10 de agosto: nascimento de Gonçalves Dias
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Foi em um mês de julho que um jovem poeta, em 1843, fez (ou datou) sua mais conhecida composição: a “Canção do Exílio”. Sim, é aquela poesia que, se alguém disser “Minha terra tem palmeiras”, é quase certo que outra pessoa, ouvindo, completará, no silêncio da mente ou audivelmente: “Onde canta o sabiá”.
Das poesias mais populares que se possa lembrar (quais são?), a “Canção do Exílio” é a que logo é lembrada. Parece até que, “ab initio”, desde a formação embrionária do ser humano, em um dado momento lhe é inserido um neurônio ou grupo deles com versos dessa “Canção”. Já fiz palestras, discursos, participei de conversas em eventos em capitais e dezenas de municípios de 18 Estados e, em momento apropriado puxo assunto, refiro-me a Caxias e confirmo: a “Canção do Exílio” é conhecida de todos. É a canção “de fora” mais interna ao solo e ao sentimento pátrio, brasílico. A “Canção do Exílio” é a “Canção do Brasil”.
Embora não seja uma medida científica — de todo modo dispensável –, mas uma simples consulta por meio de um serviço de busca na rede mundial de computadores (Internet) diz um pouco da força desse poema, inclusive comparado a outro de muitas referências — “No Meio do Caminho”, de Carlos Drummond de Andrade. Por exemplo, à zero hora de 1º de agosto de 2020, no “site” do buscador mais acessado do mundo, o Google, a expressão “No meio do caminho tinha uma pedra” estava com 50.700 registros. A expressão “Minha terra tem palmeiras” aparecia 62.700 vezes, e “Canção do exílio”, 147.000 vezes. A frase “No meio do caminho” aparece 7,7 milhões de vezes, com certeza por ser expressão de uso comum, inclusive em sentido figurado, com o sentido de “no percurso da vida / de um tempo / de algo”, ou “durante o decorrer de algo / do tempo / da vida” etc.), De qualquer modo, em todos os casos, nem sempre as expressões “No meio do caminho tinha uma pedra”, “No meio do caminho”, “Canção do exílio” e “Minha terra tem palmeiras”, devidamente aspeadas, referem-se aos títulos e/ou versos dos poemas do escritor maranhense e do escritor mineiro. Aqueles números, pois, considere-se uma curiosidade, um “divertissement”.
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Nascido no dia 10 de agosto de 1823, o caxiense Antônio Gonçalves Dias ainda não completara 20 anos quando, em julho de 1843, teve à frente de seus olhos, feita, a “Canção do Exílio”. Três anos depois, de volta ao Brasil, agora morando no Rio de Janeiro (RJ), Gonçalves Dias fica sabendo, em agosto de 1846, que já está em fase de provas, na tipografia dos irmãos Laemmert (Eduardo e Henrique), o seu primeiro livro, não sem razão “Primeiros Cantos”. E neste livro primeiro, o canto primeiro é uma canção — a “Canção do Exílio”, que é, sem favor, a canção do Brasil, tal o modo como naturalmente “grudou” na alma e na memória dos brasileiros, em especial o primeiro quarteto e, neste, os dois primeiros versos: “Minha terra tem palmeiras, / Onde canta o Sabiá”.
Registre-se que, antes de desembarcar no Rio de Janeiro, em 7 de julho de 1846, Gonçalves Dias, pode-se dizer assim, matou a saudade de sua terra natal, o Maranhão, pois, tendo saído de Porto (Portugal) em janeiro de 1845, chegou aos primeiros dias de março a São Luís, sendo recebido e hospedado pelo seu maior e melhor amigo Alexandre Teófilo de Carvalho Leal… e já no dia 6 daquele mês viajou para Caxias, onde ficou na casa da sua madrasta. Enquanto em Caxias, por cerca de dez meses, prestou alguns serviços profissionais, fez algumas declamações e vivenciou algumas chateações… Decide retornar a São Luís, o que ocorre em janeiro de 1846, sendo novamente acolhido por Alexandre Teófilo, que mais tarde providencia para o Poeta, por meio de autoridade estadual, a passagem para o Rio de Janeiro, dia 14 de junho daquele ano.
