Iniciei meus estudos no Centro de Ensino Número 2, no Gama, cidade satélite situada nos entornos de Brasília. Foi ali, acredito eu, que começou minha paixão pela literatura. Uma vez por semana – sempre no final da tarde e sempre de mãozinhas dadas – os alunos e alunas eram levados para uma sala onde havia um aparelho de televisão grande (para os padrões da época). Era ali que, embevecidos, assistíamos a um episódio de O Sítio do Pica-Pau Amarelo, adaptado da obra de Monteiro Lobato. Aquele era um momento mágico na vida daquela garotada se começava a decifrar as primeiras letras e a perceber que uma história pode ser contada de várias maneiras.
Anos depois, fui um dos primeiros moradores do Parque Estrela D’Alva, que então era um loteamento situado cerca de trinta quilômetros da cidade de Luziânia, em Goiás. Na pequena escola do bairro aprendi muito, li bastante, entrei pela primeira vez em contato com a figura da morte de uma colega de classe e comecei a me apaixonar pela escrita, pela leitura pela história e pela matemática.
Quando terminei todas as séries que eram ofertadas naquela escola, fui matriculado no colégio Alceu de Araújo Roriz, na sede do município. Da minha casa para o colégio era uma distância enorme, que era percorrida parte a pé, parte de ônibus. Foi nessa época que adquiri um hábito que me acompanhou por todo o restante da vida escolar: assim que minha família comprava os livros didáticos indicados pela escola, eu os lia integralmente e respondia a todos os exercícios que eu conseguia compreender.
Foi em uma situação como essa que entrei em contato com os textos de Fernando Sabino. Os livros didáticos daquela época traziam uma boa quantidade de textos dos bons autores de nossa literatura. Dessa forma, entrei em contato com a escrita de Cecília Meireles, Mario Quintana, Lourenço Diaféria, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz, Vinícius de Moraes e Paulo Mendes Campos, entre outros.
Aqueles textos, para uma criança de minha idade, eram enormes. Alguns ocupavam duas ou três páginas, quase sempre com belas ilustrações. Um deles chamou minha atenção por causa da leveza de uma escrita feita para ser entendida por qualquer pessoa que aceitasse ler ou ouvir aquela narrativa. O título era A última crônica, a história de um homem que entrava em um bar e ali encontrava uma família carente comemorando o aniversário de uma criança. Lembro-me que lemos a crônica inteira em voz alta, seguindo o ritmo e as entonações da professora. Eu já havia lido o texto em casa, mas ele parecia ainda mais belo quando lido e explicado em sala de aula.
No ano seguinte, li o engraçadíssimo texto intitulado O homem nu, que, apesar de o título sugerir, não trazia em seus parágrafos nada que pudesse causar constrangimento a professores e alunos. A partir daí, passei a folhear os livros em busca dos textos assinados por Fernando Sabino. Foram vários. Vários.
Porém, tudo o que eu sabia sobre Sabino eram os pequenos trechos biográficos que apareciam em um box colorido logo após as crônicas. Sabia apenas que ele era mineiro, que havia nascido no dia 12 de outubro de 1923 e que era autor de muitos livros, como, por exemplo, O encontro Marcado, O homem nu, Deixa o Alfredo falar e O grande mentecapto, entre outros. Quando, anos depois, voltei para a minha terra natal e fui estudar na antiga Escola Técnica Federal do Maranhão (hoje IFMA), tive a sorte de ter minha sala de aula situada exatamente ao lado da antiga biblioteca da Instituição. O sinal tocava e eu logo me dirigia para aquela sala repleta de livros. Foi ali que, além de entrar em contato com outros autores, pude entrar em contato com os livros de Fernando Sabino.
Li com atenção o dramático O encontro marcado e nessas páginas descobri um Fernando Sabino como personagem ensimesmado, cheio de dúvidas e de angústias. Diverti-me bastante com O grande mentecapto, notável história de Geraldo Viramundo, uma espécie de Dom Quixote em seu périplo pelas cidades de Minas Gerais. Anos depois, já como aluno do curso de Letras da Universidade Federal do Maranhão, fiz um estudo sobre esse livro e aprofundei o trabalho quando fiz pós-graduação na PUC-MG.
Diversas vezes, indiquei livros de Fernando Sabino para meus alunos, como é o caso de O outro gume da faca, Duas novelas de amor, O menino no espelho e Aqui todos nus. Gostei muito quando Sabino reescreveu o clássico Dom Casmurro, sob o título de O amor de Capitu, no qual a alteração do foco narrativo altera a percepção do leitor com relação ao famoso enigma literário brasileiro. Também achei interessante quando Fernando Sabino fez uma leitura de partes dos Evangelhos com ênfase nas passagens em que Jesus Cristo expressa alguma forma de humor. Esse livro, intitulado Com a graça de Deus, oferece grandes possibilidades de leitura sem ofender a fé e os sentimentos das pessoas fiéis aos preceitos bíblicos.
Li também a pequena biografia sobre Fernando Sabino escrita por Arnaldo Bloch e muitos textos autobiográficos, como é o caso de O tabuleiro de damas. Jamais consegui entender o clamor de alguns “críticos” contra o livro Zélia, uma paixão, no qual o autor mineiro traça um perfil biográfico da ex-ministra Zélia Cardoso de Mello. A partir desse livro, publicado em 1991, muitas pessoas deixaram de admirar o talento literário de Sabino e se fixaram apenas nesse livro, mesmo que alguns nunca tenham lido nenhuma página desse trabalho. Parece que houve um esforço conjunto em destruir literariamente um dos mais importantes escritores do século XX.
Importante também lembrar que Fernando Sabino muito contribuiu para a crítica e para a historiografia literária brasileira ao reunir e publicar diversas correspondências entre ele e diversas personalidades da cultura brasileira, com destaque para o livro Cartas perto do coração, no qual reúne as cartas trocadas entre ele a uma de suas grandes amigas, a escritora Clarice Lispector. Nesse mesmo ritmo, deixou para o público Cartas na Mesa, um compilado de missivas trocadas com três de seus principais companheiros de viagens literárias: Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos. Um documento histórico!
Há aproximadamente 20 anos – no dia 11 de outubro de 2004 – o grande escritor fez sua viagem definitiva rumo ao além. Mas deixou-nos um grande legado em forma de livros com temáticas diversas. Um dia desses, adquiri os três volumes da Obra Reunida de Fernando Sabino, publicados em 1996 pela editora Nova Aguilar. O preço estava bom, mas, pelo que percebi, boa parte dos novos leitores já não conhecem a obra e nem se apercebem da importância de Fernando Sabino para a formação leitora de muitas pessoas de minha geração.
De minha parte, continuo admirando aquele escritor que ilustrava as páginas de meus livros didáticos no início da década de 1980. Sempre que posso, retorno a seus textos e percebo que, pelo menos para mim, ele continua sendo uma de minhas grandes paixões literárias.