Ganhou repercussão no noticiário nacional dos últimos dias, o caso de um homem encontrado morto, já em estado de decomposição considerável, na cidade do Rio de Janeiro/RJ. A vítima se chamava Luiz Marcelo Ormond, supostamente assassinado após ingerir um “brigadeirão” envenenado. Júlia Andrade Chatermol Pimenta, então namorada da vítima, desponta como principal suspeita do provável crime[i].
Este texto busca informar, trazendo informações técnicas e acessíveis sobre temas relacionados ao Direito, com destaque para as Ciências Criminais. Papel que também desempenho nas redes sociais (https://www.youtube.com/@INFORMARDIREITO), só que no formato de vídeo.
Dessa forma, vale alertar que não obtive qualquer contato direto ou indireto com os elementos de informação, porventura, coletados pelo Sistema Penal sobre o caso acima. Pretendo discorrer sobre o tema de forma genérica e abstrata, especialmente para contribuir com prováveis discussões sobre fato tão trágico e intrigante.
Assim, se as informações dadas pela mídia comercial forem corroboradas em juízo[ii], provavelmente, será demonstrado que a Luiz foi vítima do chamado crime de venefício, que nada mais é do que o homicídio qualificado pelo emprego de veneno.
Inicialmente, faz-se interessante pontuar que o crime de homicídio (art. 121 do Código Penal) inaugura a Parte Especial desse diploma legal, sendo, portanto, o primeiro crime em espécie também do Título referente aos crimes contra a pessoa e do capítulo atinente aos crimes contra a vida.
Num segundo momento, deve-se reforçar que o homicídio, conforme a estrutura recebida pelo Código Penal, pode apresentar-se na forma simples (caput), na forma privilegiada ou com causa especial de redução de pena (§1º), na forma qualificada (§2º) e na forma culposa (§3º).
As consequências jurídicas variarão bastante, a depender do tipo de homicídio que se está falando. Ilustrando: em regra, o chamado homicídio simples (caput) não é considerado hediondo. Entretanto, toda forma qualificada de homicídio sempre será tratada como hedionda pela Lei nº 8072/1990 (merecendo um tratamento jurídico-penal mais gravoso por parte do Estado).
Dizer que um crime de homicídio é qualificado, noutras palavras, significa apontar que algumas circunstâncias (objetivas ou subjetivas) se fizeram presentes no caso concreto. Mas não são meras circunstâncias. Elas possuem potencial para alterarem, de forma considerável, o preceito secundário de um crime.
“Circunstâncias são dados, fatos, elementos ou peculiaridades que apenas ‘circundam’ o fato principal. Não integram a figura típica, podendo contribuir, contudo, para aumentar ou diminuir a sua gravidade. As circunstâncias podem ser objetivas ou subjetivas. Objetivas são as que dizem respeito ao fato objetivamente considerado, à qualidade e condições da vítima, ao tempo, lugar, modo e meios de execução do crime. E subjetivas são as que se referem ao agente, às suas qualidades, estado, parentesco, motivos do crime etc” (Bittencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. V. I. São Paulo: Saraivajur, 2023, p. 473).
Logo, uma vez demonstrado que o crime de homicídio foi praticado de maneira mais cruel ou com modo mais sub-reptício ou até mesmo nos casos de feminicídio, para citar alguns exemplos, o autor do crime, ao invés de se sujeitar a uma pena de 06 a 20 anos de reclusão (art. 121, caput, do CP), responderá pela forma qualificada, e, com isso, sujeitando-se a uma pena de 12 a 30 anos de reclusão (art. 121, §2º, do CP).
É o que ocorre na hipótese do venefício, um meio de execução insidioso por natureza, isto é, traiçoeiro, pérfido, falso e traidor. A vítima não desconfia que está sendo envenenada, mas por confiar no autor do crime, ela aceita e consome o produto ou alimento fatalmente adulterado. A vítima, portanto, é pega de surpresa e sofre além do necessário, até que o óbito se confirme.
“O autor do venefício é quase sempre uma pessoa próxima da vítima (descendente, cônjuge, irmão ou irmã), ou médico, ou enfermeira etc., que invés de ‘curar’ ou de ‘tratar’ do enfermo usam de veneno, muitas vezes lentamente” (Alves, Roque de Brito[iii]).
O autor desse tipo de crime, geralmente, organiza, minuciosamente, cada etapa da sua empreitada ilícita. Agindo, indiscutivelmente, com conhecimento acerca das próprias condições físicas da vítima, ou seja, o autor do crime sabe que tipo de produto ou substância pode ser potencialmente mais letal para a vítima que busca executar.
Concluindo, o Código Penal adota um conceito ampliado de veneno, sendo então “[…] definido como qualquer substância, química ou não, que pode ferir ou matar quando inoculada no organismo humano” (Masson, Cleber. Código Penal Comentado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016. p. 402).
Diante das poucas informações divulgadas sobre o suposto venefício de Luiz, eram essas as breves considerações que eu gostaria de trazer para o público e para o debate, merecendo nota o fato de que é muito cedo para se tomar qualquer conclusão como irrefutável. Afinal, o processo penal sequer foi instaurado para apurar as responsabilidades criminais do(s) envolvidos com a morte da suposta vítima de venefício.
[i] Júlia é considerada como foragida do Sistema Penal, considerando que a sua prisão cautelar foi decretada judicialmente. Até o fechamento deste texto (04/06/2024), Julia seguia foragida. Fonte: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/06/03/brigadeirao-depoimento-suspeita-morte-empresario-rio-de-janeiro.htm
[ii] Fonte: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/06/04/brigadeirao-mulher-comprou-remedio-em-farmacia-com-receita-diz-testemunha.htm
[iii] Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://portal.tjpe.jus.br/documents/420025/3578879/A+Hist%C3%B3ria+do+Homicidio+por+Veneno.pdf/131e1e83-fce1-be15-d201-6ca4355cc2b0