O Abutre (The Nightcrawler, 2014) acompanha a jornada de Louis Bloom, ou Lou, interpretado por Jake Gyllenhaal. O filme já o apresenta como uma pessoa de caráter duvidoso, arrancando cercas e tampas de esgoto para vender a alguém interessado. Mas, na verdade, ele tem a intenção de mudar de vida e conseguir um emprego, ele se demonstra como alguém pró-ativo e enérgico, disposto até a trabalhar de graça. Porém, o empregador é duro com ele: não contrata ladrão.
Numa noite, Lou testemunha dois paramédicos resgatando uma vítima de acidente de trânsito. Mas o que chama sua atenção é o trabalho de dois homens filmando a cena e que seria veiculada na emissora de jornal que melhor pagasse pelo material. A partir daí, Louis Bloom percebe que pode fazer uma carreira de freelancer filmando acidentes graves para vender aos telejornais.
A trama de O Abutre é simples, mas seus temas são o que torna num filme grandioso. Trata de sensacionalismo, moral e ética. A sociedade do espetáculo através do sensacionalismo da imprensa, principalmente os telejornais que glamourizam e banalizam a violência, exibindo com pouca moderação as situações mais gráficas. Ao longo do filme a ética e a moral estão praticamente ausentes e são pouco debatidas, cabendo a um personagem dizer que isso é errado e o outro finaliza a situação com a ordem de por no ar e lidam com as consequências depois. Isso fica nítido quando a trama passa a abordar o evento “Casa dos Horrores”, quando ocorre um assalto de uma casa num bairro tranquilo.
Maquiavélico (em seu sentido pejorativo) é a palavra que melhor define o protagonista Lou Bloom. O personagem de Jake Gyllenhaal não tem pudor em mentir e manipular as pessoas, em alterar cenas de crime, em invadir o espaço pessoal das vítimas, filmando os ferimentos e o atendimento médico de muito perto, ou mesmo em se livrar dos concorrentes. Para ele, entregar o melhor material possível e receber o dinheiro para expandir os negócios é o que mais importa, mesmo que à custa de outras pessoas. No final do filme ele justifica suas ações afirmando que é um profissional.
Deve-se destacar a atuação de Jake Gyllenhaal, começando pela transformação visual. Ele está magro, com o rosto cadavérico, seus olhos são esbugalhados, adota uma postura corcunda e quase animalesca, seu tom de voz é sereno mesmo quando está irritado ou frustrado, é ótimo na argumentação. Ele cria um personagem único e domina o filme com sua presença.
Os outros personagens também possuem certo destaque. Nina, interpretada pela atriz Rene Russo, é semelhante ao Lou em alguns aspectos, ela quer o melhor material possível, mesmo que saia da área da ética. Nina é produtora de TV num telejornal pouco relevante de Los Angeles, então a personagem fica mais relutante quando se trata de cruzar essa linha moral. Já Rick, interpretado por Riz Ahmed, é o parceiro de Lou, mas fica alheio aos seus planos. Trabalha como o navegador de Lou e é o personagem com a bússola moral mais ‘correta’ do filme, questionando seu sócio quando a situação fica mais tensa.
Nos aspectos técnicos, o longa-metragem se passa majoritariamente à noite, com cenas muitas vezes escuras, mas a fotografia é muito competente em conseguir passar ao espectador a cena de forma compreensível. A direção de Dan Gilroy é ótima, mantendo a tensão alta e o ritmo bem balanceado, prendendo a atenção do público até os momentos finais.
O Abutre é um ótimo filme e merece mais reconhecimento. Ele usa o jornalismo como ferramenta para passar a mensagem, mas o personagem Louis Bloom é um exemplo de antiética que vale para várias profissões.