Ressalte-se que foi em seu período de permanência em Caxias que Gonçalves Dias começou a escrever, em junho de 1845, seu livro “Meditação”, que teve partes publicadas em jornal, em 1850. “Meditação” é um diálogo entre um velho e um jovem, uma explícita crítica política e social a diversos aspectos do Brasil daqueles meados do século 19, entre os quais a escravidão.
Em “Meditação”, conforme desde 2017 já escrevi e publiquei em jornais, livro e meios digitais, há parte de uma fala do ancião que trata de “ordem e progresso” (Capítulo Terceiro, XII): “E não pelejais por amor do progresso, como vangloriosamente ostentais. // “Porque a ORDEM E PROGRESSO são inseparáveis: — e o que realizar uma obterá a outra.” (Destaque meu).
Isso foi escrito em 8 de maio de 1846, seis anos antes da publicação, em 1852, do livro “Système de Politique Positive”, de Auguste Comte, onde o tema/lema “ordem e progresso” retorna e é posteriormente apropriado pelo filósofo, matemático e escritor caxiense Raimundo Teixeira Mendes no seu projeto da Bandeira do Brasil, entregue por ele no dia 19 de novembro de 1889 e adotado pelos marechais da recém-nascida República brasileira, proclamada quatro dias antes, em 15 de novembro.
O “LOCUS” — TERRITORIAL E ANÍMICO
O ambiente espaço-temporal onde foi escrita a “Canção do Exílio” é, o ano, 1843, e o lugar, Coimbra, uma das mais antigas cidades da Europa, fundada em 1111, mas existente como Condado de Coimbra desde o ano 871.
Desde 1840 Gonçalves Dias estudava na Universidade de Coimbra (fundada em 1290). Em 1842 ele dividia com amigos o número 5 da Rua de São Cosme. Depois, nesse mesmo ano, mudou para o número 170 da Rua de São Salvador, na região da Sé Nova, onde está a Universidade de Coimbra e sua Faculdade de Direito, curso que o caxiense concluiu. Somente em outubro de 1843 Gonçalves Dias voltou a trocar de endereço, para morar com amigos na Rua do Correio, número 60.
Então, em julho de 1843, quando compôs a “Canção do Exílio”, o caxiense morava na Rua de São Salvador. Perto dessa rua também passa o rio Mondego, de 258 quilômetros, que é o Itapecuru de Portugal, ou seja, é o maior rio genuinamente português, como o Itapecuru, com 1.041 km (quatro vezes a extensão do Mondego) é o maior entre os que nascem e desaguam dentro do território maranhense. (Mondego vem de “Munda”, palavra latina que significa “puro”, “transparente”, e foi o nome que os romanos deram ao rio, que devia ser bem limpo, no início da Era Cristã, quando César Augusto, fundador do Império Romano, fundou a cidade, com o nome “Aeminium” (Emínio = “elevação”, em Latim), na área da atual Coimbra).
Claro, não se sabe onde exatamente ocorreram os processos de inspiração, reflexão, elaboração, reelaboração e a forma final da “Canção do Exílio”. Foi um Gonçalves Dias observando o rio Mondego mas olhando mais para dentro de si? Ou foi andando da Rua de São Salvador e passando por diversas quadras até a Universidade ou por uma dúzia de quarteirões, mais ou menos, até o rio? Ou foi no quarto, na residência da estreita Rua de São Salvador, quem sabe no silêncio da noite ou em meio a algazarras de colegas e amigos jovens, bons maranhenses, que tanto tinham apreço pelo Poeta e que o convidaram para morar com eles e lhe custearam despesas? Ou foram pedaços de tudo isso “y otras cositas más” que nós, os que escrevemos, sabemos como “a coisa” é mas não sabemos como se explica — se é que tem explicação…?
Esses processos criativos dão-se pelo cultivo de áreas no imenso latifúndio da mente. Não há, lamentavelmente, quiçá, uma disciplina ou estudo chamado Etiologia Poética, que pesquise e determine causas, origens, princípios, razões do fazer literário, poético sobretudo, e de tudo o mais antes e depois disso — lembrando que, além da desnecessidade de explicações, na arte de escrever com arte, a última coisa que se faz é… escrever.
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(Trechos do livro “A CANÇÃO DO BRASIL”, de Edmilson Sanches. Interessados em adquirir exemplares desse e de outras obras do autor, contatem por e-mail ([email protected]) ou página de Facebook / Instagram / X-Twitter)
EDMILSON SANCHES
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