de Letras (Uruguaiana), Associação Brasileira de Imprensa, Instituto Histórico e Geográfico de Uruguaiana, International Writers and Artists Association (Toledo, Ohio, Estados Unidos), Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro e Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro. É claro, Adailton era membro efetivo da Academia Caxiense de Letras (ACL), em sua terra natal. Éramos confrades na ACL  — e lembro-me das boas conversas nas poucas vezes em que nos encontramos. Saíamos da Academia rumo ao tradicional Excelsior Hotel, onde sentávamos a uma das mesas postas na larga calçada.

Notas editoriais I) Nesta Obra Reunida promoveu-se atualização ortográfica mas, em respeito ao próprio processo do fazer poético na Poesia Práxis, preservou-se o uso do hífen do jeito que o Autor originalmente grafou — por aglutinação ou contração ou justaposição — diversas palavras compostas, inclusive antropônimos e neologismos. Evidentemente, em raríssimos casos, quando o texto e seu contexto não davam pretexto para uma hifenização “artística”, justificada pelo processo criador e criativo e pela liberdade poético-literária, decidiu-se, na forma das Bases XV, XVI e XVII do Acordo Ortográfico de 1990, pela atualização ortográfica da palavra até então composta  —  como é o caso, por exemplo, de “sub-povo”, tornada “subpovo”, a exemplo de “subpor”, “subprefeito”, “subproduto”.

II) Por outro lado, note-se e anote-se a eliminação do hífen como um recurso da Práxis de Adailton Medeiros: “ajudarme”, “sonharte”, “apertarme”, “descobrirme”, “roemte”, “consolate”.

III) Havia também duplo modo de grafar palavras e expressões estrangeiras, ora utilizando-se a tipologia normal, ora aplicando-se itálico, este que se preferiu, igualmente respeitada a permanência em normal para casos de nomes próprios e em situações que a razão do Autor preferiu não grifar.

IV) Os títulos de poemas, de livros e publicações periódicas também acomodavam grafias distintas, embora a tendência de o Autor ser majoritariamente pelo uso da grafia em caixa alta (para títulos de poemas) e, na forma da Base XIX, 1º, “c”, do Acordo Ortográfico, com maiúscula inicial no primeiro e nos demais vocábulos, à exceção de alguns elementos específicos, como preposições, conjunções etc., desde que no interior do bibliônimo, título ou intitulativo.

*

Contam os irmãos Adailma, Amaury e Maria Hilma  —  e o confirma Cunha e Silva Filho (24), amigo: era desejo recorrente de Adailton Medeiros reunir seus livros em volume único. Foi feita sua vontade.

No futuro, estou torcendo, a produção de Adailton Medeiros ganhará sua “Obra Completa”, com fixação de textos e com:

1) elementos pré-textuais – textos laudatícios de irmãos e outros familiares, apresentação, introdução, nota editorial, perfil biográfico, cronologia / linha do tempo;

2) elementos textuais – a) todas as dez obras publicadas — as sete aqui reunidas mais os discursos Braçadas de Palmas (de 1981) e Floração de Minas (1982) e os “Quatro Ensaios” (1985); b) os textos esparsos (poesia e prosa de antologias e outras obras coletivas, de revistas, jornais e outras publicações); c) os textos inéditos (manuscritos, datilografados, digitados e, havendo, os textos gravados em áudio e/ou áudio e vídeo); d) as entrevistas; e) a correspondência expedida (ativa) e recebida (passiva); e

3) elementos pós-textuais – a) comentários e textos críticos e acadêmicos (fortuna crítica) sobre o Autor e sua obra; b) dedicatórias para Adailton Medeiros; c) iconografia (fotografias, documentos, imagens de objetos e outros itens); d) Imprensa / Internet (clipping: recortes – de jornais, revistas e outras publicações, impressos; print screen de textos e imagens em portais, sites, blogs e outros espaços da rede mundial de computadores e grupos sociais em telefones celulares); e) glossário (lista de palavras específicas da obra de Adailton Medeiros  —  termos regionais, neologismos, palavras menos usuais etc., para maior compreensão do universo literário e pessoal do Autor); f) referências (relação de livros, revistas, jornais etc. consultados; arquivos particulares, públicos e institucionais visitados e utilizados); e g) índices cronológico, onomástico-enciclopédico e geral do volume.

Portanto, acima, nesta Apresentação, e mais adiante, nas obras reunidas, está o que, por enquanto, se deseja e o que, por enquanto, se oferece em termos da produção literária de Adailton Medeiros. Acerca dele, duas constatações finais, fraternas e eternas:

— do Adailton ser humano ficam nos irmãos as recordações do germano mais velho, que, como se fosse obrigação de primogênito, como se fosse dever de pairmão, acolheu, estimulou e protegeu os demais o quanto pôde. São lembranças fra/ternas;

— e do Adailton intelectual, acadêmico, escritor, poeta, novelista, ensaísta, orador, professor (breve período nas Universidades Gama Filho, privada, e Federal do Rio de Janeiro) fica uma obra farta, forte, fértil, em livros autorais e antologias (inclusive no  Exterior) e textos em publicações dispersas em revistas e jornais e mesmo inéditos  —  toda uma rica obra carregada de intensidade, técnica, criatividade, ousadia, emoção e muita referência e reverência à terra natal: a cidade de Caxias e sua caxiensidade. Lembranças e/ternas.

