domingo, 10 de novembro de 2024

Um conto de Natal – JOAQUIM SALDANHA*

Publicado em 24 de dezembro de 2023, às 16:24
Fonte: Marcos Fábio Belo Matos – jornalista, professor e escritor. Membro das Academias Bacabalense (ABL) e Imperatrizense (AIL) de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Imperatriz (IHGI).
Back view of traditional Santa Claus carrying bag with presents at night in city, copy space. Imagem: FreePik Premium

Joaquim Saldanha odiava o Natal. O Natal lhe lembrava a imagem daquele comerciante gordo, da esquina da sua rua, que lhe dizia, toda vez que ele ia lá comprar alguma coisa para a sua mãe: “Menino, tu é a minha cara”. E lhe passava a mão pelos cabelos e entregava um doce barato.

Era este gordo que se vestia, todos os anos, de Papai Noel, com sua roupa de um vermelho já desbotado e uma barba de algodão meio encardido. Vestia-se e saía pela rua, jogando bolas de borracha e alguns brinquedos (carrinhos feios e bonecas carecas de olhos pintados) para a criançada que enchia as ruas e repetia o coro do gordo: “Feliz Natal Papai Noel”.

Esse ato de bondade era, na verdade, uma forma de o Papai Noel comerciante desovar o estoque de brinquedos encalhados e, ao mesmo tempo, fazer propaganda do seu comércio – o mais arrumado daquela rua de periferia.

No dia em que sua mãe morreu, ela o chamou no leito da enfermaria do hospital municipal e lhe disse, num fiapo de voz: “Escuta, Joaquim. Escuta e não esquece: aquele gordo da mercearia é teu pai. Eu fui empregada da casa dele e ele mexeu comigo e eu fiquei grávida de ti. Teu pai nunca soube porque eu escondi bem e o gordo nunca abriu a boca. Agora que teu pai está morto e eu também vou morrer daqui a pouco, tu deve saber. Para ir atrás do que é teu, quando eu estiver embaixo da terra”.

O menino tinha 15 anos quando ouviu isso da mãe, que morreu, de fato, naquele mesmo dia, à noitinha. Ele então foi morar com uma tia, num bairro distante do que morava. E decidiu nunca procurar o gordo Papai Noel.

Decidiu se fazer sozinho na vida.

Trabalhou de tudo o que podia. Foi ajudante de oficina até os 17 anos. Depois, empregado de açougue dos 17 aos 18. Empregado de um hotel, retirando e colocando as roupas nas camas, dos 18 aos 20. Quando fez 21 anos, virou empregado de uma lotérica, fazendo os jogos.

Um dia fez um jogo e acertou uma quina gorda, ganhou 15 mil reais. Aproveitou para pedir demissão e abriu uma pequena loja de 1,99, naquela época da febre desse tipo de negócio.

Prosperou.

Da pequena loja, pulou para uma maior, no mesmo bairro em que morava com a tia. Aos 30 anos, abriu a segunda loja, em outro bairro e, aos 33 anos, abriu sua terceira loja.

Dois anos depois de abrir sua terceira loja de bugingangas, soube que o gordo que era seu pai morrera de um infarto fulminante. Soube disso por um fornecedor em comum, que um dia comentou, perto do Natal: “Na travessa da esperança não vai ter natal gordo – o Papai Noel morreu ontem, o coração dele explodiu dentro do peito”. Quando ouviu o nome da rua, Joaquim reconheceu na hora quem era o Papai Noel finado. E abriu um tímido sorriso, de canto de lábio.

Não foi difícil para Joaquim Saldanha comprar o comércio que era do gordo. Ele deixou apenas uma viúva que não sabia gerir o negócio e se encantou com o dinheiro que aquele jovem, num carro bonito, despejou na sua frente.

Comprou o comércio e, na semana seguinte, mudou o nome de “Comercial do Juvêncio” para “Minimercado Santa Marta”. Marta era o nome da sua mãe.

No Natal seguinte, o Minimercado Santa Marta retomou a  distribuição dos brinquedos. Mas, ao invés de ter um gordo mal ajambrado andando com um saco pelas ruas, o dono criou uma promoção para sortear brinquedos às famílias que comprassem uma determinada quantia – como faziam os shoppings. Deu certo.

Das quatro lojas que passou a administrar, aquela venda, que era a menor em tamanho, era a que dava o melhor lucro. Mas vendia de tudo. Do botão à farinha a granel. Do óleo de soja barato ao veneno pra rato – que muita gente comprava para tirar a própria vida.

Tempos depois, Joaquim ficou sabendo, por um vizinho do Minimercado, que a viúva do gordo-Papai Noel-seu pai estava em situação difícil. Parece que ela deu a grana da venda para um irmão, que torrou tudo num negócio mal feito e ela ficou sem nada, vivendo da pensão mínima que o marido deixara.

Não teve dúvida: contratou a viúva para ficar no comércio, o dia todo, limpando as prateleiras, empacotando as mercadorias e pesando frutas, verduras e cereais.

Se fosse mais jovem, ele se arriscaria a fazer com ela o que o gordo fez com sua mãe.

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* Este conto faz parte do livro VERITAS – CONTOS DO DOTIDIANO, que foi vencedor do 1 Concurso Literário da Academia Ludovicense de Letras (ALL), em 2022, e terá lançamento em março de 2024.

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