Conhecida por sua atuação como Policial Militar do Estado do Maranhão e também como celebridade, especialmente no âmbito das redes sociais, Sabrina Silva teve a sua prisão temporária efetuada no dia 28/02/2024, pela suposta prática de homicídio qualificado da vítima Marcos Vinicius[i].
O fato (suposto homicídio qualificado), tal qual reportado pelo noticiário, teria ocorrido no município de Governador Edson Lobão, no dia 25/02/2024, após Marcos, que se encontrava empinando uma motocicleta, ter descumprido ordem de Sabrina para que parasse. Durante a fuga, Marcos foi alvejado com um tiro fatal em suas costas[ii].
A morte de Marcos, conjugada com a fama de Sabrina, conhecida por divulgar marcas e gravar vídeos pretensiosamente engraçados, causou alguma comoção nas redes sociais, opondo grupos favoráveis e contrários à prisão imediata da policial militar. Assim, após requerimento do Ministério Público, o Poder Judiciário decretou a prisão temporária de Sabrina, pelo prazo inicial de 30 dias, já que pode ser prorrogado por igual período, desde que devidamente justificada a extrema necessidade dessa prorrogação[iii].
Essa prisão significa que Sabrina será obrigatoriamente condenada pela prática do crime de homicídio qualificado de Marcos? A resposta só pode ser negativa. Afinal, ao trazer algumas informações sobre a temporária, este texto servirá também para instruir o público do site sobre as diferenças entre prisão-pena e prisão cautelar.
Vale observar que não consultei os autos da investigação deflagrada para apurar os fatos que cercam a morte de Marcos. Este texto possui caráter informativo, não tendo a presunção de servir como elogio ou crítica à atuação do Sistema Penal nesse específico caso retratado.
Busca-se, novamente, reforçar a defesa do Estado Democrático de Direito, fazendo resistência ao discurso pouco reflexivo da massa (por vezes manipulado pela mídia comercial), quanto ao uso espetacularizado, autoritário e ilegal das prisões cautelares como mecanismos de antecipação de pena.
A prisão-pena é aquela imposta em sentença ou acórdão condenatório irrecorrível. Ou seja, em decisão judicial condenatória pela prática de crime não mais passível de sofrer alteração por qualquer via recursal. Essa decisão imutável, portanto, deve condenar o réu a cumprir pena privativa de liberdade. Logo, esse tipo de prisão requer a deflagração de um processo penal, no bojo do qual, a responsabilidade criminal do acusado pelo crime restou devidamente comprovada, justificando o seu apenamento, nos termos previstos pela legislação.
A prisão de Sabrina, por óbvio, não é de natureza penal (não se trata de uma pena). Afinal, até onde se sabe, o Ministério Público ainda trabalha pela obtenção de mais elementos de informação suficientes para o eventual oferecimento de denúncia (nome dado à peça inicial da ação penal pública): “Art. 41 do Código de Processo Penal – A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”[iv].
Ora, considerando que o inquérito policial instaurado pela Polícia Civil se encontra bem no início, dependendo do conjunto de informações coletadas, o Ministério Público pode oferecer denúncia por crime de homicídio doloso (simples ou qualificado), por crime de homicídio culposo, por crime de outra natureza e até mesmo pedir o arquivamento do referido procedimento administrativo (opção que não parece factível em relação ao caso). Em síntese, há muito chão a ser percorrido até que o provável processo penal chegue ao seu deslinde.
Sabrina, porém, está presa a título de prisão temporária. Trata-se de uma das espécies de prisão cautelar ou processual reconhecidas pelo ordenamento jurídico. Mas o que se entende por uma prisão processual ou cautelar? É o decreto prisional emitido pelo Poder Judiciário, sempre de forma escrita e fundamentado na presença de elementos concretos que apontem para o perigo, proporcionado pela liberdade do investigado ou do acusado, à investigação preliminar ou ao processo penal. É um tipo de prisão instrumental ao processo penal ou à investigação, mas desprovido da condição de pena. Assim, a prisão cautelar pode ser decretada na fase de investigação preliminar e durante o processo, porém jamais após o trânsito em julgado da condenação. Enquanto gênero, a prisão cautelar possui duas espécies: a preventiva[v] e a temporária.
No caso da policial militar Sabrina, sua prisão é conhecida como temporária. Tem previsão legal na Lei nº 7960/1989, só admitindo cabimento no curso de investigação preliminar (inquérito policial ou investigação conduzida pelo próprio Ministério Público, por exemplo).
Envolta em polêmica desde à sua origem[vi], a prisão temporária traz consigo a máxima do “prender para apurar” (ou prendo primeiro, investigo depois) quando, em se tratando de Estado Democrático de Direito, a lógica inversa deveria ser aplicada.
