No nosso folcore, lendas e encantamentos, a simbólica da mãe devoradora de todos os tempos: A Serpente, aquela que pode engolir os filhos ao nascer, imagem retirda da Mãe Natureza em seu aspecto negativo, mórbido, na Amazônia surge com A Boiúna, que é concebida como Cobra Grande, mas que na etimologia vem do tupi M´boiúna, ao que M´boi(cobra) e Una (preta).
Jung, sobre o arquétipo materno, dirá que há uma variedade incauculável de aspectos de sua expressão simbólica, podendo ser positivo e negativo. A Boiúna encontra-se nessa gradação de ambivalência simbólica do arquétipo da Mãe, característica da perspectiva amplificadora junguiana.:
Também conhecida como Cobra Norato, possui variadas narrativas ligadas aos mitos das serpentes, se transfigura na Amazônia como navio iluminado que desliza pelos rios da região, dando-lhe sua ambivalência local como mito de terror e fascínio que atrai o indígena e o caboclo até a morte por meio dos olhos ou pela luz do navio-miragem, um personagem visagento, como se diz nas comunidades amazônicas.
Sendo de origem da tradição oral, já na literatura, o diplomata, cronista e poeta gaúcho: Raul Bopp, coletou a lenda amazônica da Boiúna e a perpetuou com o livro nominado Cobra Norato, de 1976. Outras versões amazônidas, ainda que parecidas, como a seguinte: “Uma das versões do mito circulante na Amazônia conta que uma índia foi engravidada pela Boiúna dando origem a duas crianças. O menino recebeu o nome de Honorato e a menina de Caninana. Honorato não causava nenhum mal, mas a irmã era perversa: prejudicava os animais como também as pessoas. Diante de tanta maldade, Honorato acabou por matar a irmã. Durante algumas noites, Honorato perdia o encanto e ganhava a forma humana, transformando-se em um rapaz. Para quebrar o encanto do Honorato, era preciso que alguém derramasse leite na bocada enorme cobra e tirasse sangue de sua cabeça; mas ninguém tinha coragem de enfrentar o monstro, até que um soldado de Cametá (cidade no interior do Pará) conseguiu realizar tal proeza e libertar Honorato de seu encanto, que voltou a viver com sua família”.
O mito possa ter se originado do medo humano indígena de grandes cobras que se defendem e atacam para se alimentarem as pessoas e animais desprevenidos na beira-rio. Ou que o fenômeno da Terra-Caída provocada pela Pororoca (tsunami amazônida) nas margens dos rios, derrubando árvores grandes, seja atribuída à função da imaginaçao de uma grande cobra que se move e explica o fenômeno. Ou os modos de subjetivação dos povos da floresta se faz pelo encantamento com os fenômenos da natureza, pela qual o assombro e o fascínio compõem a trajetividade do seu sentir e pensar a natureza da qual faz parte e não tem plena compreensão dos seus aspectos positivos e negativos mas ao seu modo encontram os indígenas e caboclos uma explicação, uma compreensão e uma lida com seus medos no território no qual vive sua vida plena.
É no fabulário indígena que surge a lenda da Boiúna, como encantaria do fundo dos rios da Amazônia. Em Geografia dos Mitos Brasileiros, o folclorista Câmara Cascudo dirá que é um mito religioso, no sentido de uma epifânia da floresta. Que há inúmeras narrativas da Boiúna com mãe-d´água, se recriação das mouras portuguesas ou incarnação de um rapaz de nome Norato, em outras versões Honorato, é ciclo de interesse inesgotável de vasta transfigurações, fiel ao tamanho continental da floresta.
Para os caboclos, ainda temem a cobra-grande que vive embaixo dos rios, vilarejos, povoados, aldeias, quilombos beiras-rio e cidades amazônidas. Em Óbidos no Pará, acredita-se que a cobra-grande ao sair do seu nicho quebrará e levará a cidade inteira para rio abaixo, ao reino da encantaria.
Eu mesmo, com diversas idas ao Marajó, e em diversos vilarejos registrei as lendas da cobra-grande embaixo de pequenas capelas à beira do rio com fantásticas histórias de parar pequenas embarcações nas noites de Natal e Ano-Novo, sem nenhuma explicação material para tal parada repentina. Até mergulhadores nativos se lançaram à água escura no amanhecer, mas não encontraram nada embaixo das embarcações que explique o fenômeno que não seja aquele atribuída a lenda da força da cobra-grande. Escutar essas histórias reais de diversos caboclos e caboclas que vivenciaram o mesmo é realmente uma vivência misteriosa, numinosa, bem como as diversas histórias de visagens no interior da Amazônia Oriental, seja no Pará, no Marajó ou no Maranhão.
Uma resposta
Que bom saber de tudo isso! Adoro lendas, causos e histórias populares. Grata por ter escrito este artigo. Um abraço!