No Largo do Machado se encontram coisas e pessoas. Umas algumas vezes; outras, diversas vezes. Também pudera: o Largo é lugar de limite e convergência, divisão e união, o ponto de interseção dos bairros do Catete, Flamengo e Laranjeiras (onde morou o escritor caxiense Coelho Netto). Como é da Matemática, o ponto de interseção é aquele que reúne os elementos comuns de outros conjuntos.
Situado na Zona Sul do Rio de Janeiro, capital do estado de mesmo nome, o Largo é uma larga praça e, no seu entorno, assomam a Igreja Nossa Senhora da Glória, o Cinema São Luís, o Colégio Estadual Amaro Cavalcanti (fundado em 1874), supermercados, farmácias, ambulantes, pedintes… E os Correios.
Foi na agência dos Correios do Largo do Machado onde, no segundo semestre de 2022, fui abordado por uma elegante senhora. Vendo-me com diversos livros para serem postados, gentilmente iniciou a conversar comigo. Ela dispunha de vários exemplares de um livro escrito por seu marido e queria enviá-los para bibliotecas e outras instituições da Cultura e da Educação do País. Mas até o momento não tinha uma relação mínima de entidades assim, para as quais pudesse destinar a obra.
Disse-lhe que eu formara uma relação mínima, com umas duas centenas de nomes, onde se incluíam bibliotecas, instituições de ensino superior, academias de letras, institutos históricos e culturais em geral, alguns sindicatos desse segmento etc. Minha mais nova conhecida ficou feliz quando disse que lhe poderia enviar o que eu tinha.
Tempos depois, agora em novembro de 2022, recebi dela uma lembrança: o livro “Wilmar Amaral, Pintor e Médico”, de 2002. Edição bilíngue (português e inglês), 200 páginas, formato 22 cm X 32 cm, capa dura, com sobrecapa e folhas de guarda e centenas de fotos e outras ilustrações em cores e em preto & branco.
Vinte anos depois de sua publicação, a obra do pintor e médico, ator e escritor Wilmar Amaral começava a ganhar outros destinos e destinatários, novos olhos e olhares. Ficarei feliz se tiver contribuído para isso.
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Melhor seria se o título do livro fosse “Wilmar Amaral, Cientista e Artista”. Assim, ele abrigaria sua competência multifária quer nas Ciências Médicas (portanto, cientista), quer nas Artes — Plástica, Dramática e da Escrita (portanto, artista).
Nascido no Triângulo Mineiro, na quase sesquicentenária Araguari (fundada em 1888), Wilmar Amaral nasceu em 1940, filho do meio, de três, do casal Maria Rita (Lilita) e Homero Amaral. O pai, a muito custo, passou de farmacista (trabalhava em farmácia) a farmacêutico (cursou a Faculdade de Farmácia de Ribeirão Preto, em São Paulo).
Os tempos de infância, adolescência e juventude de Wilmar guardam pontos de contato com os meus: ambos tivemos um Cine Rex para vez ou outra frequentar; redigimos jornais e lutamos em grêmios estudantis; fomos diretores de Diretório Acadêmico na faculdade; presidimos Academia de Letras… Sem falar nos pendores para a Leitura, a Literatura. Neste ofício, destaque-se que um dos escritores preferidos de Wilmar Amaral é Humberto Campos, meu conterrâneo maranhense.
Depois, em 1966, Wilmar formou-se em Medicina, no Rio de Janeiro, e especializou-se em Pediatria. Cinco anos depois, em 1971, aparece-lhe Maria Lúcia Antunes Lacaz, bibliotecária — a educada senhora que conheci nos Correios do Largo do Machado. Maria Lúcia é filha de Paulo da Silva Lacaz (1913-1991), o médico paulista pioneiro nos estudos sobre a porfiria, doença muito rara que aparece quando há um defeito na produção da hemoglobina, a proteína presente nos glóbulos vermelhos do sangue e que transporta o oxigênio captado pelos pulmões para todas as outras células do organismo humano. Maria Lúcia doou o material do pai sobre o assunto para a Associação Brasileira de Porfiria.
Acostumado a cuidar de crianças, o pediatra Wilmar cuidou de ter semelhantes cuidados com Maria Lúcia, a “menina” que começou a conhecer. Tantos foram os cuidados, que Wilmar passou quase um ano e meio para levar Maria Lúcia ao altar. O casal teve três filhos, de 1974 a 1979: Pedro, Rafael e André.
Mas Wilmar Amaral, ele sabia, há muito estava, ele mesmo, grávido — grávido do artista que, por autofertilização, dele nasceria. Essa prenhez autogâmica quase tardia (mas nunca é tarde para a Arte) se faria visível, inicialmente, e eclodiria, posteriormente, com a parição do pintor, embora o Teatro, a Dramaturgia, o palco fosse seu “amor mais antigo”.
A Pintura, como a define o próprio Wilmar, foi “um novo caminho, tão enriquecedor como a Medicina”. O sentimento de amor pelas duas atividades não fazia destas concorrentes: “Como um pai que não tem diminuído seu amor pelo primeiro filho com o nascimento do segundo, também não restringi a dedicação à Medicina” — explica Wilmar.
Assim, depois de três filhos com Maria Lúcia, Wilmar gerou, gestou e está gerindo outros três dentro e fora de si mesmo: além do pintor, o ator e o escritor, este “nascido” com seu livro de estreia aos 62 anos, em 2002. O ator também nasceu-lhe na maturidade, embora com longo, adequado e necessário “pré-natal”: foram anos e anos com renomados professores, estudando interpretação e técnica de linguagem falada e cantada. Participou de alguns filmes e atuou em peças dramáticas, inclusive monólogo, trazendo para o palco bons textos de autores brasileiros e estrangeiros.
Seu livro de estreia, “Wilmar Amaral, Pintor e Médico”, tem uma bem cuidada edição. Além de contar sua história, em primeira pessoa, o livro traz, afora as duas fotos da sobrecapa, cerca de 300 fotos (contei 295, incluindo-se as em marca-d’água). Em cores, são 230 fotos, reproduzindo as pinturas wilmarianas. As pinturas também estão em preto & branco (p&b), em 14 fotos. As demais 51 fotos em p&b são, algumas, marcas-d’água, e, as demais, fotos de família e com a Maria Lúcia e amigos nas exposições — muitas — que o artista fez.
Paisagens… pessoas… plantas… prédios e outras edificações… Seja em óleo sobre tela ou em seu processo preferido, a aquarela, Wilmar apresenta-nos imagens que atraem olhares e sentimentos de quem tem olhares e sentimentos para a Arte. Seu azul ora é vívido, alegre, ora esmaecido, mas sem destoar do ambiente e sensação que cada quadro quer reproduzir e comunicar.
No refinamento de sua Pintura, Wilmar colheu saberes com diversos mestres. Na prática de sua Pintura, buscou os elementos vivos de diversos países. Assim, além do Brasil, Wilmar esteve nos Estados Unidos, França, Portugal, que lhe deram muitas inspirações, muitos quadros e diversas exposições.
Os quadros de Wilmar Amaral são belos — só mesmo vendo. Que nem pratos na Gastronomia — só provando.
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Quando — e sempre que — uma mulher se dirigir a você, trate-a com atenção. Pois a mulher tanto sabe da arte da Beleza quanto da beleza da Arte.
Grato a Maria Lúcia Lacaz Amaral.
E, pela obra e gentil dedicatória, grato a Wilmar Amaral. Pintor e médico.
EDMILSON SANCHES
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