Hoje é o Dia do Empreendedorismo Feminino, republicamos a entrevista da Advogada e Empreendedora, Liana Melo, sobre o tema, publicada no dia 31 de agosto de 2022. Vale a leitura:
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A advogada Liana Melo tem uma história no empreendedorismo comum a muitas outras mulheres. Foi tateando, testando as oportunidades. Mas o tempo, o conhecimento e as iniciativas que tomou fizeram com que ela passasse de empreendedora para incentivadora e formadora de outras mulheres que querem percorrer o caminho do empreendedorismo. Nesta entrevista, ela faz uma abordagem pelo universo do empreendedorismo e suas especificidades, vantagens e desafios, e defende que, para uma mulher, empreender é sempre uma coisa positiva. Vale a leitura!
Região Tocantina – Qual é a sua história no empreendedorismo?
Liana Melo – A resposta a esta pergunta contém um importante aspecto do empreendedorismo feminino: ele é um instrumento de libertação de mulheres. Minha história nos negócios começa com outras mulheres que, já inseridas no meio, perceberam meu potencial não desenvolvido e literalmente insistiram para que eu começasse um negócio. Era um negócio visto como algo só para mulheres e eu, “metida a intelectual”, iniciei cheia de preconceitos, achando que ali encontraria só papo sobre bolsa e sapatos, mas fui surpreendida por um universo voltado ao estudo e ao desenvolvimento pessoal que me arrebatou. Descobri para que vim ao mundo, e hoje sou feliz por ganhar dinheiro fazendo com outras mulheres o que um dia fizeram comigo – ensino elas a descobrirem seu potencial.
Região Tocantina – Para você, quais as maiores dificuldades para uma mulher empreender no Brasil?
Liana Melo – Fora as dificuldades inerentes ao ser mulher vivendo em nosso país e as dificuldades comuns a todos os empreendedores como falta de acesso a financiamentos e capacitação, para mim, a maior dificuldade é o não (re)conhecimento da economia do cuidado. É um termo pouco conhecido, que inclusive já abordamos aqui no site, que mostra como o fato dos trabalhos domésticos não serem vistos como parte da economia coloca quem os faz em desvantagem. A economia do cuidado engloba todo o trabalho de manutenção do lar, o de cuidar da casa, da alimentação, das crianças, de pessoas doentes ou dependentes; sabemos que normalmente, não só no nosso país, mas pelo mundo inteiro, é mais comum que a mulher fique com estas responsabilidades, por isto, para mim, o maior desafio da mulher brasileira que empreende é acumular tarefas fora e dentro de casa, sobrecarregando-se com a tal chamada “jornada dupla”. E quero enfatizar uma segunda dificuldade pouco percebida, a mulher, enquanto atua nos negócios, utiliza-se muito mais de sua energia masculina, então a troca de papéis que fazemos diariamente, ora funcionado como mulher forte no trabalho, usando de conexão com nosso lado masculino, ora cuidadora de nossos lares, o que exige conexão com o feminino, é um desafio. Por isso, considero que trabalhos que exigem liderança podem, por vezes, polarizar uma mulher causando dificuldade de voltar ao seu lugar no feminino, passando a agir o tempo todo com uma energia masculina. Sabe? Isto merece um texto com explicações mais detalhadas, antes que pensem que empreender pode gerar efeitos colaterais indesejados (risos) não é isso, é que todos nós, seres humanos, oscilamos o tempo inteiro entre a energia masculina e a feminina, prometo que vamos falar melhor deste assunto na coluna Empreendedorismo Feminino. E enfim, tanto a má distribuição das tarefas domésticas como a falta de consciência da necessidade da mulher empreendedora de transitar o tempo todo entre a energia masculina e feminina podem trazer prejuízos aos relacionamentos familiares e sobrecarga de trabalho , o que consequentemente pode gerar adoecimento físico nessas mulheres.
Região Tocantina – Você acha que a formação é importante para a mulher empreender ou vale mais o instinto empreendedor?
