Por Cristiane de Magalhães – poeta, professora de Língua Portuguesa.
Os bens culturais e artísticos, são formas de o ser humano expressar opiniões, visões de mundo e sentimentos, inclusive indignação e revolta. Por outro lado, a barbárie nunca deveria ser uma opção de manifestação do pensamento ou de reação a quem pensa diferente.
Quando isso ocorre, nos reportamos a períodos sombrios da história, quando livros eram queimados. De modo que a perfuração de obras de arte simboliza a tentativa de sobrepor a força bruta ao pensamento e à sensibilidade.
Em contextos sombrios do passado, líderes totalitários governavam na base da força e do pensamento único. Toda e qualquer forma de diversidade era condenada. Desde as diferenças de ideias, religiões à multiplicidade étnica e política. Forçava-se a população a aceitar ideias únicas.
A arte aparece, então, como um obstáculo à força bruta e a antipolítica. É uma voz para os que não tem voz. A arte é o lugar dos que não tem lugar. Por isso, não é de se estranhar que justo uma obra de arte seja alvo de punhaladas em manifestações antidemocráticas que extrapolam os limites civilizatórios. Os não civilizados de hoje se assemelham aos líderes totalitários de ontem. Estes odiavam livros, aqueles odeiam obras de arte.
Os não civilizados sentem-se contrariados pela reflexão e o diálogo. Devaneiam a ponto de defender regimes de governos de um homem só. Sonham com sistemas totalitários que afastem qualquer chance de freios e contrapesos. Vislumbram um modelo de líder que tenha nele, e apenas nele, o poder de criar leis, julgar e executar. E de anular eleições, caso não seja o vencedor. Um líder não, um mito.
E assim segue um 2023 muito parecido com 2015. Naquele ano, alguns não queriam deixar a presidente eleita governar. E não deixaram. Hoje centenas de milhares de extremistas se organizam em torno de hashtags: #ele não sobe a rampa, #ele não vai governar. Fica a pergunta: as próximas manifestações serão dentro ou fora das quatro linhas?