segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Coluna Luna Solis #29 – Conheça os arquétipos narrativos com “Os Campeões das Estrelas” e “Os Cavaleiros de Merlin”

Publicado em 1 de fevereiro de 2024, às 7:53
Fonte: Artemisa Lopes (@artemisalopes_) e Laura Zacca (@lauraa_zacca)
Imagem: Karen Aline

Você já ouviu falar do termo “arquétipo de personagem” e sabe quais são e como se encaixam nos filmes, séries e livros que você consome? Já se perguntou como você consegue reconhecer o herói de uma história imediatamente? A resposta é simples: esse personagem se encaixa em um arquétipo, uma fórmula repetida tantas que você consegue compreendê-la inconscientemente ao se deparar com ela. Como você sabe que Harry Potter, Frodo e Percy Jackson são heróis? Você sabia que “herói” é um arquétipo? Arquétipo nada mais é do que uma fórmula repetida que você associa a um perfil específico.

Os arquétipos foram criados e estudados por Carl Jung, um psicólogo suíço que estudou os padrões universais de comportamento a fim de tentar compreender o inconsciente coletivo associando isso a imagens e símbolos passados através do tempo, associando características comuns de padrões de comportamento replicados pela humanidade. Com o passar do tempo, os arquétipos criados por ele passaram a ser associados não a padrões de comportamento, mas a padrões associados a processos criativos e narrativos, relacionando os arquétipos de Jung a personagens narrativos.  Conforme mais estudos sobre arquétipos foram surgindo com base nas pesquisas de Jung, novos especialistas começaram a determinar arquétipos literários que são presentes em uma narrativa. Ou seja, eles começaram a analisar padrões de comportamento de personagens dentro de uma narrativa, consagrando o que viria a ser os arquétipos de personagem. Seriam eles: Protagonista, Co-protagonista, Deuteragonista, Antagonista, Coadjuvante, Oponente e Figurante.

Nessa coluna explicaremos cada um desses arquétipos e como aplicamos eles em nossos livros. Começaremos explicando o arco principal de “Os Campeões das Estrelas” e “Os Cavaleiros de Merlin” antes de aplicarmos os arquétipos na trama.

Em “Os Campeões das Estrelas”, os personagens vivem em um mundo distópico em que monstros correm a solta e as constelações do Zodíaco presentearam os humanos para que possam se defender do apocalipse, nascendo assim o Exército Estelar – uma organização militar composta por Elementistas e Arautos dos 12 signos do zodíaco. Nesse contexto, um grupo de Elementistas é sequestrado por fanáticos religiosos e é desse ponto que parte a premissa do livro. Já em “Os Cavaleiros de Merlin”, a história se passa em uma Camelot progressista que foi transportada por Merlin para um mundo mágico onde elfos, feéricos e criaturas mitológicas habitam. Quando a rainha e a princesa de Camelot são envenenadas, um grupo de 3 cavaleiros da famosa Távola Redonda são recrutados para forjar um cajado mágico para salvá-las e é nesse cenário que a história se inicia. Sabendo agora da premissa das histórias, vamos aplicar os arquétipos nos personagens das tramas e como eles funcionam no enredo.

O arquétipo mais importante a ser mencionado é o do protagonista, que é o personagem que tem o foco narrativo e está intimamente ligado à trama e cujas decisões afetam o enredo e os personagens à sua volta. Vale destacar que o personagem principal e o protagonista nem sempre são o mesmo personagem, pois o personagem principal é o personagem cujo ponto de vista acompanhamos a ação e o protagonista é o foco da narração. Essa diferença é visível nos livros de Arthur Conan Doyle, cujo personagem principal é Watson, pelo qual acompanhamos o ponto de vista, enquanto o foco da narração é Sherlock Holmes, o protagonista que dá nome à obra.

Em “Os Campeões das Estrelas”, o foco narrativo é Lady Cassandra de Chermont,  cujo irmão é um dos elementistas sequestrados e que como Arauto de Aquário e uma vidente poderosa, viu tudo acontecer, e como líder dos demais Arautos, é a responsável por montar uma a equipe de investigação e orquestrar planos e estratégias que afetam os demais personagens e quem sabe o mundo. Enquanto em “Os Cavaleiros de Merlin”, dos 3 cavaleiros que recebem o chamado para a jornada, Lady Arwen du Lac é aquela dentre os demais cuja motivação está além do dever. Enquanto seus companheiros embarcam na missão em nome da honra e do dever como Cavaleiros da Távola Redonda, Arwen é movida pelo desejo de salvar a amada envenenada, colocando-a em uma posição intimamente ligada ao arco principal. Ou seja, tanto Cassie quanto Arwen são as personagens cujo arco pessoal é também o arco principal. As duas, como líderes de suas respectivas equipes, são as personagens cujas decisões também afetam o enredo, colocando-as em um papel de protagonismo.

Falando em protagonistas, vamos falar dos dois arquétipos de maior relevância atrás do protagonista e do antagonista: o co-protagonista e o deuteragonista. Esses dois arquétipos se diferem por algumas características, embora em alguns casos eles podem ser encontrados em um mesmo personagem. O co-protagonista é definido principalmente por ser aqueles personagens que acompanham o protagonista em sua jornada, enquanto o deuteragonista pode ou não estar presente a todo momento. O que difere um co-protagonista de um deuteragonista é que um deuteragonista assim como o protagonista toma decisões que afetam a trama intrinsecamente. Um exemplo claro dessa diferença pode ser encontrada na narrativa do anime/mangá Naruto. Os personagens que acompanham o protagonista do início ao fim é o Time 7 composto por Kakashi, Sakura e Sasuke, colocando-os como co-protagonistas, mas dentre eles, apenas Sasuke se destaca como deuteragonista, já que suas ações dão início à parte 2 da trama e mesmo ausente da equipe, suas ações continuam a influenciar a trama.

