segunda-feira, 7 de outubro de 2024

UMA REFLEXÃO

Publicado em 1 de novembro de 2022, às 15:42
Fonte: Edmilson Sanches – Administrador, historiador, comunicador, escritor, palestrante, consultor, autor da Enciclopédia de Imperatriz.
Cérebro: use-o. Imagem fornecida pelo autor.

Minha página no Facebook e este espaço aqui no “site” Região Tocantina não são de conforto ou comodismo. Eles, muitas das vezes, instigam, problematizam, criticam, propõem reflexões, sugerem ações.

Em geral os textos são grandes. E mesmo em décadas e décadas de produção textual, apenas uma — repita-se: apenas uma — pessoa, residente em uma capital de estado, observou, uma única vez, que eu deveria, digamos, ser “menor”, escrever textos mais compactos. (De qualquer modo, essa pessoa prossegue em leituras de meus textos e comentários a eles).

É claro, escrevo textos de pequeno tamanho, poesias de poucos versos, contos de duas, três linhas (microcontos), crônicas, “causos”, sueltos, notas etc., de reduzido número de caracteres. Mas, sem desconsideração, quem só encara texto “menor” perde a oportunidade de conviver literal e literariamente com algo maior. Só porque são “textões”, não se deve decretar a inutilidade dos romances, das novelas, peças teatrais, artigos de profundidade, ensaios, crítica… Civilizações inteiras nos diversos continentes da Terra têm a marca e o orgulho de suas graaaandes produções: a Bíblia, “Dom Quixote de La Mancha” (de Cervantes), “Em Busca do Tempo Perdido” (Proust), “Primeiros Cantos” (Gonçalves Dias), “Dom Casmurro” (Machado de Assis), “Guerra e Paz” (Tolstói), “Comédia Humana” (Balzac), “Crime e Castigo” (Dostoievski), “Grande Sertão: Veredas” (Guimarães Rosa), “Os Miseráveis” (Victor Hugo), “A Divina Comédia” (Dante), as obras de Shakespeare, “Madame Bovary” (Flaubert), “A República” (Platão), “Ilíada” e “Odisseia” (Homero), “O Príncipe” (Maquiavel), “os Lusíadas” (Camões)…

É um universo de pelo menos 135 milhões de livros publicados em todo o planeta. Se pudéssemos ler um livro por minuto, calcula o “El País”, jornal espanhol, levaríamos mais de dois séculos… Ler é escolher…

Comunidades desenvolvidas são comunidades leitoras. E leitoras de livros, não de telegramas.

Aponte-me uma sociedade atrasada e ali haverá uma população não leitora.

Dos mais de CEM BILHÕES de pessoas que já existiram no planeta Terra, pelo menos 99% não deixaram uma marca para a posteridade. Nem seus ossos sobraram, corroídos pelo Tempo. Transformados em pó.

Assim, de certa forma, a coisa escrita torna-se o novo fóssil. O fóssil onde cientistas, especialistas e pesquisadores de um distante futuro haverão de colher material que diga ou que ajude a dizer como era a sociedade humana em que vivíamos nós que fomos habitantes dos antigos séculos 20 e/ou 21.

Claro, cada um de nós tem o direito de ir pro inferno em paz, isto é, de fazer nossas próprias escolhas, de viver como quiser, de preferir o comodismo ou o esforço, a preguiça ou a labuta, a vida mole ou o trabalho duro.

De minha parte, acho que usar ambientes de redes sociais e outros espaços da Internet (“blogs”, “sites”…) apenas (eu disse: “apenas”) para frivolidades é desperdiçar os recursos dos espaços digitais e o talento potencial que cada um de nós carregamos, pois todos nascemos com a mesma quantidade de neurônios. Mas, enfim, volto a repetir, não há censura nisso, é só uma constatação, e cada um — torno a dizer — é senhor ou senhora de sua própria vida. Dela faz o que quiser — desde que não “mexa” negativamente com a vida dos outros.

Mas convenhamos que, do ponto de vista biológico, não faz bem nenhum aos neurônios de uma pessoa ou aos cromossomos (a herança genética que ela deixará) se ela, pessoa, por exemplo, em redes sociais, se limita a “comentar” quase sempre com reduções/abreviações do tipo “vdd” ou demonstrar reações e emoções com “rs rs” / “kkk” ou com figuras de rosto ou dedão azul pra cima (ou pra baixo).

Quanto de tempo alguém economiza “escrevendo” assim? E o que faz com o tempo economizado? Qual o ganho que há se, em vez de “verdade” escreve “vdd”, ao invés de “beleza” escreve “blz” etc.?