Liana Melo – No Brasil, este instinto foi desenvolvido por necessidade, já que ao sair de cursos profissionalizantes ou cursos superiores o diplomado sempre enfrentou a realidade de baixos salários e pouca oferta de vagas. Quando entrei na faculdade há 10 anos, somente 6% da população tinha curso superior. Hoje, este número fica em torno de 20% entre jovens de 24 a 35 anos segundo o Inep. Então os aspectos a considerar são: mesmo as políticas públicas do passado tendo aumentado o número de pessoas com oportunidade de um diploma, esse número ainda é muito baixo e continuamos sem postos de trabalho, ou seja , somos uma sociedade composta de poucas pessoas qualificadas e mesmo as qualificadas encontram desafios para exercer suas profissões. Aquela frase tão dita pelos país “estuda que você vai ganhar dinheiro” é falsa se ela se referir apenas a estudar em uma instituição de ensino médio e superior. Não há postos de trabalho e nem os cursos superiores e nem a escola regular ensinam sobre relacionamentos interpessoais, que é o segredo do sucesso de qualquer trabalho, não somos ensinados nem em casa e nem nas escolas sobre administração financeira e muito menos sobre como nossas emoções interferem em nossas decisões. Então sou uma crítica do nosso ensino ainda tecnicista que evolui a passos muitos lentos, deixando de fora conteúdos importantes para a sociedade de um país em que 3 em cada 10 pessoas empreendem, segundo a nova pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), realizada no Brasil pelo Sebrae e pelo Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP). Mas por outro lado, percebo como mesmo essa formação acadêmica que negligencia o fato de que estão preparando profissionais que em sua grande maioria serão empreendedores, autônomos ou profissionais liberais e não apenas servidores públicos e CLT, mesmo este ensino amplia mentes e sonhos. Pois nos meus 10 anos desenvolvendo pessoas, vejo com muita clareza como aprendem mais rápido e têm mais facilidade de compreensão as pessoas egressas de cursos superiores ou de outro tipo de instituição de ensino de qualidade. Porque a grande verdade é que é notório que pessoas que estudam, independentemente da área de interesse ou nível de graduação, têm mais chance de crescimento. Uma mentalidade de aprendiz é essencial para um empreendedor. Sem dúvida, a pessoa com consciência de que precisa estudar para crescer tem muito mais chance de sucesso do que a que apenas escuta seus instintos mas não busca capacitação para desenvolvê-lo junto com conhecimentos técnicos. E por outro lado, de nada adianta o conhecimento adquirido sem a ação e visão natural de um espírito empreendedor. E aproveito seu questionamento para deixar aqui um dos meus sonhos de empreendedora. Desejo ver nosso ensino educacional preparar pessoas para a vida como ela é. Só em 2021, o MEC iniciou o projeto que pretende incluir educação financeira nas escolas, isso ajuda a explicar porque somos um país com 65 milhões de endividados. Se 52 milhões de brasileiros, dentre eles, 30 milhões de mulheres, empreendem, por que conceitos de administração de empresas não estão mais presentes nas grades curriculares? A meu ver, nossas instituições de ensino poderiam sim promover um melhor suporte ao país, que ocupa o quinto lugar no ranking global do empreendedorismo. Cerca de 30% da nossa nação é empreendedora e poderia sim não precisar procurar capacitação fora do sistema formal de ensino. Eu tive a sorte de encontrar na UFMA alguns professores que me forneceram este preparo, suas vivências os fazem olhar o ser humano e a realidade de forma sistêmica, recebi deles preparo para a vida, então posso imaginar a transformação social que virá com nossas instituições saindo de um ensino tecnicista e acompanhando a velocidade de transformação do mercado de trabalho em nosso país. Desejo voltar a ver o crescimento da educação e da cultura, mais políticas públicas que coloquem as pessoas dentro da sala de aula e salas de aulas capazes de fazer com que cada aluno descubra seu potencial.
Região Tocantina – Quais as vantagens de ser uma empreendedora?