E falando em “caxiensidade”:

Angical, onde nasceu Adailton Medeiros… Boa Vista, onde nasceu Gonçalves Dias… Canabrava, onde nasceu Salgado Maranhão, amigo e, talqualmente Adailton, residente no Rio… Na História e na Geografia de Caxias, esse lugares – Angical, Boa Vista e Canabrava, todos na zona rural, ou ontem ou ainda hoje —  coincidentemente formam um ABC simbólico da Grande Poesia brasileira, maranhense e caxiense que está varando séculos, por sua qualidade e identidade. Esse imprevisto ABC diz-nos que talento, Poesia, Literatura, Cultura são tanto necess/cidade capital quanto revel/ação interior. Nesse diapasão, estendo ao que já escrevi e indaguei: “[…] haveria no solo caxiense, no seu ar, na água, no ambiente, alguma etérea substância, uma intangível matéria, um invisível elemento ou uma especial propriedade que, por razões que a razão desconhece, se introduzisse, se infiltrasse em um ser e nele se impregnasse, hibernasse e homeopaticamente liberasse um poder, uma energia ou uma força que estimulasse a pessoa a esculpir caráter, a ter comportamentos e fazer brotar talentos e trabalhos diferenciados em relação ao comum da população? Enfim, pode a terra em que se nasce ter ou conter algo que influencie positivamente a inteligência e o desempenho de um filho dela? // A resposta parece ser sim. / […] // Há quem defenda a influência direta dos fatores geográficos e climáticos na formação de pessoas e sociedades” (25).

*

As cinzas do corpo de Adailton Medeiros estão depositadas no Mosteiro de São Bento, na cripta de Nossa Senhora do Pilar (título espanhol e o mais antigo da Virgem Maria; outro título é Nossa Senhora do Carmo, cuja data litúrgica, 16 de julho, é o dia em que nasceu Adailton Medeiros. Não se sabe de um santo de devoção de Adailton, mas ele era um grande admirador de Santo Agostinho [354—430], o bispo de Hipona, filósofo e teólogo baluarte do Cristianismo).

A morte do talentoso maranhense de Caxias, após cirurgia para tratar de problemas no estômago, na madrugada de 9 de fevereiro de 2010, desapossou a Literatura brasileira de um dedicado escritor e dos mais consistentes cultores e representantes da Poesia Práxis. Tendo nascido numa manhã e falecido de madrugada, pode-se dizer que Adailton Medeiros saiu mais cedo do que chegou. Cedo demais… Antes de mudar de vida, ainda havia muito a escrever e muito escrito para publicar.

*

Eis assim, aqui, um tanto do Adailton Medeiros. Com sua emoção, seu telurismo, sua humanidade, suas utopias. Como, no ser humano, é de praxe.

Eis assim, aqui, um tanto do Adailton Medeiros. Com seu talento, sua inventividade, sua polifonia e polissemia. Como, em Poesia, é da Práxis.

Boa leitura.

Edmilson Sanches

[email protected]

Da Academia Caxiense de Letras
Do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias
Do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão
Da Academia Maranhense de Ciências

NOTAS

  • 01 “Autorretrato”, in Lição do Mundo.
  • 02 “Autorretrato”, in Lição do Mundo.
  • 03 “Quartinha Bordada”, in Lição do Mundo).
  • 04 “Meu Amor”, in Lição do Mundo.
  • 05 “Autorretrato”, in Lição do Mundo.
  • 06 “Questão Ontológica”, in Lição do Mundo.
  • 07 “Homenagem”, in Lição de Mundo
  • 08 (idem)
  • 09 Fotocópia de texto manuscrito entregue para Edmilson Sanches.
  • 10 Redenominada como Rua Dirceu Baima, nome que ainda não “pegou”.
  • 11 “Meu amor”, in Lição do Mundo.
  • 12 “Retrato n.º 3 – o desmarcado (Ilário da Costa Veloso)”, in Lição do Mundo.
  • 13 “Rabequinha de mandacaru”, in Lição do Mundo.
  • 14 “Quanto ao livro que ele relançou mudando o nome  — Bandeira Vermelha –, que foi patrocinado pelo Governo do Rio de Janeiro com a Academia Brasileira de Letras, ele [Adailton Medeiros] o achou de péssima qualidade. O caso foi isso.” (Mensagem em áudio da advogada e administradora Adailma Medeiros, irmã do Autor, em 11/01/2022).
  • 15 “Adailton era metódico” (declaração de Maria Hilma Medeiros, professora, irmã do Autor, em 14/12/2021).
  • 16 “Aurora”, in Oculto Piano.
  • 17 Adailton Medeiros escreve “praxis”, sem acento, seguindo a opção gráfica do iniciador desse movimento, Mário Chamie, em 1962.
  • 18 No poema “Pré-texto para Pobrícia/Lavadeira”.
  • 19 “Teoria & Prática”, de Francisco Venceslau dos Santos, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • 20 “Questão ontológica” e “Autorretrato”.
  • 21 “Caxias recordada”.
  • 22 “Fazendas”.
  • 23 Link do texto: http://krudu.blogspot.com/2012/01/jamerson-lemos-nos-suburbios-do-ocio.html.
  • 24 Blog “As Ideias no Tempo – Cunha e Silva Filho”. Link: https://asideiasnotempo.blogspot.com/2010/02/adailton-medeiros-perda-de-um-poeta-e_5988.html
  • 25 Veja-se Teixeira Mendes – Esse Nome é Uma Bandeira (2ª edição, 2019), de Edmilson Sanches.

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