A repetição, a frequência, o acostumar-se a essa linguagem excessivamente sincopada vai gradativamente habituando o cérebro (que tanto quer desafios, informações…) a ficar “preguiçoso”, lento… Aí, quando o escrevedor de “vdds” e “kkks” se defronta com textos com linhas a mais, bate o desânimo, a preguiça, o desconforto, o desinteresse, quando não a imediata repulsa — pois o cérebro não foi adequadamente estimulado (exceto para o nenhum ou pouco esforço mental).

Quanto tem de enfrentar uma redação no vestibular, uma entrevista de emprego, a pessoa se perde, se ataranta… porque não habituou para a leitura, a inteligência, o raciocínio, a escrita adequada o único órgão que define quem ele é (o cérebro).

Tempos atrás, um leitor da página que tenho no Facebook pediu-me, por mensagem privada, que escrevesse um texto sobre um determinado assunto. Depois de uns poucos dias em que fui fazendo leituras e reflexões sobre o tema, depois de naturalmente meu cérebro ir acumulando e organizando “automaticamente” informações e correlações acerca da matéria, escrevi o texto e prontamente o enviei para meu leitor, também por mensagem privada (Messenger) — afinal, se ele me suscitara para escrever o texto, deveria ser o primeiro a dele tomar conhecimento…

Quase que imediatamente o leitor enviou-me esta micromensagem: “Vdd”. Basicamente, ele havia lido só o título e já pespegou uma resposta, um comentário.

Naquele tempo eu sequer sabia o que era “vdd”. Rapidamente descobri o que significava e indaguei ao leitor: “É só isso o que você tem a dizer?”

Achei que essa pergunta se justificava. Afinal, eu investira tempo, esforço, saúde, energia mental para a elaboração do texto com alguma propriedade e, como “resposta”, me vem três consoantes!…

A coisa piorou. Em “resposta” à minha pergunta, o leitor enviou a figura de um dedão de cor azul, com o polegar para cima, como a “dizer” “OK”, ou “certo”, “isso mesmo”.

Ou seja: o leitor saiu da fase das abreviações, onde ainda se usavam letras, para um nível simbólico, imagético. O cérebro se acomoda mais, pois a interpretação, o significado é quase simultâneo. A mente vai ficando em estado basal, termo da Medicina que indica que um órgão ou organismo chegou ao ou está no patamar mínimo de atividade.

Embora o cérebro não seja estimulado apenas pela leitura e a escrita, a Ciência já confirmou que a leitura é a verdadeira “academia de ginástica” do cérebro. Sem um bom uso da linguagem, corremos o risco de voltar ao “Ugh! Ugh!” e, quando acabar esta fase “verbal, voltaremos a fazer inscrições nas cavernas…

É evidente que não se está negando aqui o valor de frases curtas, densas, espirituosas, que fazem “pirar” e inspirar. Não se nega o valor do pequeno, do extremamente minúsculo, do qual todos nós e tudo em qualquer parte do Universo somos constituídos. O de que se fala aqui é de outra coisa.

*

Sabemos que, dentro de um futuro ainda distante, o planeta Terra e tudo que há nele deixarão de existir. Um irrefreável fenômeno astronômico de gradual aproximação do Sol à Terra vai queimar, vai torrar nosso mundo. É verdade científica. Não é “se”, mas “quando”, e todo o conhecimento humano acumulado nada poderá fazer. A solução, há muito pensada e buscada, é descobrir um novo planeta que nos acolha e nos ature (pois somos maus, não zelamos devidamente o lugar que habitamos).

A busca por uma nova “casa planetária” necessitará de mais e mais conhecimentos — inovadores, criativos, ousados, exequíveis, quiçá urgentes. Conhecimentos exigem mentes preparadas, porosas, abertas, sequiosas de saber (sem neura, evidentemente). E não se consegue isso com “kkks”, não é vdd? Então, blz.

Ser “moderno” ou contemporâneo não é ter um telefone inteligente (“smartphone”) de última geração, com todos os aplicativos possíveis. Ser “moderno” não é ter um computador com altíssima memória RAM e terabytes de capacidade no HD. Ser moderno ou contemporâneo, sem descartar os momentos de diversão, contemplação, relax, é ter e/ou desenvolver conteúdos que nos tornem também agentes das ideias e dos fazeres, “mens et manus”, e não cômodos usuários de facilidades e frivolidades.

A Humanidade precisa que os humanos explorem suas potencialidades — para ao menos tentar garantir nossa sobrevivência enquanto espécie.

Nada tão frustrante como testemunhar o desaparecimento de um indivíduo ou de uma sociedade sem que ele ou ela tenham atingido seu estado de quase plenitude na sadia exploração, na adequada utilização das possibilidades de cada um de nós.

O cérebro não tem esses bilhões todos de células (os neurônios) à toa.

Essa enorme quantidade de neurônios não está dentro de cada um de nós apenas para fazer número…

…ou ser uma enrugada massa…

…ou uma viscosa pasta. Basta.

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