Semana passada, mais exatamente no dia 08 de setembro, a cidade de São Luís do Maranhão completou mais um ano de existência. Para comemorar a passagem dos 411 anos da capital maranhense, nossa Pequena Ilha de Azulejos recebeu uma série de homenagens que foram de shows com artistas diversos a lives e recitais de poemas, passando por lançamento de livros, passeios, exposições etc.
Logo no início dessa festiva semana, foi lançada também a 15ª edição do festival Maranhão na Tela, com uma robusta programação e com a presença de personalidades do porte da premiadíssima atriz Dira Paes e de Dona Pureza, que serviu como inspiração para um dos filmes nacionais mais esperados e comentados das últimas décadas. O Festival também prestou merecidas homenagens ao poeta, compositor e jornalista Celso Borges, dono de uma grande consistente obra e que faleceu recentemente.
Além dessas merecidas homenagens, o Maranhão na Tela deste ano de 2023 resolveu também presentear a cidade de São Luís com o lançamento do longa-metragem Tire Cinco Cartas, um filme produzido pelos cineastas Joaquim Haickel e Elisa Tolomelli, roteirizado por Joaquim Haickel, Gustavo Pinheiro, Melina Dalboni, Diego Freitas, Giulia Bertolli e Julia Antuerpem, com direção geral de Diego Freitas, direção de arte de Sérgio Silveira e direção de fotografia de Victor Alencar.
Além desses excelentes profissionais que trabalham por trás das câmeras, os atores e atrizes escolhidos para composição do elenco contou com o talento e a experiência de nomes como Lília Cabral, Stepan Nercessian, Claudia di Moura, Sérgio Malheiros, Guilherme Piva, Giulia Bertolli, César Boaes, Allan Souza Lima, Thaynara OG, Claudiana Cotrim, Al Danúzio, Tácito Borralho e Mathy Lemos. Somente essa mescla de talentos já poderia servir de motivo para acompanhar o desenvolvimento do filme. Porém, é possível perceber nas atuações que o esforço dos atores, dos produtores e dos diretores acabou entregando ao público muito mais que uma boa narrativa recheada de excelentes atuações. Todos trouxeram para a tela boas risadas e momentos de reflexão.
O enredo do filme gira em torno de uma história aparentemente simples e banal. Fátima, uma mulher com algum talento para a música, deixa sua terra natal e vai tentar a sorte no Rio de Janeiro. Como não alcança o sucesso almejado, ela decide seguir a carreira de taróloga, auxiliada por seu marido Lindoval que, além de pesquisar nas redes sociais a vida dos clientes de Fátima, há anos se apresenta como cover de Sidney Magal. Na outra ponta da narrativa estão as personagens que ficaram no Maranhão, capitaneadas por Nazaré, irmã mais nova de Fátima e com quem a taróloga não mantém boas relações.
Para juntar os dois núcleos, os roteiristas recorreram a um furto perpetrado por dois irmãos. A morte de um tio e outras peripécias culminaram com retorno de Fátima, agora acompanhada de seu marido, a São Luís e o inevitável reencontro com a irmã e com os demais familiares. Esses detalhes não servem apenas para fazer a fusão dos dois núcleos do filme, mas também para imiscuir na história laivos de um realismo mágico, críticas sociais, passeios pela cultura maranhense e muitas tiradas bastante elaboradas e pertinentes aos assuntos discutidos.
Dois detalhes importantes são a trilha sonora do filme, que dialoga com o enredo e que traz a presença de nomes essenciais para a música brasileira, como é o caso de Alcione, Sidney Magal e o mestre Antônio Vieira, que é lembrado em diversos momentos da trama; e também o destaque para as belezas históricas e arquitetônicas da cidade, que foram muito bem retratadas na tela.
De modo bastante proveitoso, os roteiristas construíram a narrativa fílmica com base em pares especulares, fazendo com que as personagens principais da história tenham as imagens refletidas em outros elementos: as duas irmãs separadas por discordâncias encontram eco nas figura dos dois irmãos trapaceiros que se amam, mas que também apresentam pontos de diferenças; as relações parentais também norteiam as discretas participações de César Boaes (que vive a angústia da não aceitação do filho) e da personagem Sandra – vivida por Giullia Bertolli – e que tem que esconder dos pais e do restante da sociedade seus desejos mais íntimos.
Ao longo de todo o filme há uma espécie de sutil ironia sobre a relação das pessoas com as redes sociais. Além de mostrar os perigos de uma exposição massiva de nossos momentos e de nossos dados nas redes sociais, traz também a construção de uma necessidade muitas pessoas têm de mostrarem-se para conseguirem seguidores, aceitação e likes. A recorrência da pergunta sobre o número de seguidores, as permutas e os (des)encontros favorecidos pela visualização de detalhes aparentemente insignificantes dão agilidade às cenas e despertam a empatia do público para com as personagens principais e mesmo com as secundárias.
Tire Cinco Cartas, desde as primeiras cenas, cumpre seu papel de divertir e de levar à reflexão acerca das relações familiares, das redes sociais, da vida amorosa das pessoas e de tantos outros assuntos que se multiplicam ao longo da narrativa. A atuação de Lilia Cabral e Stepan Nercessian dispensa comentários. Os dois imprimem leveza e simpatia em cada momento da ação e conseguem fazer com que suas personagens, apesar dos exageros cênicos e dos efeitos especiais (bem trabalhados, por sinal), pareçam seres reais que podem ser encontrados no dia a dia de qualquer cidade.
O filme é, sem dúvida, dos pontos altos da cinematografia nacional neste quase final de primeiro quarto do século XXI. Foi um belo presente para São Luís, para seus moradores, para os amantes do cinema e para todo o Brasil.
Uma resposta
… Um texto espetacular escrito por NERES capaz de traduzir toda a belezura que é esse filme. Eu ri, chorei, revivi momentos de minha infância em São Luís. Esplêndidos, tanto o filme como o texto. Uma viagem transcendental!