Entretanto, em decisão questionável[vii], o Supremo Tribunal Federal, ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 3360 e 4109/DF, decidiu que a prisão temporária é compatível com a ordem constitucional vigente, desde que o decreto prisional: “(i) indique a presença de elementos concretos indicando sua necessidade cautelar (insuficientes meras conjecturas); (ii) não sirva de instrumento para averiguações, a fim de forçar o investigado a prestar declarações em sede policial, ou pelo simples fato de ele (suspeito) não ter residência fixa; (iii) se mostre contemporâneo, proporcional e demonstre a excepcionalidade da medida; (iv) justifique a impossibilidade de decretação de medidas cautelares distintas da prisão; (v) seja adequado à gravidade concreta do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do indiciado”[viii].
Nos termos da Lei nº 7960/1989, a prisão temporária possui prazo determinado. Quando a investigação ocorrer para a apurar a prática de crime hediondo, assemelhado ou equiparado, o prazo de duração da medida será de 30 dias, podendo ser, excepcionalmente, prorrogado por igual período. Nos demais casos, a prisão temporária terá duração de 5 dias, com prorrogação excepcional e justificada por igual período.
Uma diferença interessante da prisão temporária para a preventiva diz respeito às hipóteses de cabimento da primeira – artigo 1º, da Lei nº 7960/1989: “III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°); b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°); c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°); d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°); e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°); f) estupro (art. 213, caput); i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°); j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285); l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal; m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de suas formas típicas; n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976); o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986); p) crimes previstos na Lei de Terrorismo”[ix].
Sabrina pode ser solta antes do encerramento do prazo de 30 dias? Sim. Essa prisão temporária pode ser substituída por uma prisão preventiva? Sim, mas desde que presentes os pressupostos de cabimento e os requisitos específicos da prisão preventiva, sob pena de ilegalidade, dado que preventiva e temporária são espécies do mesmo gênero prisional, mas não são a mesma coisa. E mesmo que todos esses eventos ocorram, não é possível estabelecer qualquer previsão honesta sobre como e quando esse caso será concluído.
Sendo assim, há muito trabalho a ser feito até o desfecho do lamentável caso envolvendo a averiguação de todas as circunstâncias que levaram à morte de Marcos, a fim de que a causa penal seja efetivamente apreciada pelo Judiciário (provavelmente, via Tribunal do Júri).
Que os órgãos do Sistema Penal atuem com destreza e dentro da legalidade. Que a investigada tenha respeitados os seus direitos fundamentais. Que a família de Marcos encontre o necessário conforto para o enfrentamento da saudade e da indignação.
Até a próxima semana.
[i] Fonte: https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2024/02/28/pm-que-matou-jovem-que-empinava-moto-no-interior-do-ma-e-presa-em-imperatriz.ghtml
[ii] Fonte: https://imperatriz.online/ultimas-noticias-policiais/policia-prende-policial-militar-que-matou-jovem-em-governador-edison-lobao/2024/02/28/
[iii] Fonte: https://imperatriz.online/ultimas-noticias-policiais/pm-presa-por-matar-jovem-em-governador-edison-lobao-e-transferida-para-sao-luis/2024/03/03/
[iv] Fonte: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm
[v] Analisada em oportunidade futura.
[vi] Vale conferir: DIAS, Paulo Thiago Fernandes; ZAGHLOUT, Sara Alacoque Guerra
A SINTONIA FINA ENTRE A PRISÃO TEMPORÁRIA E UM ARQUÉTIPO DE ESTADO POLICIAL: A TORTURA CONTINUA? In: WEDY, Miguel Tedesco; DIAS, Paulo Thiago Fernandes. PRISÕES E MEDIDAS CAUTELARES NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO. 1 ed. Florianópolis: Habitus, 2022, v.1, p. 127-152.
[vii] “Observa-se que, nada obstante a importância da decisão da Suprema Corte — evitando-se a banalização da prisão temporária e a sua utilização para servir como mera condução coercitiva do indiciado para o interrogatório policial —, o certo é que, na verdade, trata-se mesmo de uma prisão inconstitucional (e, nesse ponto, a decisão da Suprema Corte disse menos do que poderia), seja pelo vício de origem (tendo em vista que foi prevista inicialmente pela Medida Provisória nº 111/89), seja por sua absoluta incompatibilidade material com o postulado da presunção de inocência, já que se trata de uma prisão sem nenhum caráter cautelar (processual), utilizada apenas para a investigação criminal” Moreira, Rômulo de Andrade. O supremo e os critérios para a decretação da prisão temporária. Revista Consultor Jurídico, 21 fev. 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-fev-21/moreira-stf-criterios-decretacao-prisao-temporaria/
[viii] Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=9t7wNDgdLdM&t=9s
[ix] Fonte: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7960.htm