Por Cristiane de Magalhães – poeta, professora de Língua Portuguesa.
A vida simples almejada pelos apressadinhos dos grandes centros e divulgada pelos desapegados pós-modernos. Ah, a vida simples, esse artigo de luxo, quem nos dera! Essa, para o sertanejo, vem espontaneamente. Para ele, ela é lógica. Óbvia. Sertanejo não requenta filosofias centenárias. Cria sua própria. Sabe detalhadamente as obrigações do dia, da semana, da vida. Não precisa de planner nem de estoicismo.
Sua sabedoria vem da terra, do tempo – cronológico e climático – e dos gravetos pontiagudos que prejudicam a plantação. Graveto, pau seco, pedregulho. Percalços que a via urbana também conhece. Mas a vida urbana, muitas vezes, nem é vida. E o sertanejo sabe sim que vida boa é a que ele leva.
O sertanejo, sem (pré) ocupações exageradas, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. Cantarola músicas de outras épocas enquanto dá milho às galinhas, faz composições de assovio quando lhe aperreiam o juízo. Sem graduações filosóficas, finge não saber nada. Desvenda os mistérios da vida e da morte observando os pés de feijão que não vingaram. Em Inteligência Emocional tem PHD. Sabemos se o sertanejo é feliz pelo verdume de seu roçado.
Enquanto os espertos são consumidos por úlceras estomacais, o sertanejo, bobo, franze a testa para a comida enlatada. Colhe fruta no pé. À modernidade apressada e frenética ele responde: gente é bicho besta. Aos cobertos de razão em suas falações, ele admoesta: direito tem quem direito anda. Os espertos deveriam era andar com bloquinhos de anotações ao visitar o sertão. Quantas pérolas escondidas no discurso do sertanejo! Ele sabe mesmo das coisas.
Veja você que, ao fazer o caminho inverso, que é o de sair da cidade grande para viver, por escolha, no sertão, o sertanejo afirma não ter nascido para viver preso e que se libertou do encarceramento de si. Os metrôs e ônibus que compactam o tempo, ele substitui pelas caminhadas que expandem a vida. O sertanejo sabe que a pressa é inimiga da contemplação.
Há desvantagens sim, é óbvio. Por seu ritmo um pouco mais, digamos, analógico, anda sempre alguns meses atrás dos avanços tecnológicos. Uma vez, por exemplo, quando precisou trocar o aparelho smartphone, se chateou por não poder comprar um modelo idêntico ao anterior. “Não entendo porque essas empresas não inventam modelo novo só depois que a gente aprende a usar o antigo. Aliás, antigo não, que esse meu não tem nem 2 anos.”
O sertanejo não entende de Inteligência Artificial, mas, muitas vezes, ele é um Suassuna. Escreve parágrafos de anedotas de calçada, traceja pilherias no chão e frases de sabedoria no caderno de contas em época de colheita. Quando o balanço contábil interessa demais seu ajudante, logo descobre se é por necessidade ou esperteza. É astuto, mas tem uma coisa que a IA não tem: vivência e coração sertanejo.
Uma resposta
A leitura dos textos de Cristiane Magalhães é, para mim, uma dupla aventura: Viajo pelos “roçados” do meu tempo de menina e aterrisso no meu mundinho interior… É muita belezura!