Não só o ser humano sofre preconceito. Alguns animais irracionais, por vários motivos, também são vítimas. Na crônica de hoje vou me ater ao pobre urubu. A princípio, quando se observa com atenção, logo se descobre que o animal não é feio. O macho tem o porte grande e altivo, com envergadura de asas negras e brilhantes, que pode alcançar dois metros. As pernas são fortes e musculosas, possuem bicos longos e afiados. Já a fêmea, se difere pouco do macho. Difícil até divisar quem é quem, mas os biólogos dizem que ela tem um bico pouco mais fino, e a plumagem é mais opaca.
Fico aqui a imaginar: de onde tiraram essa história que o urubu é um pássaro feio? Seria por causa das penas pretas? E se eles fossem coloridos como, por exemplo, o pavão, mesmo comendo carne podre, as pessoas continuariam a ter asco dele. É de se pensar, não é mesmo?
É possível concluir que o urubu, ave encontrada em quase todas as regiões do planeta, além de vítima de preconceito, é um injustiçado; principalmente quando muita gente o associa a episódios ruins, ou agourentos. Veja, que lástima! Ninguém anda fazendo poesia sobre urubu. Por favor, é preciso mudar essa visão!
O Urubu até que, aqui e acolá, aparece numa estorinha infantil, mas a maioria das vezes associado a malandragem, como um esperto ou como um grande vilão. Lembram do Zeca Urubu, da turma do Pica-Pau? No animado ele aparece como preguiçoso, guloso e trapaceiro, que sempre tenta se dar bem às custas dos outros. De 1948, o desenho termina por aumentar a aura negativa que paira sobre esse bonito animal.
Ainda não conheço nenhuma estorinha na qual o urubu apareça como herói, mas tem uma história, aqui neste lado do País, na qual a ave aparece como heroína. Foi em Açailândia, nos anos 1990, e quem me ajudou a lembrar foi a hoje jornalista e psicóloga Silvana Silvestre, na época vereadora.
Foram os urubus que ajudaram a desvendar o escabroso Caso Célia. Um terrível crime de morte ocorrido naquela cidade. Quando não havia mais esperança de se encontrar o corpo da vítima, a então parlamentar sugeriu ao lendário delegado Zé do Capim. “Siga a pista dos Urubus”. E foi assim, que o corpo da mulher foi encontrado e o crime desvendado. A então delegada Radige Barbosa, também conhece essa história. Se não fosse eles, talvez o corpo não tivesse sido encontrado e o crime passaria longe de ser elucidado.
Há dias que ensaiava escrever essa espécie de desagravo ao Urubu, até porque é a ave símbolo do meu time do coração, o Flamengo, desde de 1969. Sabiam que a torcida do flamengo adotou o urubu foi como um símbolo de resistência contra o racismo? A história é bonita, e merece uma crônica só para ela.
Sigamos, já para os finalmente do texto de hoje.
A partir da observação do comportamento do urubu, ali na nossa Beira Rio, e há muitos por lá, ele ganhou mais ainda meu respeito e admiração. Perceberam que eles não bolem com ninguém? Estão sempre na deles. São aves sociais, que vivem em grandes grupos. Quando aparecem, é para comer e passar um bom tempo em solo. Se falta alimentos, eles alçam voo e lá do alto, bem do alto, vão à caça. Imagino que enxergam bem, e assim como as águias, bem longe. Mas as pessoas preferem dizer “fulano tem visão de águia” para se referir àquela pessoa que enxerga coisas, e oportunidades, melhor do que as normais, a “fulano tem visão de urubu”. Mais uma injustiça. Onde está a equidade?
O Urubu, se a gente raciocinar direitinho e passar vê-lo sobre um novo viés, tem uma importância extraordinária, assim como todos os outros seres da terra. Com poucos predadores disponíveis, a não ser eventualmente a pedrada de um menino peralta, ou a maldade de um Snipe, de espingarda de chumbinho, a população de urubus só cresce, principalmente nas grandes cidades.
Vejam o primeiro sinal da sua importância! Se eles estão se achegando às grandes cidades, é porque há escassez de alimentos no seu habitat, sinal de desmatamento ou de algum desequilíbrio ecológico. E se nelas aparecem, o atrativo é a sujeira e a existência de carniça. Olha aí, se é produzida sujeira orgânica e o poder público não limpa, eles aparecem no pedaço, fazem o serviço de limpeza e ainda ficam de buxo cheio. Um salve aos eficientes urubus!
Está claro que os urubus desempenham um papel importante no meio ambiente, e isso precisa ser respeitado. Em muitas culturas, infelizmente, ele ainda é associado à morte, destruição e mal agouro, talvez por se alimentarem de carcaça de animais mortos, no entanto, quando se observa o todo ambiente, essa visão associativa pode mudar para um simbolismo de vida, renovação, limpeza e resistência, assim como em 1969 percebeu a torcida do Flamengo ao adotá-lo como símbolo da luta contra o preconceito racial.
2 respostas
Excelente, Confrade.
Além da pena, afinados estão
a espirituosidade e o senso de justiça.
Parabéns!
Obrigado, estimado confrade. Envaidecido pelo comentário