O poema “Nascer do sol”, publicado no livro “A Arte de pintar palavras”, da poeta maranhense Iva França, radicada no Rio de Janeiro, longe de ser um deslumbramento sobre o nascimento do Sol, exige do leitor a sua maior atenção, para não se deixar levar pelo impulso do déjà vu. Portanto, nada de raios, de tons amarelo e vermelho que, comumente invadem a alma e enchem de contentamento o seu testemunho. Não, o que a voz poética de França quer, é algo que vá mais longe e se afaste do simples fato do deleite.
O primeiro verso, “Estou a muitos passos do pôr do sol…”, já provoca uma volta ao seu título, para que se certifique do encontro entre o anunciado – “Nascer do Sol”, e o que está sendo dito. Como uma espécie de reprodução instantânea, do que já foi dito acima, o leitor, por um instante, se sente afastado do seu primeiro contato com os versos da autora, para, logo em seguida, entrar, de carona no trem que ela imagina levá-la ao pôr do sol. O jogo de rimas existente entre as palavras “sol” e “rouxinol”, serve para tornar aquele momento, ou lugar, como se queira determinar, uma passagem idílica, delicada, amorosa e amena. Rouxinol é parte do imaginário do Amor, ave constante da lírica amorosa.
Na sequência, é apresentado o desejo da poeta, que é “vê-lo nascer”, enfim, o nascimento do Sol, se casa com a proposta inicial indicada no título do poema. Mas, novamente, há uma quebra quanto aos motivos de seu desejo, que rompe com a expectativa comum de qualquer leitor. A poeta quer outra coisa, que ela mesma hesita em dizer, mas, que sabe que existe e, portanto, quer uma prova, o que vale a reprodução inteira dessa passagem, para dar continuidade a esta leitura:
“Embora eu saiba que
quero mesmo vê-lo nascer
para certificar qualquer
momento que coloque”
(Iva França)
A ausência imediata de elementos textuais que indique a sua verdadeira intenção, quanto ao desejo de ver o nascimento do sol, só vindo a se conhecer nos versos seguintes, tem de alguma forma, um alinhamento com o próprio nascimento do astro rei, posto que o seu nascimento não se dá com a sua aparição imediata e completa, não, os raios solares vão chegando de forma tímida e, aos poucos, vão se espalhando e desenhando o sol em sua plenitude. A poeta sabe como se dá o fenômeno do seu nascimento e traz para dentro do fluxo de construção de sua poesia. Assim, a autora constrói o seu poema.
O nascer do sol é simbologia da vida, da vida em sua real natureza de significados ancestrais, existenciais. É o homem com a sua carga genética, dramática, visceral, existencial, política e social, cuja dores e dobras determinam a vida em realidade, nem sempre alinhadas no “prumo” da igualdade, cuja luminosidade do dia, aqui, sim, reside o maior desejo da poeta, é ver a humanidade alinhada, em expressão, luminosidade, grandiosidade e beleza, presentificada, com a magnitude do Astro Maior. Afinal, o nascer do sol é convite para um novo dia, uma nova ordem, sem que se esqueça do lamento de ontem, nem das dores das horas vividas, como adverte a poeta.
Iva França é parte desse instante solar, seus olhos não fugiram dos raios luminosos, que tanto encantam, não, ela se apodera desse ato matinal, para dizer da esperança que há em cada nascer do sol, afinal, “o lamento do canto/não pode ser maior que a certeza do nascer do sol no recanto.”
Uma resposta
É
Fiquei profundamente tocada pelas suas palavras e pela leitura que fez do meu poema “Nascer do Sol”. Sua análise revelou uma compreensão sensível e profunda do significado por trás do poema, e estou verdadeiramente grata por sua generosidade em compartilhar seus insights.
Mais uma vez, muito obrigada por sua apreciação e por compartilhar seu pensamento. Suas palavras têm um significado especial para mim e serão uma fonte constante de inspiração.
Com gratidão.
Iva França.