No início do quadragésimo quarto soneto do livro “De lavra e de palavra”, o poeta José Chagas, em seu estilo bastante peculiar de mesclar a beleza de suas rimas com as durezas de uma crítica social eivada de ironias, adverte que:
O que se come vem da terra bruta,
em forma de raiz, de folha ou grão,
pois a força da terra é que executa
a batata, a verdura, o milho, o pão (pág. 78)
Ou seja, o homem precisa da terra para alimentar-se e manter-se vivo. Porém, o poeta, mais adiante em seu livro, chama a atenção para um fato inconteste e demonstra que o ser humano, apesar de dependente dos recursos naturais oferecidos pela terra, não tem muito compromisso com o futuro. Diz o poeta paraibano que:
[…] o homem destrói, com alegria,
aquilo que lhe dá satisfação,
como se a natureza, tão sadia,
tudo quanto fizesse fosse em vão
e a terra não valesse a poesia
que até os próprios animais nos dão (pág. 109)
Os resultados da interferência antrópica sobre o ambiente são facilmente perceptíveis mesmo para quem não se interesse diretamente pelo assunto. Queimadas, exploração irregular de madeira e de outros recursos, descarte irregular de resíduos sólidos, desperdício de recursos hídricos, uso irracional de combustíveis fósseis, poluição do ar, dos solos, dos rios e dos mares, falta de cuidado, de conservação e de preservação para com os ambientes construídos, uso desordenado de defensivos agrícolas, contrabando de espécimes raros e degradação dos elementos naturais são apenas alguns dos efeitos visíveis da conflituosa relação do homem com o ambiente.
Mas, diante desse quadro assustador no qual a demanda por bens de consumo vem tornando nossa pegada ecológica cada vez mais visível e com efeitos praticamente irreversíveis, o que deve ser feito? Apenas esperar que todos os recursos naturais atinjam seu grau máximo de saturação? Acreditar que isso é assim mesmo e que nada mais pode ser feito? Contribuir para a aceleração do processo de desgaste ambiental, como se nenhuma relação tivéssemos com suas causas e suas consequências? Tentar preparar as novas gerações para uma relação mais racional com o ambiente?
Provavelmente a última opção é a mais desejável e a única capaz de trazer algum alento para a humanidade. Mas tudo depende de tomadas de decisão no campo educacional. Tudo depende de sensibilizar as pessoas para que elas percebam que conservar e preservar são verbos que precisam sair do campo da teorização acadêmica e atingir um efetivo grau de praticidade.
Não se trata de deixar apenas nas mãos dos professores de Biologia e de Geografia a tarefa de despertar o senso de pertencimento dos alunos com relação ao ambiente que rodeia cada um de nós. Todos os professores de todas as disciplinas do currículo escolar podem contribuir para a conscientização de que é preciso, essencial e urgente fazer algo para mitigar os danos que já foram causados pela ação do ser humano sobre o planeta e evitar que novos males se tornem irreversíveis.
Para que essa sensibilização surta os efeitos desejados, os profissionais de educação, de todas as modalidades e de todos os níveis, podem recorrer a diversos recursos didáticos, que vão desde as letras de música até o uso de imagens artísticas (pinturas, filmes, documentários, quadrinhos etc.), passando também pela leitura de obras literárias que foquem ou pelo menos remetam a questões ambientais.
Há uma infinidade de textos (contos, poemas, peças teatrais, romances) que podem ter suas transversalidades exploradas em sala de aula. Mas, claro que essas leituras não podem servir apenas como um ornamento estético durante os encontros. Elas devem estimular o alunado rumo a uma reflexão sobre o que é feito no dia a dia tanto nas instituições escolares, quanto nas próprias residências e em seus entornos. Quais as ações de cada pessoa que levam a desperdícios de água, de energia elétrica, de alimentos? Quais as formas adequadas de descartar os resíduos? Como evitar a poluição ambiental?… Uma leitura mediada e questionadora pode despertar nos discentes o interesse pela descoberta de algumas soluções práticas que estejam ao alcance de todos e que tenham uma relevância para a comunidade em geral.
Às vezes, causa certo incômodo a descoberta de que, em um mundo movido pela sanha do olhar capitalista:
O pão não é dividido
por todos de modo igual.
Questão de boca ou de ouvido?
De falar ou de ouvir mal?
(José Chagas, Antropoema, pág. 81)
Mas é preciso também saber que, além das belezas poéticas e metafóricas que habitam um texto literário, há algumas verdades inconvenientes que precisam ser ditas e ouvidas para que alguns erros não se repitam. É preciso ter consciência de que também existem:
Indústrias poluindo lago e rio,
chaminés maculando o azul celeste,
bombas pondo veneno no ar sadio,
como se o homem fosse a própria peste,
lançando à natureza um desafio
(José Chagas – De lavra e de palavra, pág. 111)
Importante saber que a literatura pode funcionar como mais um instrumento em busca de uma conscientização ambiental e de um equilíbrio ecossistêmico, para que todos possam sair ganhando n essa luta desigual.
Uma resposta
Análise perfeita, que nos reafirma a certeza de que a leitura nos conduz seguros em nossa caminhada. Há, verdadeiramente, luz no início, no meio e no fim do túnel!
Um forte abraço