segunda-feira, 7 de outubro de 2024

ARTIGO DE SEGUNDA #01: UM TRAÇO PECULIAR DE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE

Publicado em 14 de agosto de 2023, às 11:23
Fonte: José Neres – Professor. Membro da AML, ALL, APB, Sobrames-MA.
Imagem: FreePik Premium.

Com a anuência e a permissão do nosso amigo e editor, o professor Doutor Marcos Fábio Belo Matos, passamos a partir desta semana a ocupar este espaço às segundas-feiras neste prestigiado site que cobre não apenas a Região Tocantina, mas boa parte das notícias e acontecimentos de todo o Brasil.

Será uma oportunidade de, semanalmente, falar sobre livros, peças teatrais, ambiente, educação e qualquer outro assunto que esteja relacionado com os aspectos culturais e nosso Estado e de nosso País.

Nesta primeira semana, trazemos à baila algumas curiosidades acerca de uma das mais importantes personalidades nacionais da primeira metade do século XX – o poeta, compositor e teatrólogo Catulo da Paixão Cearense, um homem que foi muito respeitado por sua produção artística, mas que, como ocorre com muitos outros nomes, encontra-se quase totalmente esquecido.

Filho do casal formado por Amâncio José da Paixão da Silva, que depois retirou o Silva e adicionou sua alcunha Cearense ao nome, e da senhora Maria Celestina Braga da Paixão, Catulo da Paixão Cearense veio à luz, segundo seu biógrafo mais recente – Luiz Américo Lisboa Junior – em 31 de janeiro de 1866. Sobre sua data de nascimento, é importante lembrar que há informações diversas espalhadas em livros, jornais e em páginas da internet. O poeta do Luar do Sertão, ao falecer em 10 de maio de 1946 – em um domingo de Dia das Mães – era reconhecido, amado pelo público e aclamado pela crítica.

Autor de obras memoráveis, como Meu Sertão, Sertão em Flor, O Evangelho das Aves, O Sol e a Lua e Um Boêmio no Céu, Catulo da Paixão Cearense, seja com seus poemas em livros, jornais e revista, seja com suas composições musicais, encantou diversas gerações de amantes das letras e até hoje é visto como exemplo de poeta que sabia utilizar com perfeição tanto a escrita gramaticalmente escorreita quanto as variantes sertanejas. Composições suas, como Luar do Sertão, A Flor do Maracujá e Flor Amorosa já foram diversas vezes regravadas por intérpretes dos mais variados estilos musicais.

Embora tenha sido recorrentemente instado a candidatar-se a uma vaga na Academia Brasileira de Letras, o poeta-compositor por diversas vezes deixou claro que não tinha disposição para pedir votos. No entanto, em 1946, ao ser sondando pelo escritor José Nascimento Morais, que à época estava à frente da Academia Maranhense de Letras, o autor de O Boêmio no Céu aceitou fazer parte da Casa de Antônio Lobo, sendo eleito para a Cadeira nº 9, em sucessão ao poeta Inácio Xavier de Carvalho, mas não chegou a tomar posse fisicamente, pois, mesmo tendo elaborado um singelo discurso, faleceu antes da cerimônia, sendo reconhecido postumamente como membro da AML.

Em homenagem a toda a trajetória artística de Catulo, a revista A Noite Ilustrada dedicou-lhe uma edição especial com 38 páginas nas quais praticamente todas as facetas da vida e da obra do grande poeta maranhense foram analisadas.

Porém, mesmo cercado de glórias, admirado por uma multidão e reconhecido como um dos grandes artistas brasileiros, há uma particularidade de Catulo da Paixão Cearense que chamava a atenção de alguns de seus contemporâneos: um narcisismo que beirava a megalomania com relação à sua obra. Até mesmo alguns de seus maiores admiradores se sentiam incomodados com essa característica do autor de Marrueiro, como é o caso do crítico literário Agrippino Grieco e do polígrafo Josué Montello.

Em um capítulo de seu livro Poetas e Prosadores do Brasil (Conquista, 1968, 288 páginas), Grieco comentou que, quando cantava ou recitava na residência de algum amigo, Catulo exigia silêncio absoluto e não permitia que outro poeta ou cantor fizesse uso da palavra. Exigia exclusividade. O famoso crítico chegou a afirmar que Catulo “colocou seu talento acima da formosura das mulheres, proclamava que neste país nunca viu bardo superior, nem mesmo Castro Alves, que não lhe possuía senso filosófico, e, na língua portuguesa em geral, achava-se superior ao próprio Guerra Junqueiro, dizendo que os Simples deste não valiam o seu Evangelho das Aves” (pág. 57). Agrippino Grieco credita esse narcisismo de Catulo a uma espécie de inocência e de uma cândida vaidade, mas não deixa de lembrar que, caso tivesse poder, Catulo “arranjaria uma nova Inquisição, um auto-de-fé implacável para os demais autores” (pág. 57).

Um episódio ocorrido em 1937 envolvendo Catulo da Paixão Cearense e Agrippino Grieco é comentado por Josué Montello no livro Baú de Juventude (Edições AML, 1997, 78 páginas). Em seu artigo, que foi inicialmente publicado logo após o passamento do vate maranhense, o autor de Cais da Sagração descreve Catulo como sendo “um velho baixo, de cabeça completamente raspada, metido numa roupa branca malamanhada, [com] o nariz recurvo, aparando o aro de tartaruga dos óculos avantajados” (pág. 35). Segundo Montello, naquele dia, em plena livraria, o autor de A vaquejada tentava convencer o crítico de que ele – Catulo – era o maior poeta do mundo. Como Grieco relutava em aceitar essa imposição, o poeta começou a declamar em voz alta seus versos. Baldadas suas investidas, saiu dali contrariado.

O narcisismo literário de Catulo era tão visível que tanto Josué Montello quanto Agrippino Grieco recorrem a alegorias semelhantes para demonstrá-la. O primeiro diz que chegando ao céu, o bardo maranhense irá tentar apresentar-se como o maior poeta de todos os tempos. Caso São Pedro não se convença disso, “o poeta recitará seus versos. Se São Pedro mesmo assim contrariar-lhe o julgamento, Catulo apelará para o violão” (Pág.  37). Já Grieco, de modo mais ácido e irônico, escreveu o seguinte em seu artigo: “E estou a vê-lo à entrada do Paraíso, dizendo com a máxima naturalidade ao Padre Eterno: ‘Bom dia, caro colega!’”. Interessante notar que o embate entre o poeta e São Pedro é o mote da excelente peça Um Boêmio no Céu, uma das obras-primas da dramaturgia brasileira, mas que há tempos se tornou uma obra rara e sem reedições.

Apesar de suas extremadas catulices megalomaníacas, poucos foram o que negaram o talento desse bardo maranhense que fez muito sucesso em vida, mas que, conforme vaticinou Humberto de Campos, acabou caindo no esquecimento, infelizmente. Talento nunca lhe faltou. Quanto à modéstia… deixemos para lá!

Bem, assim chegamos ao final deste primeiro artigo de segunda. Semana que vem estaremos de volta com outro assunto, outro autor ou outra temática.

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