domingo, 1 de dezembro de 2024

Direitos Humanos em crise?

Publicado em 14 de dezembro de 2020, às 16:36

Denisson Gonçalves Chaves – Professor da Universidade Federal do Maranhão, Professor da UNISULMA, Pesquisador pelo NUPEJI

Imagem: Alesp

Dia 10 de Dezembro é data comemorativa do Dia Internacional dos Direitos Humanos, corresponde ao dia em que é comemorada a oficialização da Declaração Universal dos Direitos Humanos, instituída pela Organização das Nações Unidas, em 1946. Entretanto, os Direitos Humanos estão longe de serem um consenso, pelo contrário, são um tema em disputa, de maneira que não existe uma última palavra sobre o assunto. Nesse sentido, meu objetivo aqui é fazer você leitor (re)pensar os Direitos Humanos para além do senso comum.

Tentarei responder de maneira sucinta a três indagações: o que são os Direitos Humanos? Para quê e para quem eles servem? E por que os Direitos Humanos são tão criticados na atualidade?

Sobre a primeira pergunta: O que são os Direitos Humanos?, as respostas variam de acordo com o olhar de quem vai responder. Vou citar três olhares: o do filósofo, o do jurista e o do cidadão.

Se perguntarmos a um filósofo o que ele considera como Direitos Humanos, ele provavelmente responderá: são o conjunto de valores morais, éticos e sociais que os homens e mulheres compartilham racionalmente como fundamentais para sua proteção e preservação. O filósofo entende os Direitos Humanos como construções racionais e com conteúdo moral, isso significa que, independentemente de qualquer lei escrita, temos o dever de observá-los, pois decorrem de nossa “natureza” ou da “razão” humana, de modo que não podemos simplesmente rejeitar algo que faz parte de nós.

Por outro lado, se perguntarmos a um jurista (advogado, juiz, promotor etc), ele pomposamente responderá que se trata de um conjunto de normas internacionais de proteção de direitos das pessoas físicas contra arbitrariedades de outras pessoas. Para o jurista, as pessoas podem ser físicas ou jurídicas. As pessoas físicas também são chamadas de naturais, são seres humanos de carne e osso, que choram, sorriem, sentem frio e calor. As pessoas jurídicas são entidades fictícias que só existem nas normas jurídicas, como empresas, associações, sindicatos etc. Então, quando os juristas dizem que os Direitos Humanos são “normas internacionais de proteção das pessoas físicas […]”, eles querem dizer que essas normas que estão em tratados entre países protegem apenas as pessoas naturais (eu e você), não empresas ou sindicatos. Outro detalhe é que os Direitos Humanos nos protegem contra qualquer outro tipo de pessoa: seu vizinho, uma empresa ou, na maioria das vezes, contra o próprio Estado.

Por fim, e se eu perguntar para você: o que são Direitos Humanos? Você provavelmente vai ficar calado por uns segundos e vai lembrar dos noticiários. Não saberá responder muito bem, mas, no fundo, vai começar sua reposta com “São direitos das pessoas!”. Essa resposta pode parecer simples, mas não é. Pois quando dizemos que uma coisa é um direito, estamos assumindo vários pressupostos: quando você diz que tem um direito, significa que você tem a capacidade de pedir a alguém que faça ou deixe de fazer alguma coisa. Significa também que se essa outra pessoa fizer algo proibido ou deixar de fazer algo que lhe é obrigado, você pode reclamar ao Poder Judiciário que aplique a essa pessoa uma punição. Então perceba leitor, dizer que um direito existe significa também que existe mais de uma pessoa, que existe uma relação (dever) entre essas pessoas e que também existe um órgão (Judiciário) para fazer valer essa obrigação.

Assim, podemos concluir que Direitos não são apenas normas, são relações. E os Direitos Humanos são relações especiais. Isso nos leva à segunda pergunta: Os Direitos Humanos servem para quê e para quem?

É impossível apontar a função e os destinatários dos Direitos Humanos sem remeter a sua história. Trata-se da história de luta dos homens contra todas as formas de opressão que ele mesmo criou. Os primeiros direitos nomeados de Direitos Humanos surgiram em um combate do homem (sociedade) contra o Estado (monarca). No ocidente, o mundo passa por um desencantamento das explicações religiosas ou tradicionais da realidade. Não é mais possível justificar o governo de reis despóticos como sendo a vontade de Deus. Não é mais razoável tirar a vida de pessoas baseando-se em convenções sociais. A vida humana passa a ser vista como algo digno de ser protegido, por meio de leis e instituições.

