Nos diálogos das almas brasileiras, obras junguianas como O espelho índio: formação da alma brasileira, de Roberto Gambini (1988), A alma brasileira: luzes e sombra, organizada por Walter Boechat (2014), bem como em Desvelando a alma brasileira: Psicologia junguiana e raízes culturais organizado por Humbertho Oliveira (2018, 2020)nos apontam pra diversidade como palavra-chave.
Desde as Cartas dos Primeiros Jesuítas no Brasil, dos padres José de Anchieta a Manuel da Nóbrega, por exemplo, no século XVI, se busca compreensão sobre a formação da alma brasileira. Trabalhos sobre a alma brasileira foram apresentados em congressos promovidos pela Associação Junguiana do Brasil, desde a espiritualidade indígena do Brasil e o quanto a Alma Ancestral foi mutilada, a criatividade ancestral de nossa alma indígena.
Ressalta-se que não há uma única identidade brasileira, mas múltiplas identidades de nossas brasilidades, pois somos muitos brasis, oriundos de histórias diversas, complexas e violentas, de enorme diversidade étnica-racial, sociocultural e geográfica. Desde camadas sociais de povos em isolamentos autônomos às culturas sincretizadas das muitas almas brasileiras: indígenas de recente e longo contatos, quilombolas e remanescentes de quilombo, povos de terreiros, ribeirinhos diversos, populações tradicionais dos seis biomas brasileiros, imigrantes europeus de diversas origens étnicas, ou seja, um Brasil de identidades múltiplas.
A sabedoria ancestral das nossas almas brasileiras está no resgate do bem-viver, da vivência simbólica que nos levará ao um reencantamento com o mundo, com a alma do mundo, com a Anima Mundi, ou dirá um autor como Lima: “Dessa forma, reencantar o mundo requer uma abertura à sabedoria indígena que seja capaz de acolher uma percepção, uma sensibilidade e um modo de ser repleto de vivências simbólicas”
O outro (o indígena) não como um objeto de pesquisa, mas como o qual espelha a nossa humanidade, portanto um sujeito, um amigo, um ancestral, uma pessoa que pesquisa junto o sentido da vida na caminhada partilhada, co-implicada, e então o professor e mitólogo da USP, Marcos Ferreira-Santos, por exemplo, nos lembrará que:
“A ancestralidade tem um princípio de reciprocidade que faz com que nunca se converta o outro em ‘objeto de pesquisa’, mas pessoas irmanadas por um café, uma chicha ou uma cuia de chimarrão sobre a mesa da amizade, entre seus sonhos, frustações, dores, dominação sociopolítica, esperança e utopias[…] Esse processo nunca cabe nos prazos de agências de financiamento e, por isso, a pesquisa básica em mitologia diretamente com os povos originários e comuidades tradicionais pode levar uma vida inteira.”
Paes Loureiro, poeta e professor paraense da UFPA, perceberá um mesmo percurso do olhar do indígena ao do caboclo, uma mesma trajetória antropológica do contato, da visão e representação da Mãe-Natureza, ao frisar que:
“Na cosmologia indígena, quando os mitos se reportam à criação do mundo amazônico, na verdade estão se referindo à criação do mundo, à criação do planeta Terra. A primeira noite saiu de um coração de um tucumã (pequeno coco de palmeira). Escureceu, o cururu, o sapucaia, , puseram-se a coachar; as corujas a piar; o jurutaí, o murucututu, a acuraua, o rasga-mortalha, os morcegos, precipitaram-se na escuridão, enchendo a floresta de gemidos, de pios, de roncos, de ferros, de silvos diversos…Mal brilhou a estrela d´alva, a moça separou a noite do dia e os pássaros do dia cantaram e os da noite calaram. E assim se fez a primeira noite, registra José Coutinho de Oliveira, em Folclore Amazônico. Pode-se também recorrer a Nunes Pereira, no ontológico Moronguetá – um decameron indígena. O sol, antigamente, era um moço forte e bonito. O sol bebeu todo o urucue foi ficando com a cara vermelha como o urucu e a muirpiranga. Depois subiu para o céu e se meteu entre as nuvens.”
Assim caminho, nessa perspectiva antropológica como caboclo na academia, partiu aldeia, pariu ideias…aldeias!