Só existe crime organizado em sociedades desorganizadas.
É isso mesmo. Não são os bandidos que são organizados: a sociedade é que ainda não se organizou o suficiente para combater os bandidos.
Ora, se gente safada,…
…se pessoas bandidas,…
…se indivíduos assassinos,…
…se mentes e mãos corruptas, mesmo tendo contra si todas as estruturas físicas,…
…todo o aparato logístico possível,…
…todos as normas legais,…
…todos os princípios éticos,…
…todos os preceitos morais,…
…todos os fundamentos religiosos…
…e todas as práticas comunitárias;
se, com tudo isso contra eles, os criminosos se “organizam”,…
…fazem e acontecem,…
…deitam e rolam,…
…pintam e bordam,…
…por que não se organiza, faz e acontece melhormente, maiormente, permanentemente, a grande maioria da comunidade, constituída de cidadãos pacíficos, organizações respeitáveis e autoridades responsáveis? Por quê?
Por que falam alto os bandidos e a comunidade emudece ou, quando muito, balbucia, gagueja, tartamudeia?
Por que arrotam arrogância e onipotência os facínoras e celerados e se acachapa e se humilha o povo?
Por que parecem tão cheios de si os corruptos e tão vazios de tudo os carentes?
Por que são tão seguros os que vivem à margem da lei e por que são tão inseguros os que a respeitamos?
Enfim, por que reina o crime e a sociedade se avassala?
O problema, repito, não é que o crime seja organizado: a sociedade é que se foi eticamente desorganizando ao correr dos tempos e ao cometer dos crimes.
Somos nós, os que não matamos, não roubamos, não (nos) corrompemos, somos nós os “bonzinhos” e “honestos” que, de alguma forma, colaboramos para que o mal se instale, a impunidade se instaure.
Não há nada de ruim que aconteça a uma sociedade que não seja com permissão dela (muitas das vezes pela omissão dela e, até, com o aval, o voto dela).
Como nós, os “certinhos”, frouxos, não ocupamos a maior parte das fatias de poder, o bolo político, o butim financeiro, essa verdadeira pilhagem social que advém do banditismo político (ou do politiquismo bandido) é repartida entre os “cargas-tortas” — que, auxiliados por uma rede de pessoas bem-postas e por um tremendo cinismo, uma imensurável hipocrisia e uma baita cara-de-pau, vão atropelando tudo e todos que estão no caminho que leva ao poder do dinheiro e ao dinheiro do Poder.
Enquanto isso, ficamos aqui embaixo, rezando o catecismo do “bom senso” que é, em verdade, omissão;…
…da esperança que é, verdadeiramente, passividade;…
…da fé que, ao final, é comodismo, é covardia disfarçada de virtude.
Ficamos confiando em Deus e nos confinando egoística e covardemente quando, aqui na Terra, no mínimo a responsabilidade deveria com Ele ser dividida. “Livre-arbítrio”… “Autodeterminação”…
Não “entramos” na “tal de política” porque “lá é tudo sacanagem”, e não devemos associar nosso sacrossanto nome a ela e ao que a ela se ligue.
“Administração Pública — disse um político menor, na presença de testemunhas — é para ladrões”. (A premissa, claro, é mais do que falsa, embora, infelizmente, ateste o nível de percepção a que chegou a gestão pública como corolário da Política).
A instituição “Política” não foi criada por Deus, como os Dez Mandamentos. A Política é coisa do ser humano e, em termos políticos, o que o ser humano faz, pode desfazer.
Portanto, política ruim só pode vir de gente ruim, ou da parte ruim dessa gente — gente que quer ganhar Poder esquecendo-se do Dever, aumentar o patrimônio diminuindo a personalidade (a sua e a dos outros).
Por conta disso, cultivam-se intrigas,…
…comerciam-se cargos,…
…industriam-se mentiras,…
…trocam-se favores,…
…geram-se leis,…
…favorecem-se trocas,…
…acomodam-se situações,…
…aceitam-se imposições,…
…engolem-se frustrações,…
…vende-se a alma,…
…enfim, tudo o que, em termos éticos, causa repulsa, asco, nojo, vômito — embora, ao final, o sodomizado continue sendo o povo.
Com um “clima” desse na Política, com a extrema percepção negativa que o Povo tem dos políticos e da Política — onde, reforce-se, aprioristicamente “todos são ladrões” e “tudo não presta”—, em um ambiente assim bandidos só podem é se sentir em casa e se sentarem à mesa posta, que a comida é farta.
Podem até os marginais da Política ser minoria (e de fato o são), mas o poder de sedução do mal é tão grande no imaginário coletivo (e as últimas pesquisas científicas reconfirmam isso) que não tem adiantado muito mostrar a parede branca de virtudes da Política (e as há), pois que só será visto o ponto negro, pequeno, do vício que a enodoa e contamina, macula e fere, fere e fede.
É nesse lodaçal de vícios,…
…é nessa lama amoral e imoral,…
…é nesse charco pútrido e fétido (que ocupa pouca área do terreno político mas que o compromete), é aí o espaço onde crescem os descarados, o pântano onde vicejam os sem-escrúpulos, que se organizam em “societas sceleris” (sociedade de bandidos), desenhando uma árvore “criminológica” cujos galhos e ramos vão-se estendendo rumo a outras instituições públicas e privadas (Poder Judiciário, empresas, organizações classistas e comunitárias).
E acontecem os desvios de influência, o tráfico de posições, os roubos, as mortes, a receptação, o acobertamento. Daí para a instauração, como regra, da estreiteza ética, da precariedade moral, da devassidão política, da obscenidade administrativa, pode ser um passo.
Portanto, contra o crime organizado, só uma sociedade mais do que organizada. Moralmente organizada. E esta sociedade se faz com pessoas conscientes de seus vários e cada vez mais múltiplos papéis — no trabalho, na igreja, na organização comunitária, no sindicato da categoria, na associação de classe, no clube de serviço, nos momentos de ócio etc.
Faz-se essa sociedade, cumulativamente, com a participação político-social e político-partidária, com a ocupação de certos espaços de Poder hoje desgraçadamente apropriados por quem, como ser sociopolítico, não vale o que o gato enterra.
Contra o crime organizado, só uma sociedade mais do que organizada, moralmente ética, eticamente moral, quase perfeita — e esta não existe só na cabeça de idealistas: reside também na simples vontade da maioria simples do povo, a ser reforçada e tangida por seres indutores que, além de conhecimento de causa e honestidade de propósitos, tenham verdade na voz,…
…alma nos olhos,…
…sensibilidade no coração…
…e vergonha na cara.
EDMILSON SANCHES
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