Os primeiros Direitos Humanos tinham caráter proibitivo contra o Estado, de modo a proteger as pessoas de arbitrariedades cometidas pelos agentes estatais em sua posição de superioridade. Por exemplo, a proibição de ser condenado sem ser ouvido ou sem o direito de defesa, a proibição de o governante tirar a vida de um cidadão tão somente pela sua vontade pessoal ou a vedação de a polícia impedir um sujeito de andar livremente pelas ruas sem uma justificativa legal.

Com o passar do tempo, os Direitos Humanos foram se desenvolvendo e a visão de separação entre Estado contra sociedade foi sendo questionada, substituída pela ideia de Estado para sociedade. Nesse paradigma, novos direitos são incluídos, tendo como característica cobrar do Estado uma postura ativa de promover a dignidade e não apenas protegê-la. Surge, então, a obrigação de o Estado fornecer saúde e educação às pessoas e proteger grupos mais vulneráveis, tais como as pessoas com deficiência, gestantes, refugiados e indígenas.

Assim, podemos dizer que a função dos Direitos Humanos, ou seja, a resposta ao “para quê eles servem”, é proteger e promover a dignidade de homens e mulheres contra todas as formas de opressão, violência e desigualdade de tratamento que possam vir de outras pessoas, do Estado ou entidades (empresas, por exemplo).

Já seus destinatários somos nós: aqueles que precisam ter direitos reconhecidos para viver, seja material ou existencialmente. O fato de termos direitos das mulheres, dos negros, dos indígenas ou refugiados, não anula outros direitos, pelo contrário, corrobora para seu crescimento e efetivação. Um Direito Humano só alcança sua efetividade no momento em que ele está atrelado aos desafios reais e concretos das vidas humanas.

Por fim, quero pensar com você, leitor, o por que os Direitos Humanos são tão questionados na atualidade.

Primeiramente, as críticas aos Direitos Humanos estão presentes desde o seu reconhecimento. Não houve um direito que não tenha sido criado sem resistência e oposição. É que direitos são liberdades, e qualquer liberdade sempre desafia uma dominação. Os Direitos Humanos existem para desafiar e transformar a realidade por meio do exercício da autonomia dos indivíduos e grupos. Para que alguém seja livre, outra pessoa vai perder poder de comando, de opressão e de violência.

Ora, quando a pena de morte foi abolida em vários países, isso significou a perda do controle do Estado sobre a vida das pessoas. Quando as nações começaram a reconhecer que todos os homens e mulheres têm direito a um nome, os donos de escravos perderam espaço, lucro e poder. Quando os órgãos internacionais decidiram que as empresas devem tratar seus trabalhadores com dignidade a sua saúde física e mental, muitas delas ficaram insatisfeitas com a obrigação de ter que gastar dinheiro para adequar-se a essa nova realidade. Se os Direitos Humanos representam liberdade, significa que alguém perde domínio sobre o outro e isso gera uma tensão.

Nos dias de hoje, ouvimos frases como “Direitos Humanos são apenas para bandidos”. Essa é uma falácia perigosa. O simples fato de termos direito a uma certidão de nascimento com nosso nome, de sermos atendidos nos hospitais e de você estar lendo esse texto nesse exato momento, decorre do cumprimento dos direitos humanos. E penso que talvez você não seja um “bandido” ou pelo menos não goste de ser considerado como um, mesmo gozando desses direitos. Para vencer essa ideologia, primeiro é preciso enxergar e aceitar que somos privilegiados por muitos direitos humanos que não estão na mídia ou canais de comunicação, mas que nós usufruímos com tanta naturalidade que nem sequer nos damos conta. Segundo, é preciso ter em mente que os direitos humanos não podem fazer diferença de pessoas para oprimir, mas sim para libertar.

Outra crítica é que os “Direitos Humanos são meros discursos”, ou seja, que eles não são cumpridos. Essa crítica tem certo fundo de credibilidade. Mas os Direitos Humanos também são objetivos reais. Eles existem porque a realidade é desigual. Isso deve nos incentivar a buscar cumpri-los, não abandoná-los. Enquanto uma vida pode ser melhorada por meio deles, devemos lutar por esses direitos.

Não quero dizer que os Direitos Humanos não tenham críticas válidas contra si. Entendo que a mais fundamental delas é que eles devem se opor de maneira mais firme contra as injustiças sociais. Outra crítica razoável é até que ponto podemos confiar nos Estados para proteger, sozinhos, esses direitos.

Não obstante tais críticas, os Direitos Humanos são realidades concretas de nossas vidas. Eles são tão constitutivos de nossas existências, que seu valor se faz sentir na ausência. Talvez

seja por isso que sejam tão equivocadamente menosprezados. Se Walter Benjamin estiver certo ao dizer que na história da humanidade a barbárie é a regra, não a exceção, os Direitos Humanos não são apenas discursos, valores, ideologias, mas uma verdadeira necessidade.

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