Aquela era uma cidade tipicamente do interior. Os galos cantavam certinhos às cincos horas e o sino da velha igreja badalava, impreterivelmente, uma hora depois. É bem verdade que, quando ele tocava novamente, às 18 horas, derramava-se sob os acordes da Ave-Maria. Parecia-nos que não era o mesmo sino; este era mais plangente, mais melancólico, mais sofrido.
Sempre alimentávamos a impressão de que todos acordavam e se levantavam no mesmo instante. Era bom. Ninguém esperava o outro se levantar. Quantas vezes chegávamos à porta da rua, ainda se espreguiçando, e lá estava o outro, defronte, espreguiçando-se também.
Para as crianças, a primeira alternativa era, invariavelmente, a melhor. As histórias contadas, dramaticamente, pelas babás que, quase sempre, nos acompanhavam, naquele tempo, até à puberdade, geralmente eram de amedrontar. Eram histórias fantásticas relatadas à boca da noite, que mexiam com a nossa imaginação.
Algumas vezes esses relatos tinham o respaldo de toda a população local, recordo-me de um período, não muito longo, em que a população recolhia-se mais cedo, apavorada com um roçagar de asas enormes, que percorriam todas as ruas declinando um vocábulo ininteligível, repetindo três vezes antes de uma pequena pausa. Era um vocábulo que ninguém jamais conseguiu decifrar. A maioria jurava de pés juntos que aquele ser misterioso era uma alma penada.
Hoje eu olho, mentalmente, para trás, rasgando as brumas do tempo e me pego monologando: coitados dos adultos.
Sempre tão ingênuos e tão créditos! Algumas dessas figuras respeitáveis queridas do passado eram, porém, abundantes de sabedorias de vida, cujas reminiscências teimosamente persistem no meu presente. Uma dessas inolvidáveis figuras era dona Bilu. Nunca soube qual seu verdadeiro nome. Acho que só ela mesmo sabia.
Estatura mediana, aparentando seus 40 anos, vida simples, mas nada faltava em seu lar, apesar da viuvez precoce. Todos os meninos da redondeza queriam ser seus filhos.
Recordo-me de uma cena: chovia torrencialmente. A molecada correu para o prazeroso banho de bica.
– Meninos! Tá chovendo! Vocês não veem que vão pegar um resfriado? Mas, se quiserem tomar banho assim mesmo, podem tomar!
Os gritos de Alegria que pareciam vir alma foram a resposta da criança.
Um dia, ou melhor, uma noite, dona Bilu recolheu-se, sim, mais cedo. Pensava nos filhos distantes, cujas férias escolares os levaram à capital.
Fechou cuidadosamente as portas e janelas da casa antiga. Deitou-se, já sonolenta e fatigada, e prontamente adormeceu.
Lá para as tantas da noite, percebe pisadas no seu quarto.
Não obstante imóvel, divisou, coração aos saltos, um vulto que se movimentava no ambiente. Procurando aparentar desconhecimento da realidade, dona Bilu bocejou languidamente e, como se falasse para si mesma, balbuciou em voz audível:
– Ó meu Deus! Já hoje estou meio sem sono, permita-me que eu aproveite este silêncio para rezar por este ser humano que está apavorando esta cidade, trazendo intranquilidade às famílias e que todos, quando a ele se referem, chamam-no de ladrão.
Quem sabe, Senhor, ele não seja uma pessoa má? Quem pode garantir que ele teve o aconchego de um colo materno durante a infância? Quem lhe compartilhou das dúvidas e questionamentos tão comuns da adolescência? Será que alguém já se lembrou de lhe pedir por ele?
Um Pai-Nosso cadenciado ecoou sutilmente do aposento. O amém foi seguido de um ranger de porta, que se abriu para dar passagem àquele desconhecido.
A primeira claridade do sol encontrou dona Bilu certificando-se de que nada lhe fora subtraído.
“Quero me regenerar. Não vou mais ser causa de tantos desgostos. Deus vai me ajudar. Agradeço à senhora que rezou por mim. Deus”
E nunca mais se ouviu falar do ladrão.
Diante dos desajustes comportamentais e das opções terapêuticas disponíveis, relembremos os ensinamentos do CRISTO, os quais transcendem ao espaço-tempo e se prestam , tanto nos dias atuais quanto no pretérito, a solucionar todas as necessidades e carências espirituais da humanidade.
SOBRE A AUTORA – Maria Helena Ventura Oliveira, primeira assistente social a chegar a Imperatriz, sempre trabalhou na área da Saúde Municipal e Estadual, onde ocupou vários cargos de coordenação e diretoria.
Fundou várias obras filantrópicas na cidade.
Criou e apresentou o programa radiofônico “Além da Vida”, na Rádio Imperatriz e o televisivo “Novo Tempo”, na TV Capital.
Palestrante sobre temas de autoajuda em escolas, para alunos, e para funcionários em empresas.
Publicou artigos no Jornal Capital, coluna O Consolador, bem como crônicas e ensaios no Jornal O Progresso. Publicou o livro: “ A Comunidade Pesqueira de Plataforma”.
A Prefeitua Municipal de Imperatriz a homenageou com o título de “Cidadã Imperatrizense” e a “Comenda Frei Manoel Procópio”.
É membro da AIL – Academia Imperatrizense de Letras.