Há poucos dias tive a oportunidade de realizar um antigo desejo de infância, até então impossível: assistir meu filme favorito do Harry Potter no cinema. Quando estreou, há exatos 20 anos, acompanhar um lançamento nas telonas era um luxo inalcançável para a minha realidade.
Hoje, já adulta, pude me dar o privilégio que meus pais, na época, não puderem. Mas nesses 20 anos de lançamento de Prisioneiro de Azkaban, muita coisa mudou, entre eles, a minha admiração pela autora, J.K. Rowling.
De criadora de um dos mundos fantásticos mais amados da literatura, J.K. passou a persona non grata dos próprios fãs ao se mostrar, orgulhosamente, transfóbica, com falas e posições extremamente preconceituosas, que nada combinam com o universo que ela mesma criou.
Então, como continuar a amar uma obra e não seu criador? É possível separar um do outro?
Como escritora, sempre afirmo, toda obra leva um grande pedaço de seu criador. Mesmo que a história seja irreal e totalmente fora da sua realidade, as páginas fantásticas e absurdas vão está repletas da sua essência, e, para mim, parece impossível não transpor parte dos seus ideais e crenças para as páginas do papel.
Há quem deixe de consumir completamente produções de determinados artistas e há quem ignore por completo a existência do artista para poder apreciar sua obra, quando ela não reflete a postura de seu criador. Entre os fãs de Harry Potter se encontram os dois.
Eu, particularmente, já deixei de consumir obras de artistas até então amados por posturas criminosas, como, por exemplo, violência doméstica; por declarações preconceituosas; e sim, também por divergência na postura política.
Há momentos em que, por mais que desejemos separar criador de criação, se torna impossível ignorar que ali ele está: em cada letra, cada melodia, cada pincelada. E há momentos em que a arte e o seu impacto, se torna muito maior do que aquele que o criou, e suas falhas.
Não há resposta certa ou errada. Mas é reconfortante, como artista e como consumidora, saber que o público tem cada vez menos tolerado comportamentos errôneos dos criadores, em favor da arte e do entretenimento, e pautando, cada vez mais, que as obras reflitam respeito, tolerância e representatividade.