Tanto em “Os Campeões das Estrelas” quanto em “Os Cavaleiros de Merlin” vamos encontrar os dois arquétipos, às vezes no mesmo personagem, ou às vezes não. Em “Os Campeões das Estrelas” todos os três personagens que acompanham a protagonista Cassie são co-protagonistas e deuteragonistas ao mesmo tempo. Estamos falando de: Amber Roustange, Jonah Leroux e Roman Liberman, que a acompanham em sua missão com suas próprias motivações. Amber, cuja irmã dada como morta um ano atrás pode estar entre os elementistas sequestrados, Jonah e Roman, que embarcam na missão por ordens de Cassie, mas conforme a trama evolui encontram suas próprias motivações, todas ligadas intimamente com o arco principal. Enquanto que em “Os Cavaleiros de Merlin”, alguns são apenas co-protagonistas, e dentre eles, alguns são também deuteragonistas. Os dois outros cavaleiros da Távola Redonda, Ágatha e Gregory, que estão presentes do início ao fim da jornada e cujas motivações que os guiam é o próprio arco principal, são co-protagonistas e deuteragonistas, enquanto os outros três personagens principais que acabam ingressando na missão são apenas co-protagonistas, pois acompanham a protagonista em sua jornada. Estamos falando de Erin, Ravena e Kairon – embora as decisões boas ou más desse último talvez possam fazê-lo ser visto como um possível deuteragonista.

Agora que falamos dos personagens principais, vamos falar daquele que se contrapõe ao protagonista em equidade e relevância: o antagonista, que é a figura que se opõe ao protagonista, podendo ser um ou mais personagens ou uma força maior que se mostra um obstáculo insuperável. É aquele personagem que possui força equivalente ou superior ao protagonista, que deve se esforçar para superá-lo. Em “Os Campeões das Estrelas”, embora tenhamos monstros que representam certa vilania, o principal antagonista é na verdade a instituição por trás deles e seus seguidores fervorosos, sendo ao final representados por uma figura mestra. Para saber a identidade da mente mestre, leia o livro – mas fique atento: nem tudo é o que parece. Em “Os Cavaleiros de Merlin”, embora tenhamos a figura de um vilão genérico por trás do envenenamento, o principal antagonista é o tempo, que representa um obstáculo impossível que eles precisam superar para salvar suas soberanas.

O próximo arquétipo a ser mencionado é o do Coadjuvante, que são os personagens que estão em volta dos personagens principais e que tem sua importância em um enredo menor que o dos personagens centrais, ajudando na coerência do enredo e no seu desenvolvimento. Assim, sua entrada ou saída do enredo complementam a narrativa. Em “Os Campeões das Estrelas”, os coadjuvantes são todos os demais membros da equipe que ficaram fora da missão de investigação, mas estão encarregados de ações menores que se desencadeiam no clímax e as consequências desse último ato. Estamos falando de: Kaori, Tahir, Mei, Luna, Mia, Lorenzo, Miguel e Rurik. Já em “Os Cavaleiros de Merlin”, os coadjuvantes não aparecem tanto devido aos personagens principais estarem em uma jornada solitária em uma missão, mas esses personagens estão de alguma forma atrelados intimamente aos personagens principais, desempenhando pequenos papéis dentro do enredo maior, mas colaborando com o mesmo. Estamos falando de Astrid e Killian, que são interesses românticos de personagens principais, e até mesmo membros da realeza ou familiares de destaque no arco da protagonista, como seu irmão, Tristan.

Outro arquétipo que tem certa importância na trama devido a sua ligação com o protagonista, é o Oponente, que muitas vezes é um coadjuvante de maior destaque devido a sua rivalidade representar um certo obstáculo a ser superado pelo protagonista ou despertar no protagonista o desejo de se superar. Em “Os Campeões das Estrelas”, esse arquétipo se revela na forma do Arauto de Leão, Aleksandr Rurik, que a princípio tenta impedir Cassie de resgatar o irmão e que toma decisões, conscientes ou não, que atrapalham os planos da protagonista e cujas motivações o colocam como um rival pela liderança da equipe, que segundo o próprio, deveria ser dele. Em “Os Cavaleiros de Merlin”, essa figura se apresenta na forma de Tristan, o irmão da protagonista, que a vê como inferior por ser uma meia-elfo, ao contrário dele, um conceituado general élfico do Vale da Lua. Sua rivalidade com sua irmã é o que a tornaram uma excelente guerreira, na tentativa dela de provar que ele estava errado.

Por último, temos os Figurantes, que em outras palavras, é qualquer personagem sem nome que está lá apenas para compor uma cena. E exemplos claros disso, por exemplo, são as centenas de soldados de um exército na guerra de um determinado livro. Em “Os Campeões das Estrelas”, nós temos vários mercenários sem nomes que servem para ilustrar os fanáticos religiosos que perseguem os Arautos e elementistas desse universo. Enquanto em “Os Cavaleiros de Merlin”, temos todos os convidados não nomeados das duas cerimônias festivas do livro.

Como podemos observar, todos os personagens do livro se encaixam em um arquétipo devido aos padrões de comportamento, símbolos e imagens que estão associadas à eles e os fazem se encaixar em determinada fórmula que o insere de uma forma funcional na narrativa, que o público assimila, identificando os arquétipos de forma inconsciente devido a esses padrões repetitivos de contar histórias.

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