segunda-feira, 14 de outubro de 2024

ARTIGO DE SEGUNDA #34 – A SEARA POÉTICA DE FERNANDO VIANA

Publicado em 22 de abril de 2024, às 18:10
Fonte: José Neres – Professor. Membro da AML, ALL, APB e da Sobrames-MA
Imagem cedida pelo autor.

O médico, professor, político e poeta Fernando Viana (1904-1983) é um dos grandes nomes da Literatura Maranhense do século XX. Sua obra, embora não seja muito extensa, apresenta inegável valor estético.

Em 1945, o escritor reuniu seus poemas e publicou “Folhas Soltas”, livro no qual, segundo o crítico literário e professor Carlos Cunha, em As Lâmpadas do Sol, “Fernando Viana capta os mais contraditórios contornos da existência humana”. Décadas depois, em 1979, o poeta ribamarense publicou o livro “Seara”, no qual estão enfeixados os poemas escritos e guardados desde a publicação de sua obra de estreia.

A partir do ano de 1962, Fernando Viana começou a escrever uma série de poemas descrevendo “em leve tom de troça”, conforme ele mesmo disse, algumas personalidades da vida literária maranhense, principalmente os membros da Academia Maranhense de Letras. Para evitar melindres e atritos desnecessários, o poeta decidiu não publicar o trabalho, o que foi feito postumamente pelo crítico e pesquisador Jomar Moraes, que, em 1991, trouxe à luz o livro intitulado “Passarela & Outros Perfis

A paixão pelo poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage fez com que Fernando Viana se debruçasse sobre a vida e a obra do principal represente do Arcadismo em Portugal e daí surgisse o livro-ensaio “Bocage – uma vítima de sua época”.

Dono de um estilo que mesclava as formas clássicas do soneto e das baladas com temas oriundos do cotidiano e da observação atenta da realidade circundante, Fernando Viana – que também assinava seus textos com o pseudônimo de Feliciano Ventura – tinha um vocabulário refinado e de um gosto pela metrificação regular com esquemas fixos de rima. Tudo isso mesclado com certa facilidade para fazer descrições poéticas que oscilavam entre um olhar irônico sobre as coisas do mundo e uma percepção bastante crítica com relação às questões sociais.

Em seu livro “Seara – Versos de Ontem” (SIOGE, 1979, 40 páginas), o poeta passeia por diversas temáticas e se inspira nos detalhes muitas vezes imperceptíveis para a maioria das pessoas, mas que podem render bons textos quando são trabalhados pelas mãos hábeis de um poeta, como é o caso do poema “O pequeno tísico”, no qual o eu lírico comenta o falecimento de um garoto acometido pela tuberculose, conforme pode ser visto abaixo:

Eu sempre o via, pálido e abatido,

a sorver do infortúnio a acerba taça,

lançando seu olhar fundo e comprido

às crianças brincando pela praça.

Menino ele também – e ali tolhido

ao jugo inexorável da desgraça,

via-o sempre à janela, sucumbido

e tristonho, a espiar pela vidraça!

Hoje, entanto, o não vi… Na casa aberta

oiço prantos… e, à angústia que me aperta,

num gesto maquinal tiro o chapéu…

Pobre garoto! Até que fim quebrada

a corrente da vida amargurada,

foi brincar com as crianças que há no céu. (pág. 25)

De cada um dos poemas do livro é possível tirar algumas reflexões acerca dos inúmeros sentimentos que advêm da incompletude humana e das necessidades que nem sempre podem ser satisfeitas, ou mesmo compreendidas.

Fernando Viana, seja como médico, seja como professor, político ou poeta, teve importante atuação na atmosfera cultural do Maranhão. Ele fez parte do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e da Academia Maranhense de Letras, onde ocupou a cadeira de número 2, fundada por Domingos Barbosa e patroneada por Aluísio Azevedo. Com o falecimento do poeta, em 1983, foi eleito para sucedê-lo na AML o seu filho, o romancista Waldemiro Viana.

Uma boa opção para conhecer um pouco mais do estilo, das obras e do estilo de Fernando Viana é ler o soneto F. V., que se encontra no livro “Passarela & Outros Perfis”, (pág. 41), transcrito a seguir:

Depois de haver soltado as suas folhas,

Este os portões varou da Academia,

E. pilhado lá dentro, encheu de rolha

Os vidrinhos da anímica poesia.

É que, então, resguardado nas encolhas

Do cartaz de imortal, que ele queria,

Notou que as suas folhas eram bolhas

Que o sol arco-irisava e coloria…

Foi jornalista e deputado. É médico,

E, por crer-se, talvez, enciclopédico.

Bota banca de mestre e diz que é lente…

Perpetra uns trocadilhos indigestos

E anda em sonetos malversando os restos

De uma culturazinha intermitente…

Uma resposta

  1. Um texto maravilhoso. Nos leva a conhecer nossos poetas que com muitas obras de suma relevancia, muitas vezes passam desapercebidos.

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