Liana Melo – Para mim, a maior vantagem é sem dúvida a liberdade para construirmos uma agenda com tempo de qualidade com a família, gerenciar meu próprio tempo, a chamada flexibilidade de horários é algo do qual não abro mão. Mas acho necessário levantar um outro aspecto importante: por mais que algumas pesquisas apontem que hoje no Brasil já se opta pelo empreendedorismo por visão de oportunidade e não mais por apenas necessidade, o empreendedorismo feminino, que aumentou 41% com a pandemia, ainda tem como seu principal fator motivacional a necessidade de gerar renda para o sustento doméstico diante da falta de mercado formal. Segundo a pesquisa da GEM, 55% das empresas lideradas por mulheres surgiram devido a esta necessidade. Outro fator que leva mulheres a empreender é a maternidade, elas podem ser vítimas do empregador sofrendo algum tipo de hostilização por engravidarem e também por estarem amamentando. E ainda têm as dificuldades de um ambiente de trabalho estruturalmente sexista, salários baixos e o desafio de buscar capacitação já que no seu único turno livre ela cuida da família. Dito isto, podemos trazer outra vantagem de ser uma empreendedora: por vezes, é o único meio pelo qual uma mulher consegue desenvolver-se profissionalmente, o que é muito importante tanto para a renda familiar como para seu bem-estar enquanto pessoa.
Região Tocantina – Em Imperatriz e região existe algum tipo de apoio a quem quer empreender?
Liana Melo – Quem serve bem a este propósito é o Sebrae, que inclusive tem ações especificamente voltadas ao público feminino, como cursos de liderança e planeja uma feira de mulheres empreendedoras ainda para este ano. Fóruns de mulheres de negócios também já foram realizados em nossa região. E a casa da Mulher maranhense, mantida pelo governo do estado, é uma instituição que atende mulheres vítimas de violência no município e na região tocantina e pontualmente oferece palestras e oficinas com o objetivo de incentivar o empreendedorismo. E no apoio financeiro conheço apenas projetos federais como linhas de crédito de fácil acesso exclusivos para mulheres, oferecidos por instituições como banco do nordeste e caixa econômica.
Região Tocantina – Que conselhos você pode dar para quem decidiu empreender?
Liana Melo – “VENHA COMO ESTÁ!” A vida de uma mulher é assim, podemos até planejar gravidez, transições de carreira, isto nos garantirá mudanças mais graduais e menos incômodas , mas o momento ideal, aquele em que tudo está perfeito, não existe. Podemos ser surpreendidas por várias questões, então o importante é começar, começar como está. Por exemplo, se já tem um trabalho assalariado não espere sair dele, empreenda e, quando tiver alcançado algum nível de sucesso, vai poder escolher entre uma carreira ou outra ou até mesmo manter os dois trabalhos. Aderir ao empreendedorismo só faz sentido se preencher alguma necessidade sua, por exemplo, ser dona dos seus horários, permitir maiores ganhos ou mais qualidade de tempo com a família. E empreender também está muito ligado a perfil comportamental, para algumas mulheres a segurança de uma renda fixa pode ser mais importante que a liberdade de tempo, ser sua chefe e ter possibilidade de ganhos ilimitados pode ser a glória para umas e para outras mulheres isto pode gerar desalento e falta de ordem. E se já está empreendendo, só tenho um conselho: Arrocha, mulher! De muito mais longe já viemos, os caminhos foram abertos para nós e se usarmos um método e obedecer ao ciclo tentativa-erro-ajuste-nova tentativa, uma hora a coisa deslancha. Somos o sonho realizado de todas as mulheres que vieram antes e foram conquistando novas liberdades para o sexo feminino. Então, a liberdade de ser a “dona e proprietária do nosso próprio negócio” também é uma forma de honrar nossas antepassadas, inclusive as que não realizam esse sonho, mas, assim como minha mãe, dedicaram a vida ao serviço doméstico e dos filhos e foi tal dedicação que permitiu que mulheres como nós nos encontrássemos aqui, para bater um papo sobre empreendedorismo feminino.
Uma resposta
Sou empreendedora e gostaria de aprender mas com vc e a frase que li e chamou atenção foi… Venha como está e gostaria de saber mais sobre isso.