8 de setembro é o dia de comemorar o aniversário de São Luís do Maranhão, uma cidade que já serviu de inspiração para centenas (ou milhares) de poemas, livros, letras de música, peças teatrais, romances, artigos, estudos etc. Cidade que inspirou Luiz Alfredo Netto Guterres a escrever seu Canto telúrico para São Luís, que levou José Chagas a deixar alguns monumentos literários para nossas letras, como é o caso de Os Telhados, Os Canhões do Silêncio e Apanhados do Chão. Cidade que habitou as recordações de Ferreira Gullar em seu Poema Sujo, que conduziu Arlete Nogueira nas páginas de seu livro Litania da Velha, que fez Nauro Machado acender sua Lamparina da Aurora, que mereceu todo um Romanceiro da Cidade de São Luís verter da pena de Bandeira Tribuzi, que se tornou uma Quatrocentona nos versos de Luís Augusto Cassas e que foi cruzada de ponta a ponta pelo professor Damião, personagem Montelliana de Os Tambores de São Luís, por Maria Arcângela, de Erasmo Dias e pelo sofrido e apaixonado Raimundo, em sua sina de se tornar O Mulato mais lido da lavra de Aluísio Azevedo.
Inúmeras são as homenagens (merecidamente) recebidas pela Ilha do Amor, pela Cidade dos Azulejos, pela Atenas Brasileira ou, mais simplesmente, por São Luís – capital do Estado do Maranhão. Entre esses trabalhos artísticos que têm São Luís como musa inspiradora, podemos acrescentar o livro A Ilha Naufragada ou Canção dos Insulados (Penalux, 2018, 176 páginas), do professor, prosador e poeta Natan Campos e que tem como prefaciador o professor, poeta e crítico literário Ricardo Leão.
Esse livro, que foi agraciado com a segunda colocação na categoria Poesia do inexplicavelmente extinto Concurso Cidade de São Luís (extinção que pode ser considerada um crime contra a cultura letrada de nossa cidade!!!) conta com 136 sonetos, todos tendo como epicentro São Luís, sua história, seu povo, seus logradouros e sua magia.
Para iniciar seu périplo pela Cidade, o poeta situa são Luís no tempo e no espaço, deixando claro que:
Aqui onde as pedras têm memória
e se padece o humano esquecimento
o tempo é um verme pegajoso e lento
de rota eternamente provisória
(…)
para fazer do verbo o pão amargo
e de existir no tempo um duro encargo
entre o céu e o mar de São Luís. (p. 31)
Visivelmente inspirado pela poesia de Nauro Machado, Ferreira Gullar, José Chagas e Bandeira Tribuzi, o poeta faz seu eu lírico pairar sobre os telhados dos sobrados e caminhar por ruas, becos e escadarias da Cidade no afã de mostrar não apenas o que há de belo e de bom em cada recanto da Ilha, mas também no intuito de desvendar os mistérios de “duas cidades [que] colidem no tempo” (pág. 36) e que, dentro da Cidade podem existir outras cidades:
a soterrar de entulho e de escória
a que já não sendo ainda é São Luís. (pág. 35)
Ao longo do livro, eu lírico se sente irremediavelmente como um “exilado no tempo em que estou” (pág. 36) a perdurar “sobre um chão que me fareja” (pág. 144) e tem certeza de que vagueia por uma Cidade que é, mas que já não é aquela guardada nas recordações, mas que ainda é amada, desejada e vista como inesgotável fonte de uma energia que emana de todos os rincões. A cidade dos sonhos e da idealização dos poetas pode até estar irremediavelmente perdida, mas, recorrendo às ideias de Fernando Pessoa, Natan Campos lembra que:
Naufragar é preciso e ainda mais
Retornar à tona trazendo as marcas
Das perdas e danos de tristes barcas
Que já só singram mares abissais;
(…)
Preciso é perder-se e chagar aos portos
pra escrever da vida invividos rastros
e a biografia dos natimortos (pág. 77).
Em seu livro em homenagem a São Luís, o premiado escritor Natan Campos, que é graduado em Letras (Português e Alemão) pela Universidade Federal do Maranhão, e que recentemente foi vencedor do Prêmio Álvaro Maia, em Manaus, com o livro “A Besta de três Costas”, aproveita para mostrar não apenas as complexidades que se escondem por trás dos monumentos arquitetônicos de uma cidade, mas também toda uma complexidade humana que se oculta através da máscara da face, como vaticinou o grande poeta parnasiano Raimundo Correia. Esses inúmeros males secretos (ou nem tão secretos assim) se multiplicam a partir do momento em que o naufrágio de toda uma história é invariável, mas deixa claro que o salvar-se insulando-se não equivale a salvar-se isolando-se. Muito ainda pode ser salvo da cidade, do homem que nela habita e dos sentimentos que unem a todos como uma espécie de flutuante tábua de salvação.
A Ilha Naufragada é um belo livro, cuja inspiração parece ter sido retirada de um noturno acervo íntimo, que habita na zoofonia urbana e que mostra que, na cronologia da carne, a cidade pode estar à deriva, mas não importa a possível data de um possível exílio, pois a cidade vive e sempre viverá sob a égide de um tempo que não é possível dominar pelo mero passar de olhos pelas folhas de um calendário.
Uma resposta
Magnífico texto postado pelo confrade sobramista José Nere, com foco na obra Ilha Naufragada, como também passando por várias personalidades de nossa literatura maranhense, com sua vasta riqueza cultural, citando as respectivas obras. Um presente para o aniversário de nossa querida São Luís. Bravo!