Por: José Neres – Professor. Membro da AML, ALL, Sobrames-MA, APB
Provavelmente as pessoas com mais tempo de vida aqui entre nós já se apaixonaram e se viram embaladas pela canção interpretada por Ângelo Máximo, que dizia que: “a primeira namorada é difícil de esquecer / se você não voltar logo, de saudades vou morrer”, ou então, no auge de uma paixão conturbada, tenham se emocionado com a voz das irmãs Galvão cantando No calor de teus abraços, nos quais os versos: “viver dia e noite, sem os beijos teus / sinceramente, não vai dar pra suportar/ É como se de repente/ me faltasse o próprio ar” devem trazer muitas recordações àquelas pessoas apaixonadas que tinham a nítida impressão de que aqueles versos foram feitos sob encomenda para revelar uma dor que era particular, mas que representava toda uma coletividade de corações atordoados pela paixão.
Contudo, talvez alguns ouvintes não estivessem interessados em falar de suas emoções, mas sim em encontrar soluções para situações momentâneas. Em casos assim, um conselho culinário fosse útil para resolver os problemas. Um caldinho de mocotó poderia vir bem a calhar: “Um açougueiro me ensinou (viu)/ uma receita de lascar (viu) / pegue quatro mão de vaca / tire o couro com a faca / e bote pra cozinhar // Ponha pimenta malagueta (viu) / uma gotinha de limão / enquanto você vai bebendo / o suor vai escorrendo / só vendo como levanta, levanta a pressão”.
Mas o que há em comum entre esses sucessos que inundaram as ondas do rádio nas décadas de 1980 e 1990? Todas essas músicas foram compostas pelo talento do cantor e compositor maranhense Nicéas Drumont, um dos mais importantes nomes da música brasileira, mas que, por alguma razão, acabou caindo no esquecimento e hoje é lembrado mais por composições como Gavião Vadio e Senzalas.
Nascido em 1951, na cidade de Rosário, Nicéas Alves Martins, que adotou o nome artístico de Nicéas Drumont, conquistou o Brasil com suas letras que mesclavam crítica social, picardia e lirismo amoroso, teve suas composições gravadas por alguns do mais conhecidos interpretes da música brasileira, como é o caso de Zezé di Camargo e Luciano (Vou levar você), Carmem Silva (Seu lugar é aqui), Fafá de Belém (Ping-Pong do amor), Sérgio Reis (Novilha), Rambo do Sertão (Genival Lacerda), Edelson Moura (oh, meu amor), Ângelo Máximo (Não posso aceitar seu adeus), Peninha (Folhas de Outono), Cremilda (Close Legal), Ataíde e Alexandre (As Avenidas) e Gene Araújo (Dor de cabeça), entre tantos outros.
Sozinho ou em parceria – com Cecilio Nena, Genival Lacerda, Nando Cordel, Don Richard, Graça Góis, Felisberto da Silva e Carlos Gomes, além de outros compositores – Nicéas Drumont era um compositor bastante requisitado tanto pelo cuidado estético no uso das palavras quanto pela musicalidade de seus versos e pela multiplicidade de temas abordados.
Além de talentoso compositor, Nicéas era também um excelente intérprete, como pode ser visto em Peregrinação, LP lançado em 1979, e Eu, Você e a Cidade, de 1982. No primeiro caso, todas as faixas são de extremo bom gosto em ritmo de samba, com boas pitadas de crítica social, como ocorre na música que dá nome ao disco, que pode servir como retrato de praticamente todos os governos que passaram por cada estado do Brasil, incluindo os mandatários federais, conforme pode ser visto no fragmento abaixo:
Você nos encheu de promessa / jurou bem alto e esqueceu / agora tenha santa paciência / queremos tudo que você nos prometeu (e não cumpriu) // Já não temos mais o que sofrer / já não temos mais o que chorar / só nos resta o dia pra gemer / só nos resta a noite pra gritar / flores maltratadas morrerão / porque lamparina seca não conduz ninguém / é demais a peregrinação / queremos paz / queremos luz / agora é nossa vez de contestar / e você tem que tirar o prego de nossa cruz.
Em outra faixa – Aluguel, o artista diz: “Já vendi meu terno / também meu sapato / eu vou morar no mato / eu vou morar no mato / (eu já disse a você) / Já dizia meu avô nos seus raros argumentos / que o índio é que tá certo / não dá bola pro cimento / Não precisa de colchão / dorme no couro do gato / se livrou do condomínio e da lei do inquilinato.
Nicéas Drumont era “gavião vadio sob o sol”, como ele mesmo cantava em uma de suas mais famosas composições. Era um gavião de olhar no horizonte dentro do corpo de “um crioulo sonhador”, que sabia que “em casa de bamba, crioulo é doutor”. Tinha uma voz afinada e melodiosa que poderia ter sido mais explorada, e era dono de uma extrema capacidade de transformar seus entornos em composições.
Para não dizer que ele hoje está totalmente esquecido, suas músicas ainda estão disponíveis em canais de áudio e de vídeo, mas que às vezes sua autoria não é devidamente citada. Em 2007, o professor e escritor Inaldo Lisboa conquistou o primeiro lugar no hoje também esquecido Concurso Cidade de São Luís, com a peça teatral Nicéas Drumont: o Gavião Vadio, na qual traça um percurso da vida e da obra desse talentoso artista. Anos depois, na Livraria Amei, foi feita uma leitura dramatizada desse livro, com recortes de suas canções. Mas pouco tem sido feito para que as novas gerações entrem em contato com as músicas escritas / interpretadas por um artista que faleceu ainda bem jovem, no dia 27 de agosto de 1990, aos 39 anos, mas que deixou uma enorme contribuição para a música brasileira.
Ele merece ser ouvido e estudado em profundidade.
Uma resposta
Grande mestre, sua lição bem que poderia chegar aos ouvidos de quem ouve, canta, produz e divulga a arte de nossa terra. Já tinha ouvido de você mesmo alguma coisa sobre Niceias Drumont, e sempre que ouço “Gavião Vadio”, lembro-me disso. Acho que foi algo relacionado com a expressão “hem-hem”, mais forte do que o “hum-hum” da novela “Travessia”. E, sim, precisamos voar mais alto nas asas do gavião e nos outros hits de ND. Parabéns!